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Opinião
Quarta - 07 de Agosto de 2013 às 16:02
Por: Paulo Cézar de Souza

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  Na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2012 constam os percentuais de duodécimos que o Executivo deve repassar aos demais poderes. No entanto, os percentuais inclusos nesta Lei Estadual poderiam ser menores se fossem seguidas as orientações da Lei 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF). Este normativo federal estabelece uma aplicação de até 3% da Receita Corrente Líquida (RCL) à Assembleia Legislativa e ao Tribunal de Contas (TCE). A RCL é parâmetro utilizado na administração pública para repasses a poderes, pagamento de dívida e desembolso com pessoal (entre outros).
 
Embora a LRF mencione a existência de percentuais-limites (neste caso 3%), isso não significa que os repasses devam ser operados exatamente nesse teto. Mas é o que acontece conforme preceituado em Lei Estadual (Lei 9.784/2012). Logo, duodécimos podem ser inferiores à Lei Estadual 9.784/2012 sem nenhum afrontamento à Lei Federal (LRF).
 
Embora o Executivo esteja cumprindo esse teto de 3%, uma contabilização rigorosa colocaria o Estado de Mato Grosso acima do limite da LRF, ou seja, se todos os valores desembolsados com o Legislativo e TCE forem apropriados conforme normatização da Secretaria do Tesouro Nacional haveria colisão com o regramento federal. Isso ocorre porque a partir de 2003 a inclusão dos valores pagos aos aposentados do Tribunal de Contas e da Assembléia (incluindo governadores de um dia) fizeram os percentuais desses dois poderes superar os tetos permitidos com gasto de pessoal. Esperava-se que um quadro emblemático como esse ensejaria medidas corretivas como: não criação de cargo;
parcimônia para novas despesas; negação de novos provimentos; dispensa de terceirizados. Entretanto, mesmo sem qualquer medida na Assembleia e TCE o Estado não sofreu as restrições estabelecidas em Lei. Por que isso ocorreu? Simples, o Executivo, através de Convênio, está pagando os inativos. Interessante notar a força misteriosa do Convênio, pois ao regular de forma diferente o que está disposto na LRF, torna-se um instrumento mais elevado do que a Lei de Responsabilidade Fiscal o que lhe assegura uma ascendência incomum na hierarquia dos institutos jurídicos. E mais, sua renovação pode estar sendo de forma tácita já que teria exaurido o tempo de sua vigência.
 
A assunção dos inativos da Assembleia e TCE pelo Executivo foi uma alternativa encontrada pelo Estado de Mato para evitar punições como: não recebimento de transferências voluntárias; não obtenção de garantias em empréstimos; negação de novos contratos de operações de crédito (ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal). Pressupõe que operações recentes como negociação da dívida e contratações de empréstimo não teriam sido possíveis. Nesse sentido, para evitar tais sanções o Poder Executivo ao assumir os subsídios dos aposentados acomodou os gastos com pessoal da Assembléia e do Tribunal de Contas ao estabelecido na LRF, mas a conformidade se deve a mero artifício contábil.
 
Aquilo que era pra ser uma exceção está perdurando por alguns exercícios já tirou alguns milhões dos recursos do Executivo. Surpreende o fato de não ter havido medidas graduais adaptativas com o objetivo de realinhar os gastos do TCE e da Assembléia aos parâmetros legais. Mais desconcertante ainda é como esse arranjo tão controverso redigido por poucos encontrou outros tantos agentes para aceitar. Essa distorção mesmo revestida de legalidade não passa despercebida. Quando um importante órgão de controle depende de um formato jurídico como este para operar na fronteira legal fica mais difícil que ele próprio fiscalize a conformidade da administração pública assim como fragiliza sua capacidade sancionadora. Esse aumento orçamentário à Assembléia e ao TCE ratifica como a contabilidade pode se usada para dissimular coeficientes técnicos para expor relatórios primorosos a despeito de classificações “filtradas” que confundem até mesmo usuários mais experientes.
 
Comparativamente a outras áreas, os poderes já detêm um orçamento cujo montante é capaz de manter suas funcionalidades em condições melhores do que outras áreas mais vulneráveis e não dependeria desses acréscimos vinculados ao orçamento do Executivo. O cálculo forçado para adequação aos limites legais é uma engenharia que não se lastreia na boa técnica contábil-legal. Nada adianta uma Lei de Transparência inovadora se a fidelidade informacional não está garantida.
 
Os poderes têm ainda outra fonte para compor seus duodécimos: são os Convênios celebrados pelo Executivo com o governo Federal. Funciona da seguinte forma: o Poder Executivo celebra um Convênio, e uma vez formalizado, o Estado aplica 11% (3% do Legislativo + 6% do Judiciário + 2% da Procuradoria) sobre o valor e o resultado é creditado aos poderes. Como em 2011 e 2012 foram aproximadamente R$ 275 milhões de Convênio, 11% disso geraram R$ 30 milhões adicionais de transferência aos poderes (Fonte: sig2.mt.gov.br). Entretanto, o Poder Executivo deve prestar contas da totalidade do valor conveniado e para fazê-lo precisa recompô-lo, ou seja, acrescenta os milhões endereçados a todos os poderes. Essa regra em que Convênios formam base de cálculo para os duodécimos se deve à normatização da LRF, e não é qualquer Convênio, é tão somente os denominados de natureza corrente (diferindo de outros chamados de Capital). Alguém poderia indagar qual o sentido de Convênios formarem base de cálculo para os duodécimos dos poderes já que não parece fazer qualquer sentido a natureza complementar desse orçamento. Mesmo o trabalho jurisdicional sobre o cumprimento do objeto conveniado é feito diretamente entre a instituição contemplada e o Governo Federal. 
 
As realidades são diferentes na administração pública. Enquanto algumas áreas sofrem o impacto dos recursos escassos, outras são servidas de forma mais auspiciosa. A verdade é que toda a administração estadual precisa urgentemente redimensionar sua estrutura de gastos para um limite prudencial. E esse esforço está em andamento por várias Secretarias. 
Fica claro que um detalhamento minucioso dos gastos governamentais torna indefensável a aplicação de princípios como a da economicidade e da eficiência. Compor a RCL com Convênios acaba sendo um meio sutil de emissão de moeda. Bom, talvez, seja mais um dos inúmeros casos em que a lei parece dilacerar o bom senso. Como gastar melhor o dinheiro do contribuinte? Há inúmeras formas, mas repartir dinheiro de Convênio aos poderes não se candidata a uma delas. Nem tampouco elaborar uma demonstração contábil “ajustada” para disfarçar o significado legítimo de alguns elementos de despesa, no caso questão, inativos de outros poderes pagos pelo Executivo. Na verdade é difícil entender como essas coisas tornam-se “legais” por que refletem um conteúdo oportunista que colide com a austeridade que as finanças públicas requerem. Fiquemos com uma frase atribuída a Thomas Jefferson “se uma lei é injusta, um homem está não apenas certo em desobedecê-la, ele é obrigado a fazê-lo”. Poucos ousariam levar isso ao pé da letra. 
 
Paulo Cézar de Souza é mestre em Economia pela UFMT.


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