Cartão postal do bioma na porção mato-grossense vive degradação anunciada e gradual desde que barragem local foi destruída, quadro agravado por estiagem
Maior baía do Pantanal está secando
Uma seca sem precedentes está fazendo com que as águas da Baía Chacororé, em Barão de Melgaço (a 133 Km de Cuiabá), a maior do Pantanal, aos poucos cedam lugar a um solo rachado de lembrar o sertão. Há dois meses, a situação tem ficado mais desoladora para moradores do entorno da baía por tratar-se de um cenário de seca que remete a uma estiagem muito mais intensa do que as sazonais, que sempre acometem o Pantanal em seu ciclo natural. As águas nunca estiveram tão longe do que deveria ser suas margens. É o pior retrato em 40 anos.
As medições do nível da água no local, feitas desde 1969, mostram que a pior seca registrada tinha sido em 1970, quando o nível da água estava em 1,34 m. Naquele ano, a estiagem assolou a região em setembro e as chuvas só vieram em dezembro. Hoje, a régua limnimétrica marca espantosos 0,34 m (a média histórica é 1,66 m), conta o professor Rubem Mauro Palma de Moura, da Engenharia Sanitária da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e morador da região. Tendo em vista a demora das chuvas neste ano, ele é taxativo ao interpretar os números do que é considerado um cartão-postal: “Hoje este é um cenário morto”.
Não é exagero, e sobram provas disso. Como o fato de que, hoje, a água se limita a uma porção longe dos 10 mil hectares que a baía atinge nas cheias (maior que a baía de Guanabara, no Rio de Janeiro). O fato de que o deck onde Moura pescava agora faz sombra para carneiros, a centenas de metros da água restante. Também o fato de que a pequena Ilha do Caco, conhecida pela presença de artefatos indígenas antigos, hoje não tem mais como ser chamada de ilha no meio da baía. Ou o fato de que a reportagem andou a pé numa extensão que já chegou a ser coberta por 2,5 metros de água, tropeçando em carcaças de peixes, caranguejos secos, conchas e crânios de jacarés.
“Nunca vi isso aqui desse jeito”, lamenta o caseiro Vilmar Aymoré, 50, que trabalha na região. Ele mostra a dimensão do problema mencionando que nem o gado pantaneiro tem se acomodado no que costumava ser as regiões mais fundas da baía nos períodos de cheia. Diz que a pouca água restante, barrenta, não dá 0,5 m. Canoa só passa “arrastando”.
“Mas não tem conserto, não?”, pergunta-se o pantaneiro Orlindo Pereira da Silva, 48, intrigado com as pegadas de gado, carneiros, cavalos e capivaras na terra rachada – com o horizonte esfumaçado ao fundo.
APELO - A explicação é que tamanha seca é nada menos que uma “tragédia anunciada”, com impactos diretos na biodiversidade e na economia da região, segundo Moura (ver matéria). Ele já estudou a dinâmica da região e viu outros momentos de seca, mas explica que a situação atual já poderia ter sido prevista nos últimos dois anos por conta da gradual destruição de uma barragem feita de pedras entre as baías Chacororé e Siá Mariana, outro cartão-postal da região. A barragem servia para manter o nível das águas, cujo fluxo é de Chacororé para Siá Mariana, mas está sendo depredada por pescadores profissionais.
Outro fator é o fechamento dos corixos (canais que interligam baías e rios) que levavam a água até Chacororé. Hoje, apenas um deles não foi fechado, o que é um crime para a dinâmica pantaneira, segundo Moura. Ele aponta que os possíveis interessados nesta situação seriam pescadores profissionais, pois o peixe fica mais fácil de ser pego quando concentrado numa pequena área ainda alagada, e os criadores de gado, pois o local é uma potencial área de pastagem.
Moura acredita que o governo não vislumbra ainda a dimensão do problema e apela para que as autoridades tomem providências urgentes (ver matéria). Sem contar o fato de que o local é um dos ambientes pantaneiros mais próximos a Cuiabá, um potencial turístico com risco de ser jogado fora. Ele teme que a situação piore em setembro, para quando as previsões de chuva são as mais desanimadoras possíveis. “Vai ser a catástrofe”.
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