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Opinião
Quinta - 14 de Junho de 2012 às 08:49
Por: Júlio Medeiros

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Recentemente o advogado Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça sofreu diversas críticas por ter aceitado defender o contraventor vulgo Carlinhos Cachoeira, principalmente por ter recebido algo em torno de 15 milhões de reais (segundo a mídia) de uma pessoa que declara no Imposto de Renda ganhar 200 mil reais por ano!

Não deu outra: um membro do Ministério Público Federal entrou com representação contra o criminalista, para que ele fosse investigado pela prática, em tese, de lavagem de dinheiro, uma vez que “as condições do cliente indicam, às escâncaras que provêm de fontes ilegais”, segundo o Procurador Regional da República, Dr. Manoel Pestana.

Pois bem. É bom destacar, primeiramente, que o advogado de um modo geral não tem a obrigação de saber toda a verdade sobre seu cliente, mas apenas aquilo que o cliente lhe diz. É insolente passarmos a punir advogados só porque “não investigaram” adequadamente seus clientes e ainda mais perigoso enfraquecer a relação cliente-advogado gerando a obrigação de este suspeitar daquele. Mas, ao mesmo tempo, é igualmente temeroso para a democracia deixar que uma classe de profissionais tenha uma desculpa permanente para receber bens de origem criminosa sob a alegação de que têm uma relação protegida pela lei.

Por isso, a meu ver o advogado pode sim ser condenado por receptação e lavagem de dinheiro apenas se houver a comprovação da existência de dolo (intenção), o que obviamente ocorrerá em hipóteses excepcionalíssimas. Existem situações e situações, cada uma com sua peculiaridade, receber honorários de 15 milhões de reais de um contraventor (indícios veementes) com renda declarada de 200 mil reais por ano é uma delas, mas o essencial é que só haja a punição se o advogado agir com dolo (e não mera culpa), deste modo os profissionais de verdade sempre estarão protegidos e não se respaldará a criação de um escudo protetivo ao arrepio da lei.

Já lidei e ainda vou lidar com diversos criminosos, digo, pessoas com condenação transitada em julgado, mas não tenho o mínimo receio de ser instaurada uma ação penal deste tipo (por lavagem de dinheiro ou receptação) em meu desfavor, até porque a probabilidade de se trancar eventual inquérito policial e se proceder ao desindiciamento coacto via habeas corpus já seria, por si só, imensa.

Vejamos, não existe imunidade para o advogado nem mesmo em relação à calúnia proferida na discussão da causa, por qual razão existiria para a receptação ou lavagem de dinheiro? E mais, qual seria o limite deste mandato outorgado para a - digamos - atuação criminosa? Uma coisa é o profissional ter o dever de não manifestar a opinião pessoal sobre a gravidade do crime; outra coisa, bem diferente, é ser partícipe ou mesmo coautor dele. Defender pura e simplesmente a liberdade e independência profissional dos advogados é muito fácil.

O melhor, para todos os profissionais, é sempre adotar o comportamento mais cauteloso possível, sendo defensivo, combativo e tendo postura acima de todas as coisas. Sob tal prisma, entendo como bastante criticável o “querer ficar rico a qualquer custo” referendado por pseudopenalistas, influenciando mal os recém-formados nesta sociedade marcada pelo dinheiro acima de todas as cosias, esse preciosismo, inclusive, já custou a vida de vários advogados que atuaram em processos envolvendo tráfico de drogas e crime organizado.

Ser advogado é um privilégio, mas ser criminalista é realmente uma dádiva, e com certeza é para poucos e o seu trabalho é sim “um pouco o de cura das almas”, como dizia Enrio Ferri há séculos passados, por isso ele jamais deve aceitar qualquer tipo de proposta, alicantina ou mesmo situação toda propícia que o equipare, em última análise, ao próprio criminoso defendido, até porque o art.1º, parágrafo1º, inciso II da Lei 9.613/98 (Lei de Lavagem de Dinheiro) autoriza sim a condenação para esta hipótese, desde que o Ministério Público comprove (e não apenas presuma) a origem ilícita dos milhões de reais recebidos por Thomaz Bastos – o que talvez não seja tão difícil assim.

Por isso, a meu ver, além de garantir a melhor atuação jurídica em cada caso concreto, e agir na esteira do Imperativo Categórico preconizado por Kant, o advogado deve respeitar hierarquia de valores: em sua mão direita sabedoria, em sua esquerda riquezas e honra.

JÚLIO MEDEIROS é advogado criminalista em Cuiabá.
www.criminalistanato.blogspot.com



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