Prefeitura do Rio não encontra menina flagrada tomando banho em bueiro Garota mora com a avó, mas costuma visitar o pai, que vive na rua desde que foi expulso de favela pelo tráfico
Filha de um morador de rua que foi expulso pelo tráfico de drogas de uma favela de São João de Meriti, a menina de 5 anos flagrada terça-feira, pelo GLOBO, dentro de um bueiro no Centro não foi localizada na quarta por equipes da Secretaria municipal de Desenvolvimento Social, nem do Conselho Tutelar. Nesta quinta-feira, as buscas continuam. Parentes disseram que ela e a avó deixaram à tarde a comunidade onde moram, em Vilar dos Teles, distrito de São João de Meriti, para novamente se encontrarem com o pai da menina, no Centro.
A criança mora numa favela disputada por facções rivais. Sua avó costuma levá-la para visitar o pai, que tem 38 anos e há dez perambula pelas ruas do Centro, pedindo esmolas. Segundo ele, a filha — que anteontem tomava banho num bueiro no Largo de São Francisco — gosta de acompanhá-lo nas ruas porque “se sente livre”.
— A pior droga que eu uso é a cachaça. Por isso estou na rua há dez anos. Minha filha vem aqui só para me visitar, mas, se ela chega tarde, dorme comigo na rua. Minha filha me adora — contou ele.
De acordo com parentes da menina, ela nasceu num galpão abandonado no Centro. A mãe, que seria usuária de crack, entregou-a aos cuidados da sogra, de 65 anos, e continua a viver perambulando pelas ruas do bairro.
Para que o morador de rua tenha algum sustento, sua mãe lhe comprou uma carroça do tipo burro sem rabo, que ele usa para carregar papelão e outros objetos para vender. Sempre que recebe dinheiro da aposentadoria, a mulher pega a neta e o filho e vai dormir com eles num hotel popular no Centro.
— Ela nasceu linda, com cinco quilos — contou a avó a respeito da neta. — É uma pena o que está acontecendo com ela. Eu sei a dor que é.
Segundo o pai, a criança quer dar aulas quando crescer:
— O sonho dela é ser professora, mas eu acho ruim. Professor não ganha bem.
Quem trabalha no Largo de São Francisco já se acostumou a ver a menina por ali. Stefani de Oliveira, funcionária de uma lanchonete, contou que sempre vê a criança sozinha. Já a gari Cristina da Conceição disse temer que alguém se aproveite da vulnerabilidade da garota.
— Às vezes, ela e a avó também dormem na rua. Dizem que o pai é alcoólatra e fica na rua por opção. A menina também tem irmãs mais velhas, que sentem vergonha do pai. Essa avó não deveria trazer uma menina dessa idade para ficar no meio dos mendigos. Periga alguém levá-la e estuprá-la enquanto o pai está bêbado — disse.
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Quando vai visitar o pai, a menina costuma brincar em frente ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, onde conquistou alunos e funcionários com seu jeito doce. Fabiana Silva, faxineira do instituto, contou que muitos estudantes brincam com a criança e compram lanches para ela. Já as recepcionistas Rosane Rodrigues e Flávia Cunha disseram que alunos “adotaram” a menina e costumam levar-lhe presentes, mas ela não quer sair das ruas.
— Ela tem casa, mas gosta de ficar na rua. Essas crianças deveriam ser recolhidas para os pais não poderem ganhar dinheiro em cima delas. Final de ano sempre tem muito mendigo pelas ruas, pedindo esmola — disse Flávia.
Uma pesquisa feita pela Secretaria municipal de Desenvolvimento Social em 2013 constatou que há 5.580 pessoas morando nas ruas do Rio. Entre os entrevistados, 81,8% são homens, 64,8% estão há mais de um ano nas ruas e 69,6% têm idades entre 25 e 59 anos. O Centro é a região que concentra a maior parte dessas pessoas — 33,8%.
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