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Economia
Sábado - 16 de Julho de 2011 às 09:26

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Apesar de sair 30% menor do julgamento do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), a Brasil Foods vai se preparar para brigar, com a mesma força, pelo consumidor.

O órgão antitruste não colocou, no acordo firmado com a empresa aprovado nesta semana, limites para construção de fábricas ou compra de unidades no país.

Essa flexibilidade abre espaço para a BRF se fortalecer no mercado interno até o prazo final para a adoção das restrições determinadas pelo Cade --venda de 730 mil toneladas em capacidade de produção e suspensão das marcas Batavo e Perdigão em algumas categorias, o que acontecerá só em 2012.

"Não temos limite para refazer essa capacidade [de produção]. E temos algum tempo para preparar isso tudo", afirmou o presidente da BRF, José Antonio do Prado Fay.

Em entrevista concedida à Folha na antiga sede da Perdigão, na quinta-feira --primeiro dia oficial da Brasil Foods--, Fay revelou que a empresa já preparava o contra-ataque na Justiça e disse que "o tempo vai dizer como essa negociação foi acertada e importante".

  Editoria de Arte/Folhapress  

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Folha - O senhor está aliviado?
José Antonio Fay - Estou, porque o que a gente tinha era uma não solução, e eu nunca me conformei com isso. Tivemos a oportunidade de buscar uma solução em 40 dias, um tempo curto. Trabalhamos loucamente e os conselheiros do Cade também. Foram muitas reuniões com o Cade, dezenas. E longas.

Em algum momento o senhor achou que perderia essa batalha no Cade?
Em vários momentos eu cheguei a pensar que a gente iria para a Justiça. Porque uma negociação dessas cresce em alguns momentos e daqui a pouco ela desmonta. Em vários momentos eu pensei que não iríamos chegar a um acordo. Então, vamos preparar a questão jurídica. E a gente já estava preparando mesmo, isso era uma realidade. Das negociações em que eu já me envolvi, é das mais complexas.

Foi difícil convencer o Cade a aceitar restrições diferentes para cada categoria?
Sim, mas o próprio Cade, o conselheiro [Ricardo] Ruiz, teve algumas sacadas. Entrou num processo criativo de chegar a uma solução que, no fim, nos atendia, porque era gradual. Esse era o meu ponto. Não dá para aplicar uma coisa só, porque vai corrigir um pedaço e, no resto, vai matar a criança. O tempo vai dizer como essa negociação foi acertada e importante. É importante que o Brasil tenha uma empresa como a Brasil Foods. E isso não é arrogância. Estou mais do que convencido de que a fusão é boa para o país, para os nossos acionistas e consumidores. Eu não consigo ver essa coisa nefasta que está sendo criada. E eu tenho certeza de que o tempo vai me dar razão.

A opinião pública não aceita bem as grandes fusões --não só de Sadia e Perdigão, mas também houve recentemente o caso Pão de Açúcar/Carrefour e Gol/WebJet. Como defender as grandes fusões perante o consumidor?
Eu acho que o consumidor, no fim do dia, é o grande beneficiado. Porque se manteve uma rivalidade no mercado. Eu trabalho com consumo há muitos anos. Você só tem sucesso com o consumidor se tiver o produto certo pelo preço certo. Eu duvido que qualquer companhia possa botar o preço que tiver que botar e as pessoas vão continuar comprando. É errado achar que o consumidor é um ente econômico que não sabe o que faz, ou que é forçado a fazer algumas coisas - ao menos que seja no setor de saúde. Em alimentos, o consumidor, além de saber o que faz, tem a opção de escolher.

Mas como convencer o consumidor de que ele não será prejudicado?
É difícil explicar, porque normalmente a primeira visão que se tem é que se está formando um gigante e que o gigante faz o que quer. Mas é difícil entender como ele [o gigante] vai agir e como eu vou reagir como consumidor. Os ganhos de sinergia [operacionais e de escala] de uma grande fusão vão tornar a empresa muito eficiente. Mas aí vem a interpretação de que a empresa não precisa passar esse ganho para o consumidor. Se a gente não quiser ganhar mercado, realmente não precisa. Mas por que raios uma empresa que já tem milhões de consumidores e que tem a capacidade de ganhar mais consumidores não vai agir de forma a aumentar a sua base de consumo? Não faz sentido econômico. Eu acho que essas grandes fusões vão continuar acontecendo, no mundo todo, e a gente precisa ter bons mecanismos de medida e controle. Nós tomamos uma medida de controle do Cade e eu acho que foi adequada.

O resultado do julgamento gerou críticas de que o Cade teria sido permissivo.
Eu não acho. Veja tudo o que a gente teve de fazer...

E que teria ocorrido, inclusive, ingerência política durante esses 40 dias de negociação.
De jeito nenhum. Eu acho que talvez esse tenha sido o momento em que o Cade foi mais rigoroso com uma empresa. Vamos nos desfazer de 13% do nosso faturamento, é importante. Estamos cedendo ao mercado uma empresa de R$ 1,7 bilhão, é grande. É o dobro da Batavo, que eu comandava antes de vir para a Perdigão. Não é uma empresinha. O Cade foi criativo e aplicou regras que são duras. Permissivo, não. E se tivesse ingerência política, eu não perderia 13% do meu faturamento.

O que o senhor achou da postura de Carlos Ragazzo [relator do caso], ao manter seu voto contra a fusão, enquanto todos os outros conselheiros estavam alinhados?
Eu não comento a postura dele. Eu digo que quatro pensaram de um jeito e ele, de outro. Mas nós não conseguimos negociar com ele, essa é a realidade. Então não chegamos a nenhuma solução. Mas é um direito dele, enfim.

O senhor confirma que foi procurado por Marfrig, JBS e Tyson para negociar os ativos que vão ser vendidos?
Formalmente, ninguém me procurou. Informalmente, muitos me procuraram e também um pessoal de fundos private equity. Mas isso vai para o mercado de forma organizada. Vamos contratar um banco, oferecer [os ativos], os caras vão dar as propostas e nós vamos negociar.

  Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress  

O senhor acha que pode ser uma oportunidade para empresas estrangeiras entrarem no país?
Eu acho que sim. O Brasil é mais do que interessante. Vai crescer muito mais do que o resto do mundo nos próximos anos, é um mercado muito atrativo. É como se tivesse um ativo muito interessante nos EUA para comprar. Eu iria lá olhar, com certeza.

Mas deve ser necessariamente uma empresa que esteja interessada no mercado interno?
Ela também pode usar isso como plataforma de exportação. Porque é uma empresa grande, estamos falando de 700 mil toneladas [de capacidade].

Especialistas aguardam uma forte migração da marca Perdigão para a Sadia. Se isso realmente acontecer, como atender a todos os consumidores da BRF, pois a empresa estará com uma capacidade de produção 30% menor?
Não vamos estar (com uma capacidade menor). Tem uma capacidade [de produção] que eu estou vendendo, que sai da BRF com as marcas que também serão vendidas, como Rezende, Wilson e Confiança. Quando eu suspendo a marca Perdigão em determinadas categorias, esse volume de vendas sai da BRF, mas não de produção.

Mas tem uma capacidade adicional de produção de Perdigão que também será vendida.
A capacidade vendida é maior do que as marcas que estão sendo vendidas, é verdade. Porque o Cade queria que essa nova empresa tivesse capacidade de abastecer a essa demanda por Batavo e Perdigão que vai continuar depois que as marcas forem suspensas.

Então como atender a todos os consumidores que hoje compram Sadia e Perdigão e ainda aumentar as exportações de produtos processados, como a empresa quer?
Esse é o desafio que nós temos. Eu acho que dá para casar tudo isso. Nós já temos uma posição bem confortável de caixa para fazer o nosso planejamento de aquisições e vamos receber uma quantidade de dinheiro referente à venda dos ativos. Uma das formas de balancear isso é pegar esse dinheiro e comprar faturamento.

O senhor pode fazer aquisições no Brasil?
Posso, desde respeitados os meus limites de uso das marcas. Mas também nem tem [ativos para comprar].

Pode construir fábricas?
Posso. Até porque, do ponto de vista concorrencial, é bom. Vou aumentar a oferta, o que vai pressionar preço. O Cade falou: se amanhã você quiser comprar tudo o que está vendendo, pode comprar. Porque você vai aumentar a oferta, e isso é bom do ponto de vista do consumidor. Então não temos limites para refazer essa capacidade, e temos algum tempo para preparar tudo isso. Até lá [venda das fábricas determinadas pelo Cade pela BRF], eu posso repor capacidade. Para nós, é indiferente. Eu também vou disputar esse mercado que vai sobrar com os que já existem, como Marfrig, Aurora e marcas regionais. Esse povo todo vai estar disputando esse mercado, e nós também.

Então, com esse dinheiro que vocês vão receber, é possível que sejam construídas novas fábricas no Brasil?
Sim, assim como aquisição fora do Brasil --e essa alternativa é a mais fácil para eu repor faturamento. Mas eu também posso me preparar internamente, lançar novos produtos... Eu disse para o meu pessoal de pesquisa e desenvolvimento que agora eu preciso ainda mais deles. Nas categorias em que estamos livres para operar, temos de lançar mais variedades de produtos. Temos de lançar novos tipos de produtos para recompor o que a gente vai perder, o que é bom para o consumidor. Vamos dar mais opção para ele.

  Carlos Cecconello/Folhapress  
O presidente da BRF Brasil Foods, José Antonio do Prado Fay
O presidente da Brasil Foods, José Antonio do Prado Fay, diz que já foi procurado informalmente por empresas e fundos private equity interessados nos ativos que a empresa terá de vender com a fusão Sadia/Perdigão

O foco para aquisições no exterior continua sendo o Oriente Médio?
Continua, fundamentalmente América Latina, Oriente Médio e tem Ásia e África pela oportunidade.

O Cade deu para a BRF a opção de qual marca suspender? Sadia ou Perdigão?
Não, ele decidiu e fez a proposta desta forma. Para a gente, tudo bem.

Como a Perdigão foi a empresa compradora, em nenhum momento houve a discussão: vamos manter a Perdigão e suspender a Sadia?
Eu não tenho isso. Eu queria ter as duas dentro da Brasil Foods. Se o sacrifício para ter as duas é ficar de fora de algumas categorias com a marca Perdigão, vamos lá, em frente. Até porque, das marcas que nós temos, a mais querida para mim é a Batavo (risos).

O Cade proibiu a BRF de lançar novas marcas nos mercados em que a Perdigão foi suspensa, mas a empresa pode lançar novas variedades da Sadia?
Como se fosse um novo presunto Sadia?

Sim.
Eu acho que posso.

Vocês tinham um portfólio muito amplo e atendiam a todas as classes sociais. Como atender a todos os consumidores com uma marca premium, que é a Sadia?
Mas isso não acontece em todas as categorias. Em salsichas, empanados, hambúrgueres, linguiça e mortadela, por exemplo, eu tenho Sadia e Perdigão.

Essa decisão do Cade (de obrigar a empresa a vender todas as marcas de combate) não fez a companhia voltar a uma discussão levantada anos atrás, à época da fusão, de que a Sadia seria a marca premium da BRF e a Perdigão, a mais popular?
Na verdade, a nossa estratégia de marca era deixa-las próximas. Agora o pessoal de marketing tem que me entregar uma nova estratégia. Tem de olhar, categoria por categoria, o que ficou. Em uma categoria como mortadela nós temos Sadilar (marca popular da BRF), Perdigão e Sadia. Uma categoria como presunto, lá na frente, eu vou ter só Sadia. Então agora nós vamos ter de olhar, embaralhar tudo isso e vamos achar a solução. Em geral, a Sadia tem um preço maior do que a Perdigão. Mas cada categoria tem uma dinâmica diferente, e nas regiões também. Perdigão tem uma preferência forte no Rio Grande do Sul. Sadia é mais forte aqui em São Paulo. O nosso desafio, que começou hoje, é reconfigurar as nossas estratégias. O meu departamento de marketing e comercial terá de 15 a 20 dias para me dar um direcionamento.

Mas as marcas vão ter de ser recolocadas?
Sim, nós vamos ter de lidar com isso. Não são só flores.

E a tendência é que a Perdigão seja uma marca mais popular e a Sadia, premium?
Eu vou discutir categoria a categoria.

A escolha das fábricas que vão ser vendidas seguiu uma lógica geográfica?
Sim, tem uma lógica geográfica e o sistema tem uma lógica de produção que é igual a nossa.

Então a tendência é de que a BRF venda mais unidades nos locais onde está mais concentrada?
Se o Cade tivesse dito "faça o que você quer", eu pegaria algum lugar onde eu sou concentrado e botar todas as fábricas [à venda] ali. Mas o Cade pediu para nós apresentarmos um negócio que tenha capacidade de se articular nacionalmente.

Vocês estão falando, internamente, quais fábricas serão vendidas?
Nós vamos falar logo. O que eu não quero é que o cara que trabalha lá na fábrica fique sabendo pelos jornais que a fábrica dele vai ser vendida. Embora a gente tenha tido o cuidado de fazer com que conste no próprio TCD [termo de compromisso de desempenho, documento assinado com o Cade] que as pessoas têm garantia de emprego por seis meses, eu vou lá [na fábrica] falar. Assim que eu fizer isso, vou divulgar quais fábricas serão vendidas.

E isso vai acontecer logo?
Logo, vai ser na semana que vem.

Então, em breve os ativos que serão vendidos vão se tornar públicos?
Públicos, totalmente públicos.

E aí se poderá se avaliar quanto vale essa empresa a ser vendida?
Sim. Hoje, tem um monte de empresa ligando para dizer que está interessada. Mas elas nem sabem o que é, sabem o geralzão... Mas eu acho razoável que exista grande interesse nesses ativos, porque tem a nossa eficiência, são de escala nacional, é um sistema completo. E no Brasil não existem sistemas grandes à venda nessa área. O último grande era a Seara, que a Marfrig comprou. Essa (que está sendo vendida) é uma empresa maior que a Seara. E nós vamos vender para quem pagar mais, garanto. Para mim tanto faz o comprador, o que eu quero é valorizar. 






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