Câmara já deixa brechas jurídicas em processo contra João Emanuel
Caso resulte na perda do mandato, a votação do relatório da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara de Cuiabá que pede a cassação do vereador João Emanuel (PSD) pode fazer com que o Legislativo municipal reviva um caso antigo: o do ex-vereador Ralf Leite, cassado em 2009 por quebra de decoro e reempossado em 2012, após decisão em caráter liminar proferida pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ari Pargendler.
Desde os primeiros passos da Comissão de Ética na investigação de suposto envolvimento do social-democrata em um esquema de fraude em licitações, desvio de recursos e falsificação de documentos a defesa de João Emanuel alega descumprimento de prazos e procedimentos regimentais. A mesma argumentação de irregularidade no processo foi usada por Ralf para retomar o cargo no Parlamento.
Ao perder o mandato por quebra de decoro, o ex-vereador foi acusado de falsidade ideológica, corrupção ativa e exploração sexual de menor. Ele foi flagrado na região do Zero Km, em Várzea Grande, na companhia de um travesti menor de idade e, na tentativa de intimidar os policiais que o abordaram, teria usado sua autoridade como vereador.
Três anos mais tarde, o ministro do STF afirmou que o procedimento administrativo instaurado na Câmara fora “cheio de vícios de caráter ilegal” e, por isso, “absolutamente nulo”. Ele ainda ressaltou que o “erro” foi evidenciado pelo próprio Legislativo municipal, em parecer jurídico exposto durante o andamento do processo.
No caso de João Emanuel, a Justiça estadual já suspendeu, no fim de março, o prazo dado pela Comissão de Ética para que ele apresentasse defesa. A ordem atendeu a um recurso em que o vereador apontou falhas como o não recebimento de parte do material utilizado pela acusação e suposta ilegalidade das provas. No mesmo mês, no entanto, o Tribunal de Justiça autorizou a retomada da investigação interna.
Segundo o presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB/MT), Felipe Amorim Reis, a Constituição Federal resguarda aos processados no âmbito judicial, cível e administrativo o direito de se defender. “Não conheço o teor completo processo de cassação que corre na Câmara, mas é certo que a legislação resguarda livre acesso a todos os meios de defesa”.
O jurista também pontua que, quando uma decisão do Legislativo não respeita a previsão constitucional, o Judiciário pode intervir. “O Judiciário respeita o Legislativo nos atos que o competem, como são os casos das CPIs. Entretanto, em havendo violação nas cláusulas constitucionais de ampla defesa e todos os meios jurídicos, a cassação pode ser anulada. O Judiciário não pode ficar de olhos fechados para qualquer tipo de ilegalidade, mesmo em atos ‘interna corporis’", sustenta Reis.
Presidente da Câmara, o vereador Júlio Pinheiro (PTB), que atuava quando houve a cassação de Ralf Leite, defende que os procedimentos legais sejam seguidos e demonstra preocupação com a possibilidade de João Emanuel ser cassado e depois retornar por decisão judicial. “Quando julgávamos o Ralf, fui contra a cassação porque ele não teve direito a defesa. A Comissão de Ética foi criada da noite para o dia e o Regimento Interno não tinha parâmetros para serem seguidos. Me lembro de que o então presidente, Deucimar [Silva], chegou a dizer que a Constituição, o Regimento e a Lei Orgânica eram ele”, relembra.
Os parlamentares cuiabanos votam na próxima terça-feira (15) se mantêm João Emanuel no cargo ou não. São necessários 13 votos para que ocorra a cassação.
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