Quadrilha vendeu gabarito do Enem a pelo menos 15 estudantes, diz polícia Bando agiu a partir de cidade do interior de MT, segundo delegado. Além do Enem, grupo planejava fraudar outros 5 vestibulares até janeiro.
A quadrilha presa no último domingo (23) por suspeita de fraude em vestibulares de faculdade de medicina vendeu gabarito do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano para um grupo de 15 a 20 candidatos. A informação foi divulgada pela Polícia Civil, junto ao Ministério Público de Minas Gerais, em uma entrevista coletiva nesta quarta-feira (26), em Belo Horizonte.
Trinta e três pessoas foram detidas pela Polícia Civil na Operação Hemostase II, durante o processo seletivo da Faculdade de Ciências Médicas, na capital mineira, no domingo. Investigadores ainda fizeram diligências em Teófilo Otoni, no Vale de Mucuri, e em Governador Valadares, no Leste de Minas, além da cidade do Guarujá, no litoral de São Paulo. O 34º suspeito foi preso em Montes Claros nesta terça-feira (25). A investigação é feita há oito meses. A quadrilha, que agiria a cerca de 20 anos, é suspeita de vender resultados de provas do Enem e do processo seletivo de faculdades de medicina para candidatos através de micropontos eletrônicos e um moderno sistema de transmissão de dados. As investigações começaram após uma denúnica anônima feita ao Ministério Público de Minas Gerais.
De acordo com o delegado Antônio Júnio Dutra Prado, coordenador do Grupo de Combate às Organizações Criminosas da Polícia Civil, que atua junto ao Ministério Público de Minas Gerais, a quadrilha estava em uma cidade do interior de Mato Grosso nos dias do Enem, 8 e 9 de novembro deste ano, de onde transmitiram o gabarito para candidatos que estavam em vários estados. Até o último domingo, o grupo fez o mesmo esquema em outros cinco processos seletivos de faculdades de medicina do estado de São Paulo e Belo Horizonte, e pretendiam repetir a fraude em mais cinco vestibulares até janeiro.
Segundo o delegado, pessoas ligadas à organizaçao do Enem nesta cidade de Mato Grosso vazaram os cadernos de questões momentos antes das provas, e "pilotos" resolveram as perguntas de uma pousada da região. Duas pessoas já foram identificadas pela polícia.
De acordo com o coordenador do Centro de Apoio Operacional de Combate ao Crime Organizado do MPMG, o procurador André Ubaldino, a suspeita de fraude no Enem deve ser investigada pelo Ministério Público Federal (MPF).
“Há também a comprovação de que essa fraude também se operou no Enem. Em virtude de que o Enem é um concurso, realizado nacionalmente, e sob a fiscalização e organizado pelo governo federal, entendemos nós, os técnicos do direito, que esse é um crime que afeta bens, serviços ou interesse da União. Nessas circunstâncias, muito provavelmente, a incumbência para promover a ação penal será do Ministério Público Federal perante a Justiça Federal”, justificou.
Um dos presos na operação em Belo Horizonte
(Foto: Raquel Freitas/G1)
O esquema
A quadrilha é dividida por líderes, pilotos e pessoas que captavam os candidatos que compraram o gabarito. Os "pilotos" são especialistas em várias áreas de conhecimento, como biologia e química, responsáveis por fazer as provas no menor tempo possível e passar o resultado para os candidatos envolvidos no esquema pelos equipamentos de transmissão e micropontos eletrônicos. Antônio Júnio disse que a maior parte destes pilotos são estudantes dos últimos períodos de medicina.
De acordo com as investigações, uma destas pessoas que captavam candidatos era o pai de Áureo Moura Ferreira, de Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri. Áureo é apontado como um dos líderes do esquema. O outro chefe da quadrilha é Carlos Roberto Leite Lobo, empresário que mora em Guarujá (SP). Os dois estão presos no Ceresp Gameleira, em Belo Horizonte, com mais oito suspeito. O 11º preso é um policial civil de Governador Valadares, no Leste de Minas, detido na Casa de Custódia do Policial Civil, também na capital mineira.
Para a transmissão dos resultados, a quadrilha usava dois tipos de equipamentos eletrônicos de alta tecnologia, ambos comprados na China. Durante o Enem, como os candidatos estavam em estados diferentes do Brasil, era necessário um equipamento de longo alcance. Então, foi usado um dispositivo de telefonia GSM parecido com um cartão de crédito. O gabarito era transferido por celular para todos os candidatos, através do microponto eletrônico, como se fosse uma ligação em conferência. Esta transmissão foi registrada pela polícia.
Nas universidades particulares de medicina, como os candidatos estavam concentrados em um lugar menor, foi usado equipamentos em um circuto via rádio. Da mesma forma, os candidatos recebiam as informações pelo ponto eletrônico.
As investigações apontam que um dos chefes da quadrilha viajou à China para comprar equipamentos. Também é apurada a susposta participação de empresas, que teriam auxiliado na importação dos equipamentos.
Nos vestibulares de medicina, candidatos usavam
um circuito via rádio e ponto eletrônico para receber
o gabarito (Foto: André Lana/MPMG/Divulgação)
As fraudes
O delegado Antônio Júnio detalhou que a quadrilha fraudou, além do Enem deste ano, outros cinco vestibulares de faculdade particulares de medicina. A primeira foi em uma faculdade de Santo Amaro (SP), no dia 19 de outubro. Depois, o grupo agiu no Enem. A terceira fraude aconteceu, segundo o delegado, no dia 20 de novembro, durante provas de duas faculdades de medicina de São Paulo. No dia seguinte, na faculdade de medicina de Barretos (SP), cujo exame também foi na capital paulista. E no dia 23, na Faculdade de Ciências Médicas, em Belo Horizonte.
O delegado explica por que a polícia não agiu nos vestibulares em São Paulo. "A gente não atuou no momento em que estava ocorrendo as provas porque a gente estava acobertado no instituto legal que nos autoriza a não agir naquele momento para obter maior número de informações e identificar maior número de pessoas", justificou.
O bando ainda planejava atuar em mais cinco vestibulares de faculdades particulares de medicina em São Paulo até janeiro, segundo o delegado. Os nomes das faculdades não foram divulgados.
A investigação ainda não chegou à dimensão do valor total movimentado pelo grupo, mas estima-se que somente um dos chefes faturaria R$ 3 milhões com esta temporada de provas, entre outubro e janeiro. De acordo com Antônio Júnio, para os vestibulares de medicina, era cobrado entre R$ 50 mil e R$ 70 mil. Antes das avaliações, era dado um sinal no valor de 10%, e o restante era pago após a aprovação. Já no Enem, há um caso em que a transação foi fechada em R$ 200 mil.
O promotor titular da Promotoria de Combate ao Crime Organizado, André Luís Garcia de Pinho, durante as investigações não foi verificada a participação de nenhum funcionário das faculdades particulares e nem anuência das instituições.
Para o procurador André Ubaldino, há duas situações que podem vir a resultar no cancelamento do Enem, mas que dependem da análise da dimensão da fraude e do entendimento do responsável pela investigações. "Por um ato da própria administração, reconhecendo que o concurso foi viciado, o que o governo federal pode evidentemente fazer quando conhecer a dimensão da fraude e avaliá-la, e essa dimensão nós só saberemos após o exame do material que vem sendo apreendido; como pode ser por uma ordem judicial, que pode evidentemente vir a acontecer, dependendo como interpretar isso o Ministério Público Federal, que será o provável destinatário dessa documentação", esclarece.
Os suspeitos de integrar a organização podem responder por formação de organização criminosa, fraude em certame de interesse público, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Já os candidatos que se beneficiaram com os esquema devem responder pelo crime de fraude.
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