Universidade ocidental prepara elite norte-coreana para o mundo
No coração da ditadura da Coreia do Norte, uma universidade –em grande parte paga pelo Ocidente– tenta abrir as mentes da futura elite do Estado. O programa Panorama, da BBC, teve acesso exclusivo ao local. Ao entrar na Universidade Pyongyang de Ciência e Tecnologia, fica imediatamente claro que não se trata de uma instituição de ensino comum.
Um guarda militar nos saúda quando nosso veículo passa pelo posto de segurança. Uma vez dentro do campus, ouvimos o som de marcha e canto, não mais dos guardas, mas dos próprios alunos. São os filhos de alguns dos homens mais poderosos da Coreia do Norte, incluindo militares seniores. "O nosso comandante supremo Kim Jong-un, vamos defendê-lo com nossas vidas", eles cantam enquanto marcham para o café da manhã.
"O patriotismo é uma tradição", explica um estudante de 20 anos de idade do primeiro ano. "As canções que cantamos enquanto marchamos são em agradecimento ao nosso Grande Líder."
Há 500 alunos aqui –vestidos elegantemente em ternos pretos, camisas brancas, gravatas vermelhas, com pastas ao lado. Eles são todos escolhidos a dedo pelo regime de Kim Jong-un para receber uma educação ocidental.
O objetivo oficial da universidade, inaugurada em outubro de 2010, é qualificá-los para modernizar o país empobrecido e se envolver com a comunidade internacional.
Todas as aulas são em inglês e muitos dos professores são americanos. Isso é notável porque a Coreia do Norte se isolou do mundo exterior há décadas, e os EUA são considerados inimigos.
Nervosismo
Após 18 meses de negociações, a BBC teve acesso exclusivo aos alunos –apesar de estarmos constantemente monitorados. ''É claro que no começo estávamos nervosos, mas agora acredito que as pessoas americanas são diferentes dos EUA", diz um aluno. "Queremos ter um bom relacionamento com todos os países", acrescenta outro.
O fundador e presidente é o James Chin-Kyung Kim, um empresário cristão coreano-americano de 78 anos, que foi convidado pelo regime a construir uma universidade similar à que tinha aberto no norte da China. Ele arrecadou a maior parte dos 20 milhões de libras (cerca de R$ 80 milhões) para custear a universidade a partir de instituições de caridade cristãs norte-americanas e sul-coreanas.
"Estou muito agradecido a este governo –eles me aceitaram. Eles confiam em mim totalmente e me deram toda a autoridade para operar estas escolas. Você acredita?", pergunta.
É difícil de acreditar –grupos de direitos humanos dizem que os cidadãos norte-coreanos descobertos praticando cristianismo são perseguidos.
Dentro de cada sala de aula, retratos de ditadores brutais da Coreia do Norte estão pendurados acima do quadro branco. O professor Colin McCulloch dá sua aula de graça. Alguns dos outros 40 professores são patrocinados por instituições de caridade cristãs. McCulloch veio de Yorkshire, no norte do Reino Unido, para ensinar negócios para a futura elite do regime.
Ele divide os alunos em grupos e pede para que simulem suas próprias empresas e compilem suas projeções de lucro. Em um país onde o fornecimento de todos os bens é controlado pelo regime, o conceito de um mercado livre é novo para os alunos.
"Tenho certeza que os líderes e o governo aqui reconhecem que eles precisam se conectar com o mundo exterior", nota McCulloch. "Não é possível ser uma economia totalmente fechada na idade moderna."
Os professores estrangeiros da universidade são contra uma vida inteira de propaganda, condicionamento e isolamento quase total do resto do mundo. A americana Erin Fink nos convidou a participar de sua aula de Inglês.
"Vai ser bom para vocês ouvirem esses caras, porque seu sotaque é muito diferente do meu sotaque –eles falam inglês britânico", ela explica aos seus alunos de graduação do primeiro ano.
Michael Jackson
Eles nos dizem que gostam de um grupo feminino norte-coreano chamado Moranbong Music Band, uma das mais recentes ferramentas de propaganda de Kim Jong-un. Quando falamos de Michael Jackson, temos uma sala cheia de rostos inexpressivos. Tentamos novamente. "Levante a mão se você já ouviu falar de Michael Jackson." Nem um único braço é levantado.
Os estudantes poderiam, talvez, ter descoberto o Michael Jackson na Internet, que está disponível na universidade, enquanto a maioria da Coreia do Norte não tem acesso. Mas na sala de informática uma guarda feminina censura o uso da rede. É rigorosamente proibido acesso a e-mail, mídia social ou notícia internacional.
Na Coreia do Norte, apenas a devoção absoluta ao líder supremo e ao país é permitida. De acordo com grupos de direitos humanos, a devoção é resultado do condicionamento desde o nascimento e do medo de execução ou prisão em campos de trabalho desumanos.
"A questão fundamental é saber se a universidade está formando esses jovens coreanos com maior probabilidade de mudar o país de uma forma positiva ou com maior probabilidade de perpetuar o regime atual", diz Greg Scarlatoiu, do Comitê para os Direitos Humanos na Coreia do Norte, com sede em Washington.
"Se o preço a pagar para serem autorizados a estabelecer uma presença dentro da Coreia do Norte é ignorar as violações flagrantes dos direitos humanos no país, eu vou dizer que o preço é muito alto."
David Alton preside o Grupo Multi-Parlamentar sobre a Coreia do Norte no Reino Unido e é patrono da universidade. Ele tem esperança que o experimento possa despertar mudanças mais fundamentais e alterar a mentalidade de uma geração. "Você tem que começar em algum lugar. Isso não é uma desculpa para o apaziguamento, o que eu sou totalmente contra. Esta é uma forma de engajamento, a fim de tentar mudar as coisas."
Mas os alunos estão realmente interessados em abraçar a mudança? Mesmo durante as conversas vigiadas que nos foram permitidas, ficou claro que alguns alunos estão ansiosos para se conectar com o mundo exterior.
"Estamos aprendendo línguas estrangeiras porque língua estrangeira é o olho dos cientistas", diz um estudante. "E aprender uma língua é aprender uma cultura. Eu quero mais disso."
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