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Internacional
Quarta - 12 de Março de 2014 às 00:09
Por: *JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS

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A Jawal Mundo Telecom era uma das centenas de lojas de telefonia do bairro de Lavapiés, o mais multicultural de Madri. Desta loja, na rua Tribulete, número 17, onde dezenas de imigrantes iam comprar cartões internacionais ou ligar para familiares em seus países de origem, saíram os celulares usados para detonar as 13 bombas em quatro trens que chegavam à capital espanhola, matando 191 pessoas e deixando 1.824 feridos, no dia 11 de março de 2004.

Nesta terça-feira, completam-se dez anos do massacre que ficou conhecido como 11-M, o maior atentado da história da Europa. E, ainda hoje, os traumas daquela manhã continuam vivos na memória das vítimas, muitas ainda à espera de uma justiça que acreditam não ter sido feita.

Apesar de o ataque ter sido reivindicado em um vídeo, dois dias depois, por um homem que se disse ser da Al-Qaeda, as investigações das autoridades espanhola não puderam comprovar quem esteve por trás do atentado.

"A sensação é de impunidade e impotência, triste e revoltante, já não tenho lágrimas para chorar", desabafa, emocionada, Pilar Manjón, presidente da Associação 11-M Afetados pelo Terrorismo. Ela perdeu o filho Daniel, de 20 anos, que estava a caminho da faculdade naquela fatídica manhã.

Na segunda-feira, ela foi um dos 365 familiares e vítimas do atentado presentes a uma cerimônia em homenagem a todos aqueles que perderam a vida ou foram feridos pelas explosões.

'Um bom rapaz'

O atentado terrorista matou 191 pessoas e deixou 1.824 feridos

É inverno em Madri, mas a manhã ensolarada e a temperatura agradável dão a impressão de que já é primavera e as ruas estão cheias em Lavapiés.

Gente de distintas etnias e procedências colorem as alamedas, onde se escutam principalmente o árabe com sotaque marroquino e o francês mesclado com idiomas africanos. Até dez anos atrás, um deles era o marroquino Jamal Zougam, dono da loja de telefonia e condenado a 42.922 anos de prisão por ser uma das pessoas que executaram o atentado.

"Ainda não acredito que foi ele, era um bom rapaz, simpático e amável, difícil de acreditar", conta Samir, o único dos comerciantes da rua que aceitou falar com a reportagem da BBC Brasil. Um marroquino de aproximadamente 50 anos e que tem uma loja de produtos de alimentação a um quarteirão de onde ficava a de seu conterrâneo.

Depois da prisão de Zougam, poucos dias após a tragédia, a loja - que foi um dos principais pontos de encontro dos extremistas que levaram a cabo as explosões - mudou de nome e de dono, hoje está fechada e passa despercebida por quem caminha pela rua.

Segundo a sentença do Supremo Tribunal espanhol, de outubro de 2007, Zougam é um dos nove terroristas que colocaram as bombas nos trens, mas o único que está preso. Sete deles morreram três semanas depois do atentado, no dia 3 de abril de 2004, quando esconderijo deles na cidade de Leganés, subúrbio de Madri, foi descoberto pela polícia espanhola. Depois de horas de combate, os radicais, acuados, se imolaram, matando um policial e destruindo a maioria das provas sobre o crime. O nono seria um homem que conseguiu escapar do apartamento antes da chegada da polícia e cujo paradeiro e identidade ainda seguem desconhecidos.

A loja de onde saíram os celulares usados no atentado está hoje fechada

Outras 12 pessoas foram condenadas por envolvimento com o atentado, mas a investigação foi incapaz de encontrar os autores intelectuais do massacre. Cinco deles, condenados por ajudar a fornecer os explosivos ao grupo, já estão em liberdade. No próximo domingo, dia 16 de março, Rafá Zouhier será o sexto, depois de cumprir a pena de dez anos. Nos próximos quatro anos, outros cinco dos envolvidos também deixarão a prisão. Notícias que, em uma semana de atos em homenagem e lembrança das vítimas, enchem os familiares de indignação.

"Espero que ele saia da prisão e pegue um avião direto para Marrocos, não queremos assassinos como ele em nossa sociedade", desabafa Pilar Manjón, visivelmente emocionada, antes de abraçar a uma das vítimas, uma jovem em cadeira de rodas.

No mesmo vagão de Daniel, filho de Pilar, estava Apolonio Mergar, 52 anos, um dos poucos sobreviventes da zona de impacto. Um senhor de cabelos grisalhos, barba por fazer e voz rouca. Suas mãos ainda tremem, enquanto segura um cigarro e tenta recordar as poucas lembranças do trajeto que, até hoje, segue fazendo de sua casa, na cidade de Alcalá de Henares, ao trabalho, no centro de Madri.

Sobrevivente do atentado, Lucía Díaz teve de passar por 20 cirurgias para reconstruir seu rosto

Mergar se lembra apenas de deixar a casa dele, entrar no primeiro vagão do trem, abrir o jornal e acordar num leito do Hospital La Princesa. Ficou surdo do ouvido esquerdo e perdeu o paladar.

"Pra mim, a justiça não foi feita. Não me contento com algumas prisões de algumas pessoas que estavam apenas envolvidas. Não consigo acreditar que não se saiba mais sobre quem foi o cabeça da trama, os peixes grandes. E, para piorar, eu nunca recebi sequer um telefonema nesses 10 anos de alguma autoridade para saber como estava. É indignante", afirma Mergar, com voz trêmula e lágrimas nos olhos.

Mas nem todas as vítimas guardam rancor, muitas tentam deixar para trás o trauma vivido naquele dia, mesmo sendo lembradas diariamente das sequelas ao olhar no espelho. Lucía Díaz, de 52 anos, passou por 20 cirurgias para tentar reconstruir seu rosto, desfigurado no atentado, ocorrido quando ia trabalhar naquela manhã de 11 de março. Teve perda de massa encefálica, o nariz destruído, perdeu a visão no olho direito, e ainda sente dores na face.

"Sou grata por estar viva e poder desfrutar desses últimos dez anos e de toda a vida que ainda tenho pela frente", diz, sorrindo, Lucía, que passou quase um mês na UTI do Hospital Ramón y Cajal. Não se lembra de nada que aconteceu. "Não sei se houve justiça ou não. Não me importa. O que eu quero é ser feliz e aproveitar essa segunda chance de viver que ganhei de presente."






Fonte: BBC Brasil

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