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Sexta - 27 de Junho de 2014 às 17:52
Por: *JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS

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Ele alfineta jornalistas e colegas de trabalho na internet. Já comprou briga com fãs e celebridades. Foi ameaçado. Posicionou-se contra as manifestações que tomaram o país no ano passado. Aos 71 anos, o autor de novelas mais polêmico da TV se diz inseguro diante da estreia de sua próxima obra, Império, prevista para meados de julho. Aqui, fala sobre esse medo, seus arrependimentos, abusos que sofreu na infância e de facetas ainda pouco conhecidas.


Aguinaldo Silva é um homem de fina estampa. Mora no 11º andar de um prédio na Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, e sua vista para a Praia de Copacabana é o cartão-postal mais famoso – e talvez o metro quadrado mais caro – do Brasil. Na sala do apartamento, mantém uma coleção de obras de arte com estátuas de Pierrots e bailarinas de porcelana. Luminárias francesas e outras peças do fim do século 19 compõem a decoração. Sapatos de bico fino, camisas de corte ajustado, jazz e um bom vinho também estão sempre por perto.

Mas sua vida nem sempre foi assim. Filho de uma dona de casa e de um frentista, Aguinaldo nasceu em Carpina, em Pernambuco, em 1943. Da infância pobre, carrega apenas as lembranças que povoam personagens de novelas, séries e minisséries que escreve para a Rede Globo desde 1978. Pedra sobre pedra, construiu uma carreira invejável mesmo entre seus pares: é o único autor da casa a ter escrito apenas novelas do horário nobre. Diz-se que é um dos mais bem pagos da categoria, com ganhos mensais estimados em 1 milhão de reais e, agora, se prepara para a estreia de sua décima oitava novela, "Império". O novo folhetim, garante, vai ter uma trama tradicional com estrutura dos tempos modernos: cenas curtas e histórias ágeis. Ex-repórter policial, ele é o criador de um site – ou portal, como prefere chamar – que leva seu nome. Ali e em sua conta do Twitter (@aguinaldaosilva), dá declarações afiadas e alfineta colegas e celebridades, destilando seu veneno, nem sempre suave.

No fim de maio, Aguinaldo recebeu Marie Claire em sua sala de estar para uma longa entrevista de dois encontros. Sentou-se em uma poltrona com as pernas cruzadas, balançava os pés e jogava a cabeça para trás enquanto percorria suas memórias em busca dessas histórias e de outras ainda inéditas de sua biografia. Recordou a descoberta da homossexualidade, a relação próxima com a mãe e a superproteção do pai. Também foi capaz de rir da crueldade dos colegas ao recordar o dia em que, aos 12 anos, foi eleito Rainha da Primavera na escola. Não se esquivou de falar sobre drogas, ansiolíticos e solidão. Ponderou declarações de sua alma indomada e garantiu que tudo o que diz é verdadeiro. Isso porque, ainda parafraseando os títulos de suas novelas, Aguinaldo garante que não tem duas caras.

MARIE CLAIRE - Qual vai ser a polêmica da próxima novela?

AGUINALDO SILVA - "Império" vai ser um novelão à moda antiga, reciclado para os tempos atuais. Ultimamente os autores têm se preocupado mais com temas das novelas do que com tramas. Vou fazer o contrário. Quero saber das tramas, dentro das quais os temas se inserem. Vou tratar do direito que os gays têm de não sair do armário. O personagem do Zé Mayer é gay, mas casado, tem filhos, a esposa é sua cúmplice. Um colega de colégio, um blogueiro do mal, o reencontra depois de anos e o desmascara.
MC - Esse caso é autobiográfico?

AS - Não. Recentemente conheci um casal assim que me inspirou.

MC - Você se dizia contra o beijo gay em novelas. Agora que aconteceu, pensa em colocar algum na sua?
AS - Brinquei com o Zé Mayer e disse para ele agarrar o [ator] Klebber [Toledo] e beijá-lo na primeira cena e acabar logo com isso. Falando sério, nunca descrevo uma cena – hétero ou gay. Escrevo: começam a se amar. Isso vai da sensibilidade dos atores e do diretor. Mas, se tiver, vou adorar.

MC - De que trabalhos mais gosta?

AS - Senhora do Destino [2004 a 2005] foi uma virada em minha carreira. Foi minha primeira novela realmente urbana, que não tinha nada de realismo mágico, o meu forte até então. Fiz uma mudança de rumo radical em uma idade [61 anos] em que as pessoas não querem arriscar. Se não a escrevesse provavelmente não faria mais novela nenhuma. Eu não gostava mais do que estava fazendo.

MC - Por que não?

AS - Não queria mais fazer realismo fantástico. A realidade ficou tão absurda que qualquer coisa que escrevia ficava ingênua perto dela. As imagens de garotos festejando gol do Brasil com fuzil AR-15 são, para mim, realismo mágico.
MC - Falta conquistar alguma coisa?

AS - Quero ganhar um Emmy com um seriado. Seria a glória.

MC - Como escritor, sabe que as histórias pessoais têm dor e fracasso. Quais são as suas?


AS - Tive momentos muito difíceis. Quando o Paulo Ubiratan, que dirigia todas as minhas novelas, morreu, foi um momento de grande dor. Outro foi a minha separação em Pedra sobre Pedra [1992], de uma pessoa com quem vivi por 17 anos. Quando me separo, saio de casa com a roupa do corpo. Escrevi a novela em um quartinho mínimo de um apart-hotel, em um escritório horroroso. Mas escrever sempre foi o meu refúgio, então, me joguei no trabalho. As separações foram os momentos mais difíceis da minha vida.

MC - Sua homossexualidade foi discutida em casa?

AS - Não. Eles nunca perguntaram nada. Todas as vezes em que meu pai soube que sofri o que hoje se chama de bullying, agarrou os garotos pelo pescoço. Sempre me defendeu bravamente das ofensas.
MC - Eles chegaram a conhecer algum companheiro seu?

AS - Sim. Fui visitá-los no Recife com um deles. Quando íamos saindo da casa, minha mãe chamou o rapaz e disse: “Cuida bem do meu filho, hein”. Foi a única vez em que ela fez alguma menção. Isso é tão íntimo... [emociona-se]
MC - Quais são suas melhores memórias de infância?

AS - Em Carpina, era ir ao cinema em um parque, uma coisa fantástica. No Recife, foram experiências que aconteceram na casa de uns vizinhos. Lá vivia uma família de batistas que tinha uma biblioteca. A filha deles me emprestava livros. Depois que eles se mudaram, a casa virou uma república de estudantes – e isso tem a ver com o despertar da minha sexualidade. Aqueles jovens tinham coisas que eu não tinha. O fato de eles terem pelos me deixou fascinado. Não tinha a menor ideia do que era ou não ser gay, mas aquilo me encantou. Essa era a minha casa da bruxa: quando eu entrava nela, o mundo mudava.

MC - Chegou a namorar alguém ali?


AS - Não. Eu tinha uns 12 anos e eles uns 20. Eram velhos para mim.

MC - E a pior memória dessa época?

AS - Todos os anos no colégio havia um concurso para eleger a rainha da primavera. Em um ano, os alunos combinaram que votariam em mim. Na hora de computar os votos, o pastor ia colocando os papéis em uma pilha e logo a minha era maior do que as das candidatas de verdade. Aquilo provocou uma histeria nos meninos, que começaram a me hostilizar. Procurei abrigo no banheiro, me tranquei. Eles derrubaram a porta e iam me linchar se o pastor não chegasse aos berros. Essa é uma humilhação da qual não se esquece mais.

MC - Depois disso você saiu da escola chorando e um homem desconhecido o levou para a casa dele, como escreveu em seu blog?

AS - Sim, mas não aconteceu nada. Não parei de chorar um instante, ele se aborreceu e me botou para fora. O grande drama daquela situação, abstraindo o fato de que aconteceu comigo, é o de que uma criança passa por uma situação limite dessas e tem de fingir que nada aconteceu em casa porque os pais não vão entender. Quando esse homem apareceu, pensei: “Encontrei um salvador”.

MC - Por que é contra a lei que criminaliza a homofobia?

AS - Se você não gosta de jiló, tem todo o direito dizer. O que não pode é esbofetear o jiló. E quem bater em um homossexual tem que ter o mesmo castigo de quem bate em heterossexual. No século 20, talvez por força da discriminação, os homossexuais se tornaram uma classe, um gênero. Isso não existe. Ninguém é totalmente hétero ou totalmente gay. Existem nuances.

MC - A agressão verbal homofóbica não merece ser punida?

AS - Ela pode ser revidada. Sou contra essa coisa de lei para proteger disso, daquilo. Chega de lei.
MC - Recentemente, tuitou que está se sentindo virgem...

AS - É uma brincadeira. Não namoro desde que me separei, em 1998. Tenho encontros, mas nada sério. A partir de uma idade, o sexo vai se tornando menos relevante. Adoro conversar, sentar para jantar, mas, quando penso que vai chegar aquela parte, me dá preguiça.

MC - Tem contato com seus ex?


AS - Não. Separações são sempre traumáticas. Dia desses estava conversando com uma amiga e disse que minha vida amorosa foi um fracasso. Ela respondeu: “Mas a de quem não foi?”. Foi um consolo.
MC - Sente falta de ter uma família?

AS - Sinto. Vejo pouco meu irmão, que mora no Recife, não casei nem tive filhos... Mas tenho meus sobrinhos, que adoro, amigos e gente que me paparica.

MC - Você disse certa vez que é tímido e que as polêmicas que cria na internet são parte de um personagem para divulgar seu trabalho...

AS - Sempre fui tímido. A Globo me chamava para palestrar e eu fugia. A ideia de falar em público me paralisava. Quando não pude mais negar, fiquei doente na véspera de tão nervoso. Agora, essa figura virtual não é real, como todas da internet. É uma maneira de apresentar minha visão do meu trabalho.

MC - Você se arrepende de ter feito alguma declaração?

AS - Constantemente. O Twitter é uma coisa perigosíssima, principalmente depois de uma bela garrafa de vinho. É o ônus de se dizer o que pensa.

MC - Já foi ameaçado?

AS - Durante Fina Estampa, estava caminhando à noite na praia e um rapaz musculoso emparelhou comigo e perguntou: “Você não tem vergonha de criar um personagem como o Crô? Você está envergonhando a classe. Os gays não são assim!”. Comecei a andar rápido, ele foi me insultando. Achei que fosse apanhar. Quando cheguei a uma rua movimentada, eu disse: “Você acha o Crô escandaloso? Você não tem ideia do que é um viado escandaloso! Se não sumir da minha frente, você vai ver um”. Depois disso, parei de sair à noite.





Fonte: Marie Clarie

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