Uma história sobre uma criança, um pai e uma simples pergunta
– Algum dia seremos felizes?
– Ora, como assim? Você não é feliz?
– Não, eu digo, feliz de verdade, se abandonarmos tudo, seremos felizes?
O olhar atento do menino invadia os questionamentos e as surpresas do pai. Aquilo incomodava. As pequenas engrenagens lapidadas pelo tempo tornara os pensamentos vacilantes, retornando ao mesmo ponto de partida sempre que tentavam cruzar a barreira do desconhecido; hesitavam em mover-se, e, por mais que tentassem, deslizavam devido à folga entre as peças que surgira com as intempéries da vida. Aquilo incomodava.
– Mas a gente não pode vender tudo e ir morar embaixo da ponte, filho! – Uma resposta assustada, ele percebia.
– Não pai, você já tá falando de dinheiro de novo… Isso não te deixa triste? Só pensar nisso?
– Eu não penso só em dinheiro, filho, também penso no seu bem… Que você tenha educação boa, saúde boa, que nós possamos viver bem, sem termos que nos preocupar em sermos roubados, assaltados, dependentes da fila do SUS ou sabe-se lá o que acontece se você não fizer uma faculdade…!
O menino inclinou levemente a cabeça para a direita.
– E… isso traz felicidade?
As pupilas dilataram-se; as engrenagens corriam desesperadamente em busca de uma resposta. O pai começou a sentir o rosto ficando quente, vermelho, não, não podia, não podia transparecer um sinal de fraqueza perante uma pergunta tão simples. É claro que aquilo trazia felicidade, ele não conseguia perceber?! Ah se ele morasse na rua…! Ah se soubesse como é a vida lá fora, algo que, obviamente, com onze anos um menino desse não faz ideia de como é! Deu-lhe tudo o que pôde, e retribui com uma ofensa dessas…! Mantenha a calma, não pense nisso, ele está percebendo sua irritação…
– Você é ainda muito novo para entender, quando for mais velho você vai perceber como é a vida. – Resposta simples, deixa o tempo tomar conta e o arrumar para a vida.
O menino percebeu que o pai não tinha mais respostas para seus questionamentos. Talvez eles fossem infantis demais para que um adulto pudesse responder, algo parecido com quando perguntara de onde ele tinha vindo – ainda lembra-se do pai gaguejando inutilmente, olhando para o vazio da parede em busca de apoio em algo mais forte do que ele mesmo, fazendo gestos que sobressaíam a própria dimensão corporal – foi engraçado.
Mas, ainda assim, ele sentia essa dúvida infantil corroer-lhe. As pessoas em sua volta pareciam sempre estar procurando algo para se apoiarem, algo que parecia tornar a vida mais fácil de se viver. O seu Zé, o faxineiro da escola, por exemplo, fora demitido ano passado por ter sido encontrado bebendo no banheiro. Dizem que chorava. A tia Joana, professora da terceira série, fumava após as aulas, no pátio da escola, enquanto ia para seu carro.
Mas não era só bebida e cigarro que mantinham as pessoas ocupadas consigo mesmas. O irmão mais velho, que prestava vestibular neste ano, preocupava-se em tomar café e energéticos para que conseguisse ficar acordado, a fim de estudar mais e ter mais chance de passar. O pai preocupava-se com o dinheiro, se iria sobrar no final do mês para poder economizar e comprar um carro novo; enquanto a empregada conversava sobre a novela que passara na noite anterior. A mãe se suicidara há dois anos, durante um surto que achava que estava sendo perseguida…
Todos parecem ter sua própria droga para amenizar um pouco a vida, mas… e se abandonarmos tudo, seremos felizes?
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