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Sábado - 08 de Outubro de 2011 às 15:22

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Nos últimos meses, diversas pessoas que visitaram Palo Alto, na Califórnia, ligaram para a casa de um velho amigo para saber se ele podia receber visitas, talvez pela última vez.

Em fevereiro, Steven P. Jobs havia sido informado de que não lhe restava muito tempo, depois de anos de batalha contra o câncer. Ele transmitiu a notícia discretamente a alguns conhecidos, que a repassaram de maneira igualmente discreta a outros. E isso deu início a uma peregrinação.

As primeiras visitas eram esparsas. Mas os poucos visitantes iniciais logo se tornaram dezenas, e nas últimas semanas, de acordo com pessoas próximas a Jobs, surgiu uma corrente quase contínua de pessoas que desejavam se despedir. A maioria terminava interceptada por Laurene, a mulher de Jobs, que pedia desculpas mas informava que ele estava cansado demais para receber muita gente. Em suas semanas finais de vida, Jobs estava tão fraco que mal conseguia subir as escadas de casa, confidenciou ela a um desses visitantes.

Alguns diziam que tentariam de novo no dia seguinte.

E ela voltava a se desculpar e a explicar que a energia de Jobs para despedidas era limitada. O homem que prezava sua privacidade em grau quase tão intenso quanto seu desejo de mudar o mundo já havia decidido quem ele precisava ver antes de partir.

Jobs passou suas últimas semanas --como havia passado quase toda a vida-- controlando firmemente as suas escolhas. Convidou um bom amigo, o médico Dean Ornish, proponente dos cuidados preventivos de saúde, para um jantar de sushi em um de seus restaurantes favoritos, o Jin Sho, em Palo Alto. Despediu-se de colegas de longa data, como John Doerr, executivo de capital para empreendimentos, Bill Campbell, conselheiro da Apple, e Robert Iger, presidente da Disney. Ofereceu aos executivos da companhia seus conselhos sobre como lançar o iPhone 4S, o que aconteceu na terça-feira (4). Conversou com seu biógrafo, Walter Isaacson. Iniciou um tratamento com novos medicamentos e disse a alguns amigos que havia motivo para esperança.

Mas em geral dedicou seu tempo a mulher e filhos --que agora gerirão uma fortuna de pelo menos US$ 6,5 bilhões e, além de enfrentaram seu pesar, terão a responsabilidade de administrar o legado de uma figura cujo valor simbólico tinha peso ao menos tão grande quanto o humano.

"Steve fez escolhas", disse Ornish. "Certa vez lhe perguntei se estava feliz por ter filhos, e ele respondeu que era 10 mil vezes melhor do que qualquer outra coisa que tivesse feito".

"Para ele, o que importava era viver a vida de acordo com as suas preferências, sem desperdiçar o tempo com coisas que não via como importantes. Estava ciente de que o tempo que lhe restava era limitado e queria controlar o que fazer com as escolhas que lhe restavam."

Nos seus meses finais, a casa de Jobs --grande e confortável, mas relativamente modesta, em um bairro residencial-- estava protegida por seguranças. Duas caminhonetes pretas de segurança ficavam estacionadas permanentemente flanqueando o portão de entrada.

Na quinta-feira (6), com os elogios se multiplicando pela rede e as paredes de lojas da Apple em Taiwan, Nova York, Xangai e Frankfurt recobertas de cartões manuscritos, os utilitários esportivos foram retirados, e a calçada da casa de Jobs se tornou palco de tributos --flores, velas e uma pilha de maçãs, todas cuidadosamente mordidas.

"Todo mundo queria alguma coisa de Steve", conta um conhecido que tentou se despedir de Jobs em suas semanas finais, mas não foi recebido. "Ele criou múltiplas camadas para se proteger das expectativas de fãs e outras pessoas e das expectativas que destruíram tantas outras empresas."

"Mas quando você se vai, passa a pertencer ao mundo", disse.

Isaacson, o biógrafo de Jobs, cujo livro sai em duas semanas, lhe perguntou por que um homem tão zeloso de sua privacidade havia aceitado responder às perguntas de um biógrafo. "Quero que meus filhos saibam como eu era", respondeu Jobs, de acordo com um artigo de Isaacson que a Time.com publicou na quinta-feira. "Eu nem sempre estive à disposição deles e queria que soubessem por que e que compreendessem o que fiz."

Devido a essa preocupação com a privacidade, pouco se sabe até agora sobre o que os herdeiros de Jobs farão com sua riqueza. Ao contrário de muitos empresários conhecidos, ele jamais revelou planos para grandes doações assistenciais. Suas ações na Disney, que Jobs adquiriu quando ela tomou o controle da Pixar, uma produtora de filmes de animação criada por ele, valem cerca de US$ 4,4 bilhões, mais que o dobro de seus US$ 2,1 bilhões em ações da Apple, o que pode surpreender, dado que ele é mais conhecido como líder da companhia de computadores que fundou.

O apreço de Jobs pelo sigilo, dizem conhecidos, o levou a evitar grandes doações públicas. Em dado momento, Jobs recebeu um apelo do fundador da Microsoft, Bill Gates, para que doasse a maioria de seu patrimônio para fins filantrópicos, em companhia de outros empresários importantes como Gates e o investidor Warren Buffett. Mas Jobs recusou o pedido, de acordo com uma pessoa diretamente informada sobre sua decisão.

Agora que ele se foi, muita gente antecipa que as atenções ficarão concentradas em sua mulher, Laurene Powell Jobs, que sempre procurou evitar a mídia, mas deve exercer controle sobre a fortuna do marido. Formada pelas universidades da Pensilvânia e Stanford, ela trabalhou em um banco de investimento antes de fundar uma companhia de alimentos naturais. Depois, criou o College Track, um programa que encontra mentores para ajudar universitários de baixos recursos econômicos a obterem diplomas. Isso conduziu a especulações, entre os profissionais da filantropia, de que quaisquer doações de valor elevado sejam dirigidas à educação, ainda que só as pessoas mais próximas de Jobs estejam informadas dos planos da família.

Jobs não se diplomou na universidade. Apesar de ter abandonado o Reed College depois de apenas um semestre de estudos, ele foi convidado a discursar aos formandos da Universidade Stanford em 2005.

Naquele discurso, que ele fez depois de ter sido informado de que estava com câncer, mas antes de saber que uma cura completa seria impossível, Jobs disse que "a morte provavelmente é a melhor invenção da vida. É o agente de mudanças da vida".

O benefício da morte, disse ele, é que ela leva uma pessoa a não desperdiçar sua vida seguindo as escolhas dos outros.

"Não permitam que o ruído das opiniões alheias abafe suas vozes interiores. E, o mais importante, tenham a coragem de seguir seu coração e sua intuição", disse.

Nos seus meses finais, Jobs parece ter se dedicado ainda mais a esses sentimentos. "As preocupações de Steve nas últimas semanas eram sobre as pessoas que dependiam dele: as pessoas que trabalhavam para ele na Apple, sua mulher e seus quatro filhos", diz Mona Simpson, irmã de Jobs. "No final, ele demonstrou ternura e contrição e lamentava muito ter de nos deixar."

Quando a notícia de sua doença se espalhou, Jobs foi convidado para diversos jantares de despedida e homenageado com muitos prêmios.

Mas recusou os convites. Nos dias em que sua saúde permitia que fosse ao escritório da Apple, tudo que desejava depois era voltar para casa e jantar com a família. Quando um conhecido começou a insistir demais em enviar um presente para agradecer a Jobs pela amizade, foi instruído a parar de telefonar. Jobs tinha outras coisas a fazer com o tempo que lhe restava.

"Ele era muito humano", disse Ornish. "Era uma pessoa mui to mais real do que a maioria de nós imaginava. E isso é que o tornou tão grande."

Com colaboração de JULIE BOSMAN, QUENTIN HARDY, CLAIRE CAIN MILLER e EVELYN M. RUSLI
Tradução de PAULO MIGLIACCI 






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