Jackson Antunes: 'Passei um mês dormindo na rua'
Jackson Antunes conta, às gargalhadas, que já levou bronca dos fãs por causa de Saulo, o policial da série O Caçador, que fez com que o filho na trama, André, papel de Cauã Reymond, fosse parar na cadeia injustamente. “O rapaz da portaria do Projac disse: ‘Está cada vez mais malvado’”, diverte-se. Interpretar personagens que mexem com o público é especialidade do ator, que estreou na TV como o peão Damião, de Renascer (1993). “Venho de um lugar onde a única base que a gente tem para viver é a fé”, diz ele, que nasceu em Janaúba, interior de Minas Gerais. Filho de lavradores e violeiro apaixonado pelo sertão, hoje viaja o país com o espetáculo Coração Caipira.
Escalado para a próxima trama das 9 da TV Globo, Falso Brilhante, na qual viverá o dono de um bar, Jackson é casado com a atriz Cristiana Britto, com quem tem José, de 15 anos. Ele também é pai de Camila, de 24, do casamento com Telma, sua primeira mulher, já falecida. Há ainda Talina, de 19, filha de Telma e quem ele cria como pai. No período em que ficou afastado da TV, antes de 2008, foi a filha mais velha que o ajudou com as aulas do supletivo: depois da infância difícil e de ter até morado na rua na adolescência, ele se formou. E diz que é um homem mudado. “Hoje tenho brandura, amor.”
QUEM: Saulo traiu o filho. Como é a reação do público?
JACKSON ANTUNES: Como o Cauã é muito querido, as pessoas falam que André não merecia isso, que o pai acabou com a vida do pobre menino. O rapaz da portaria do Projac disse: “O que é isso, está cada vez mais malvado”. (risos)
QUEM: Na época de A Favorita (2008), seu personagem, Leonardo, era tão violento que você foi agredido na rua. Tem medo de que isso se repita?
JA: Não. Aquilo até aguçou um pouquinho meu ego. Não sou masoquista, mas sou ator. Achei apropriado, pois aquele homem teve aquela reação porque o personagem era quase real.
QUEM: Por causa dessa agressão, o problema de trombose que você tinha piorou. Como está hoje?
JA: Hoje não tenho nada. Mas, naquela época, andava de muletas, a perna doía e tinha de tomar morfina. Depois de ser agredido, corria o risco de amputar a perna, mas nunca achei que fosse mesmo acontecer. Isso se chama fé.
QUEM: Você tem fé?
JA: Venho de um lugar onde a única base que a gente tem para viver é a fé. E não pode ser um Deus que a gente não vê, você tem de ver. A gente planta e reza para chover, para a roça vingar, e, se não vingar, agradece a Deus, seja feita a Vossa vontade. Mas depois que saí do hospital, tive um período de depressão.
QUEM: Por quê?
JA: As violências do Léo com a família me afetaram. Também perdi meus pais com um pequeno intervalo de tempo. Foram quatro anos bastante difíceis.
QUEM: Sua vida toda foi bem difícil. Você quebrou pedras quando criança para ajudar em casa. Quis desistir?
JA: Todo dia (risos). Mas a dificuldade que tive não me permite jogar fora nenhuma chance. Essa era a realidade da época na minha região. As crianças quebravam pedra, trabalhavam em carvoeira.
QUEM: Como era essa realidade?
JA: Meu pai teve 18 filhos, me deu o primeiro cigarro de palha com 8 anos. “Filho, vamos tomar uma cachaça com papai para você virar homem, vamos na zona para desmamar, pegar uma mulher para virar homem.” Com 7 anos, ele me deixou tomando conta da casa e um jagunço apareceu para ameaçar a gente. Botei ele para correr com um canivete. Aprendi a enfrentar as coisas. Mas fui mudando também. E hoje tenho brandura, amor.
QUEM: Como saiu de lá?
JA: Com 10 anos me juntei ao circo e, com 13, vim para o Rio tentar fazer escola de teatro. Passei um mês dormindo na rua, na praia, e voltei. Depois fui para Montes Claros, onde trabalhei com o Grupo Tapuia, e para Belo Horizonte, fazer teatro.
QUEM: E como ia para a escola?
JA: A gente não tinha escola. Era um tempo em que vi um irmão meu arrancar um dente com uma faca de tanta dor, porque não tinha médico. Hoje, quando volto ao sertão, apesar dos pesares, vejo que melhorou muito. Nesse período de férias da TV (antes de 2008), fiz supletivo do ensino fundamental e médio e estou pronto para fazer faculdade de cinema. Tive de rever muitas matérias, e minha filha Camila, de 24 anos, foi minha professora. Quando me formei, fiquei honrado, chorei. Foi uma sensação de vitória.
QUEM: Algum dia imaginou ser ator de televisão?
JA: Não, achava que isso era só para o cara que tivesse dois metros e meio de altura e fosse lindo. Eu era chamado de galã rústico e virei sex symbol.
QUEM: Isso chegou a mexer um pouco com a sua cabeça?
JA: É claro que saí em muita capa de revista. Veja bem, o cara matador, que pisava cacau queimado de sol, estoura de repente, pega a Patrícia Pillar, linda, e faz todas aquelas cenas calientes... Você queria o quê?
QUEM: A mulherada caía em cima?
JA: Claro que sim. Lembro que uma vez, fui a uma loja e juntou tanta gente, mas tanta gente mesmo, que tiveram de chamar os bombeiros para que eu pudesse sair. Aí entendi a força da TV.
QUEM: Essa força massacrou sua vida pessoal?
JA: Eu estava com 33 anos, vinha do teatro, minha responsabilidade era a arte. Nunca pirei. Mas minha primeira mulher, Telma, era do Vale do Jequitinhonha, na beira do Rio São Francisco, e não entendia. Uma vez, fomos comprar uma revista e juntou um monte de garotas. Uma delas me abraçou e me deu um beijo quase na boca. Telma deu um surdão (tapa) na menina e disse: “Você escolhe, ou a TV ou eu”.
QUEM: E você escolheu.
JA: Escolhi.
QUEM: Arrepende-se dessa decisão?
JA: Não me arrependo porque sei que, se tivéssemos continuado juntos, ela estaria sofrendo demais. E não era eu, era o personagem. A verdade é que sou a pessoa mais desinteressante do mundo. Ser ator é isso... Se o José Mayer fosse peão de obra, ninguém olharia para ele. Mas quando ele está no ar, tem uma magia tão grande que todas as mulheres ficam loucas.
QUEM: Depois que seu casamento acabou, aproveitou essa magia?
JA: Prefiro não responder, para não envergonhar meus filhos.
QUEM: Com o sucesso, conseguiu ajudar sua família?
JA: Sim, deu para fazer muita coisa. Sou tão grato a tudo que agora não precisava acontecer mais nada na minha vida... Quando a gente nasce em alguns lugares, nasce predestinado a não dar certo. O que eu podia fazer era virar vaqueiro, pedreiro, casar, ter lá uns 50 filhos, ficar tomando cachaça e um dia morrer de cachaça.
QUEM: Teve problemas com bebida?
JA: Corri o risco de me tornar alcoólatra, subi na tábua da beirada (expressão que denota uma situação crítica). No sertão se bebe muito. Enterrei muitos amigos meus por causa do álcool, que é uma droga venenosa, silenciosa e permitida.
Eu bebia muito, sim. Parei porque percebi que isso podia prejudicar minha profissão.
QUEM: As pessoas ainda acham você parecido com Charles Bronson?
JA: Muito, mas eu o achava feio pra caramba (risos).
QUEM: Você é vaidoso?
JA: Fiz uma plástica no nariz. É maluco você ouvir todo dia das pessoas que o seu nariz é horroroso, desde criança, em todo lugar. Então ao fazer a cirurgia resolvi deixar aquela carga para trás, e não tenho nenhum arrependimento.
QUEM: Você está bem mais magro. O que fez para se cuidar?
JA: Eu sabia que podia emagrecer. Cheguei aos 130 quilos, hoje estou com 84. Engordei em dois anos, claro que não ia emagrecer em um mês. Então, tive paciência e contei com acompanhamento profissional. Como de tudo, só que pouco. Capinava mandioca, muito café, e não tem coisa melhor que uma esteira.
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