Projeto no Chile inicia plantio de maconha para uso medicinal
Na maioria dos países do mundo, pedir a permissão de autoridades para cultivar 750 pés de maconha em uma área residencial da capital provavelmente acarretaria problemas.
Mas no Chile, o Estado acaba de concordar com este projeto.
Os pés de maconha começam a ser plantados nesta quarta-feira em La Florida, distrito de Santiago. A colheita será feita em abril do ano que vem, quando a planta será convertida em óleo e usada como analgésico por 200 pacientes com câncer.
É o primeiro projeto do gênero com o apoio do Estado na América Latina.
Grande parte das discussões recentes na região sobre o uso de cannabis se focou no Uruguai, que este ano se tornou o primeiro país do mundo a legalizar cultivo, venda e consumo da droga.
No Chile, as autoridades optaram por uma abordagem diferente, permitindo apenas o uso médico da planta.
"Não queremos entrar na discussão sobre o uso pessoal de maconha", disse Rodolfo Carter, prefeito de La Florida.
"Vamos nos ater à questão médica. A ideia é proporcionar às pessoas que sofrem de câncer um tratamento natural, mais saudável e barato".
O projeto será supervisionado pela Fundação Daya, uma organização sem fins lucrativos, e terá como desdobramento um estudo clínico sobre a eficácia da maconha como analgésico.
"Queremos disponibilizar a maconha medicinal para todos, mesmo para os que não podem pagar", disse Nicolas Dormal, co-fundador da Daya.
"Mas, por ora, vamos nos concentrar nos primeiros 200 pacientes."
Chá de maconha
Além de aprovar o projeto em La Florida, as autoridades chilenas deram permissão a uma mulher para importar medicamentos feitos a partir da cannabis.
Cecilia Heyder foi diagnosticada com lúpus, uma doença do sistema imunológico, há cinco anos. Em seguida, 18 meses depois, ela teve câncer de mama.
Ela foi submetida a mastectomia, radioterapia e quimioterapia. Além disso, tomou dezenas de analgésicos convencionais, mas diz que os seus efeitos colaterais foram devastadores.
"A dor era insuportável", disse Heyder à BBC.
"Eu queria bater a cabeça contra a parede. Não conseguia andar, estava em uma cadeira de rodas. Meus filhos vinham ao meu quarto e eu nem sequer podia levantar-me da cama para beijá-los".
No ano passado, por desespero, Heyder comprou maconha e usou para fazer chá.
Ela afirma que o impacto foi imediato. Era muito mais eficaz do que qualquer um dos analgésicos convencionais que ela tinha tomado.
Heyder tentou comprar medicamentos à base da erva, mas não estavam disponíveis no Chile.
Então, ela pediu ao governo a permissão para importá-los.
Em agosto, conseguiu o sinal verde e, em setembro, os medicamentos chegaram da Europa.
Alto custo
Mas os medicamentos são caros - cerca de US$ 2.000 para o tratamento de um mês.
Heyder levantou o dinheiro por meio de uma campanha pública em mídias sociais, mas ela só tem o suficiente para três meses.
Depois disso, ela afirma, terá que voltar a comprar maconha ilegalmente nas ruas, a não ser que o Estado chileno forneça medicamentos à base de cannabis de forma gratuita.
"Será que vou ser forçada a voltar para o mercado negro e a ter medo de ser presa?", perguntou ela.
"Eu não quero voltar a isso. Eu não quero viver com medo de abrir a porta da minha própria casa".
Tratamento da epilepsia
O projeto tem como objetivo dar a pacientes com câncer como Cecilia uma alternativa caseira - e barata - a medicamentos importados.
Se for bem sucedido, poderá ser expandido para fornecer remédio para pessoas que sofrem de outras doenças - principalmente epilepsia.
Lucas Riffo tem apenas seis meses de idade. Ele nasceu com epilepsia grave. Em certo ponto, tinha 300 convulsões por dia.
Seus pais, Jorge e Gabriela, deram-lhe medicamentos anticonvulsivos tradicionais, mas que não resolveram o problema do bebê.
Quando Lucas tinha menos de três meses de idade, os pais obtiveram maconha de forma ilegal e produziram óleo.
Jorge Riffo diz que a diferença na saúde de seu filho foi incrível.
"Começamos a dar a ele o óleo, em pequenas doses, obviamente", disse.
"Asseguramos que a frequência cardíaca e respiratória estava cuidadosamente monitorada, e ele está bem desde que passou a usar o óleo".
"Nós demos a ele um pouco mais e conseguimos evitar as convulsões por cinco, seis horas. Isso era impensável antes. Nenhum dos medicamentos tradicionais anticonvulsivos funcionou bem".
Ceticismo
No entanto, nem todo mundo está convencido pelos benefícios da maconha.
Alguns médicos afirmam que a droga é viciante e pode causar problemas psicológicos.
A Organização Mundial de Saúde adverte que a maconha prejudica a aprendizagem e pode exacerbar a esquizofrenia. A OMS diz que ainda são necessárias mais pesquisas sobre os benefícios médicos da droga.
Há também uma questão de segurança. Em La Flórida, as autoridades ergueram uma cerca elétrica e com arame farpado em torno da área onde ficará a plantação para impedir que a cannabis seja roubada e caia nas mãos de traficantes.
Dormal, da Fundação Daya, diz que, apesar dos potenciais riscos de saúde e segurança, é preciso dar uma chance à maconha.
"A cannabis pode ter alguns efeitos colaterais negativos, mas são realmente insignificantes ao lado de outros medicamentos legais", disse.
"Se você colocar os efeitos negativos e positivos na balança, a cannabis é muito melhor do que a medicina tradicional".
Para Cecilia Heyder, que ouviu de médicos que teria apenas alguns meses de vida, a escolha é clara.
"A maconha não pôde curar-me de câncer ou lúpus, mas pelo menos alivia a dor", diz ela. "E isso é tudo que eu estou pedindo".
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