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Domingo - 15 de Setembro de 2013 às 10:50

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Pedro Alves/MidiaNews
 

Alessandres Virgulino: há "preconceito institucional" dos órgãos públicos, que é praticado por funcionários desinformados

Mato Grosso é o segundo Estado em violência contra homossexuais no Brasil. Os crimes são bárbaros: travestis são espancados, gays são arrastados por carros até a morte, têm os órgãos genitais arrancados e são enterrados de cabeça pra baixo.

Cuiabá, por exemplo, está entre as 10 capitais que apresentam os maiores índices de Hepatite A e B, que fazem parte das DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis).

Os homossexuais costumam denunciar a falta de preparo da Polícia, que investiga todos os assassinatos de gays como sendo homicídios, sem levar em consideração a hipótese de motivação homofóbica.

O quadro é revelado pelo presidente de uma das Ongs LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) consideradas mais importantes de Mato Grosso, a "Livremente", Alexsanders Virgulino.

"Muitos pensam que não, mas homossexual sofre, e como sofre! Quem vê esse povo feliz, sorridente, não faz ideia de como é complicado assumir a sexualidade em uma sociedade conservadora, machista e fundamentada em preceitos religiosos", diz ele.

Nessa entrevista ao MidiaNews, Alex, como é conhecido no meio LGBT, conta sobre a sua experiência de vida e diz que foi “barra” assumir a opção sexual em uma sociedade considerada tão conservadora.

Mas, para além disso, ele revela a gravidade da falta de políticas públicas voltadas para o público LGBT.

Situação que, segundo ele, evidencia dados alarmantes: em Cuiabá: existem mais de 2 mil homossexuais com o vírus da Aids.

Ele também fala do "preconceito institucional" dos órgãos públicos, que é praticado por funcionários, às vezes, de maneira involuntária, por falta de informação.

Alex Virgulino é professor de Letras e dá aula para alunos do Ensino Médio na rede pública de ensino.

Na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), ele faz Especialização em Segurança Pública voltada para os Direitos Humanos, com foco no público LGBT.

Confira os principais trechos da entrevista:


MidiaNews - Qual é a postura do Governo brasileiro em relação ao público LGBT? O que é feito para combater a homofobia?

Alexanders Virgulino - O poder público não trata da temática com a população. Como vamos cobrar uma melhor postura das pessoas, se o assunto não é massificado? Se não existe política pública para debater a questão? Nos países de Primeiro Mundo, essa questão está muito avançada. Enquanto no Brasil, no ano passado, houve a morte de mais de 300 homossexuais por homofobia, nos EUA, por exemplo, houve apenas 12 mortes. Ou seja, lá eles debatem a questão com a população.

MidiaNews - E aqui em Mato Grosso?

Alexanders - No ano passado, houve duas conferências LGBT para debater a questão. Desse encontro, foram deliberadas várias propostas de políticas públicas voltadas para a questão LGBT. Dos temas propostos, o Governo do Estado não fez nenhum sair do papel. Se o próprio Governo não ampara a luta contra a homofobia, como a sociedade vai encarar essa questão?

" Atualmente, existem mais de dois mil casos de homossexuais com Aids em Cuiabá. Desses, a maioria é homem. "


MidiaNews - Mas, para compensar essa lacuna do poder público, que tipo de trabalho é realizado?

Alexanders - A Ong Livremente trabalha em parceira com a Universidade Federal de Mato Grosso, para desenvolver um trabalho como os professores do Ensino Médio e Fundamental. Trata-se do Núcleo Interinstitucional de Estado da Violência e da Cidadania da UFMT. Esse núcleo é composto de professores da universidade, que ensinam os professores das redes municipal e estadual a lidarem melhor com os alunos homossexuais. Nesse processo, ele aprende a não ter preconceitos e a evitar a pratica do bullying contra os alunos homossexuais.

MidiaNews - O LGBT, ao que se comentam foi uma promessa não cumprida do Estado...

Alexanders - Há três meses, tivemos uma conversa com o subsecretário de Direito Humanos de Mato Grosso, Valdemir Pascoal, no sentido de implantar o Conselho Estadual LGBT. Dessa reunião, participaramu outras organizações, uma Ong LGBT de Cáceres e as Astramits, que é a Associação de Travesti de Cuiabá. Mas, esse encontro com o secretário ficou só na conversa. De lá pra cá, não houve nenhuma movimentação no sentido de implantar esse conselho, que facilitaria a criação de políticas públicas voltadas para o público LGBT.

MidiaNews - Quais políticas públicas, por exemplo?

Alexanders - Uma coisa importante é trabalhar com educação das pessoas, principalmente dos pais, para lidar melhor com os filhos homossexuais. Para um filho gay, é muito angustiante revelar a sua sexualidade à sua família, principalmente por conta dos preconceitos e dos valores impostos pela sociedade.

MidiaNews - O que se percebe é que esse preconceito também acontece de maneira institucional. Ou seja, uma homofobia praticada pelo Poder Público. Você pode explicar melhor essa questão?

Alexanders - Para citar, o preconceito vem da própria Polícia, que atende as ocorrências de violências contra os homossexuais. Por exemplo, há dois anos, houve um episódio na região do Zero Quilômetro, em Várzea Grande, em que a travesti de nome Liliti foi espancada por três jovens. Ela ficou toda machucada e ensanguentada. Nisso, os policiais que atenderam a ocorrência, mandaram a Liliti se levantar do chão, porque ela estava (isso foram as palavras dos policiais) "sujando" a calçada que fica em frente ao motel.

Imaginem! A pessoa está toda ferida, cheia de sangue, mal consegue andar, e como você mandar ela se levantar para não sujar o local? Então, o preconceito acontece desde as instituições até chegar à população. Ou seja, a Polícia não está preparada para atender esse segmento da população, que vai a uma delegacia para pedir ajuda.

MidiaNews - E os índices de Aids entre o público LGBT?

Alexanders - Atualmente, existem mais de dois mil casos de homossexuais com Ais em Cuiabá. Desses, a maioria envolve homens.

MidiaNews - Esse número é alto?

Alexanders - Sim! Extremamente alto.

MidiaNews - Por que está tão alto?

Alexanders - O problema é que não existem políticas públicas direcionadas ao publico LGBT, para debater a prevenção das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). Não existe um programa específico. O que o Governo precisa entender é que os homossexuais faz parte de um público vulnerável e que precisa ser desenvolvido um trabalho diferenciado. O que existe são programas generalizados de combate às DSTs. Nisso, ainda ocorre muita desinformação entre os homossexuais, no sentido de saber qual é a melhor forma de se preservar.

A falta de preparo é de todos os lados. Por exemplo: como um travesti vai ao posto de saúde, sendo que existe um preconceito dos próprios profissionais que atuam nesses locais? E, às vezes, nem é um preconceito proposital, é que as pessoas são despreparadas mesmo, infelizmente. E o travesti, que é um homem que se veste de mulher, percebe isso. Percebe que o tratamento da enfermeira ou enfermeiro é diferente. Percebe que ele é olhado de maneira diferente. Então, ele se sente acuado e acaba não frequentando os postos de Saúde. É aí que a prevenção é falha e o resultado disso é o aumento do índice de DSTs.

MidiaNews - E com relação a outras Doenças Sexualmente Transmissíveis? Como esta a situação de Cuiabá?

Pedro Alves/MidiaNews

Alexanders Virgulino é presidente da Ong Livremente; entidade existe há 18 anos


Alexanders - A Ong COMH, que é o Instituto de Comunicação Sexual, realiza levantamentos sobre a quantidade de pessoas infectadas de DSTs, Hepatites virais, entre outras infecções, por exemplo. Esse instituto revelou que Cuiabá está em 9º lugar entre as capitais com mais homossexuais infectados com o vírus da hepatite B, e na 10º colocação com mais infectados com a hepatite A. Foi a partir desses dados que começamos a trabalhar com questão da prevenção das DSTs, nos locais onde se concentra o público LGBT.

MidiaNews - E como é feito esse trabalho?

Alexanders -
Atualmente, a Ong Livremente estabeleceu uma parceria com uma Ong LGBT de Brasília. Nessa parceira, atuamos na prevenção da Aids e de outras doenças sexualmente transmissíveis, com o público jovem. Esse trabalho é desenvolvido na noite. Aqui em Cuiabá, fizemos um mapeamento das boates que o público gay costuma frequentar. Nos deslocamos para essas boates e lá fazemos a distribuição de camisinhas, gel lubrificantes e panfletos da Secretaria Municipal de Saúde (para dizer que o Poder Público faz alguma coisa, eles disponibilizam esses panfletos pra gente).

Esse projeto também prevê a instalação de tendas em frente aessas boates, onde trabalhamos a questão da sexualidade de forma interativa, com jogos de perguntas em computadores e smartphones (celulares que permitem a instalação de diversos aplicativos). Nessa brincadeira, a cada pergunta que a pessoas acertar, sobre como se prevenir das DSTs, ela ganha uma premiação. Quem errar, ganha também por ter participado do quiz. A ideia mesmo é de que os jovens aprendam a se prevenir.

MidiaNews - Em Mato Grosso, houve quanto assassinatos por homofobia nos últimos anos?

Alexanders - De 2012 para até 2013, houve 12 assassinatos por homofobia no Estado. O último foi de um professor de 54 anos, que foi morto em casa - fato amplamente revelado pela mídia. Esses dados nós coletamos do antropólogo Luiz Mott, da Bahia, que é especialista em estudos voltados ao público LGBT

MidiaNews - Mas, como dá para saber que o crime foi por motivações homofóbicas?

Alexanders - Pela violência praticada e os requintes de crueldades, que são vistos nos corpos. É uma crueldade tamanha e fica claro que não se tratou de um simples homicídio. Nos homicídios, normalmente, a pessoas morre com um tiro ou é enforcada ou esfaqueada. Mas, os crimes homofóbicos não são simples assim, morte, geralmente, é cruel.

MidiaNews - Cruel? Como?

Alexanders - A pessoa que mata não quer simplesmente só matar. Ela quer matar aquilo que o homossexual representa. Ela quer matar o que você significa. Nisso, são cometidas as maiores atrocidades. Por exemplo: no interior de Goiás, uma menina de 16 anos, que era lésbica, foi morta a facadas e enterrada de cabeça para baixo. Há casos de travestis que têm os órgãos decepados e os corpos incendiados. Também teve, aqui em Mato Grosso, um caso de um rapaz que foi amarrado na traseira de um carro e o arrastado até que ele morresse. Então, como você pode perceber, não é uma morte normal.

MidiaNews - E a Polícia Civil, como vê esses crimes?

Alexanders - E aí que tá... A Polícia considera todos esses crimes como meramente homicídio, e isso se deve muito por conta da falta da criminalização da homofobia no Brasil. Ou seja: não existe lei contra isso. Então, a Polícia não tem o preparo para fazer esse tipo de investigação.

MidiaNews - Como reduzir a homofobia?

Alexanders - O melhor caminho é a educação. É o trabalho dos professores, nos sentido de passar novos valores aos alunos. Para que eles ensinem os alunos a respeitar as diversidades. Também é preciso um trabalho maciço de divulgação, a questão da homofobia tem que ser massificada nos meios de comunicação. Por que, como a população vai aprender a combater algo que não é mostrado? Então, é preciso escancarar a problemática à sociedade.

MidiaNews
- Casal gay tem muita vontade de adotar filho?

"As pessoas que matam não querem simplesmente só matar. Elas querem matar aquilo que o homossexual representa. Elas querem matar o que você significa."


Alexanders - Muita vontade. E,u por exemplo, tenho enorme vontade de adotar...

MidiaNews - A vontade de um casal gay adotar um filho é a mesma que de um casal hétero?

Alexanders - Eu diria que muitos casais héteros, antes de terem filhos, referem alçar voos mais altos na profissão. É a mesma coisa que acontece com um casal gay. Acho que a vontade é nivelada. Eu diria que é bem igual mesmo; muitos homossexuais querem e outros priorizam outras coisas.

MidiaNews - E com relação àquele velho discurso que pais do mesmo sexo geram uma confusão na cabeça da criança. Como vocês encaram isso?

Alexanders -
Pois é... As pessoas ainda entendem que a homossexualidade é algo que vem de fora pra dentro. A homossexualidade não é algo que eu aprendo. E não é. Não é dessa forma. Não é algo que se vê na TV, por exemplo, um casal, passeando na rua de mão dada, e meu filho de cinco anos, três anos, olhar, também vai querer. Não é assim.

MidiaNews - Explique melhor...

Alexanders - A homossexualidade, na verdade, é algo que nós já nasce conosco. Aí, você pergunta: então, porque é que muitas pessoas se casam e, depois, como dizem, saem do armário? Na realidade, a pessoa já tinha essa questão consigo. E aí, é claro, muitos, pela questão da família, religião, têm receio e escondem a realidade.

Mas é algo, que no fim das contas, você não consegue lutar contra. Ou seja, é algo da pessoa, é algo muito intimo. Você pode até, digamos assim, enclausurar por um tempo esse sentimento, se fechar. Por exemplo: optar por certo tempo em não ter relações com homens ou com mulheres. Mas, independentemente disso, você sabe o que você quer. Você sabe o que te atrai e para onde direcionar a sua sexualidade.

MidiaNews – E, particularmente, quando você sentiu que era homossexual?

Alexanders - Bom, na realidade, desde criança. Só que é claro, eu sou de uma família evangélica

MidiaNews - E como foi a reação da família quando você contou?

Alexanders - A minha mãe sempre foi uma mulher muito esclarecida. Ela sempre me orientou para o bem. Quando ela notou que eu saia às noites, e voltava outro dia, e que meu colegas, que eram de escola não iam mais em casa, que meu grupo de amigos mudou, e que só ligavam homens na minha casa e não mais mulheres, ela começou a perceber que havia alguma coisa acontecendo. Aí, ela chamou uma reunião: meu pai, mãe e irmãos, para que pudesse falar algo, se eu tinha algo pra contar. O meu pai trabalhava numa instituição militar. Fiquei pensando nisso, a garganta travou, não saia nada, aquela tensão. Mas, crie coragem e falei: revelei os locais que eu frequentava, falei que tinha namorado e que ele, inclusive, já tinha frequentado a casa...

Pedro Alves/MidiaNews


MidiaNews - Você tinha quantos anos quando fez a revelação?

Alexanders - Quando fiz a revelação, já era, digamos, tarde. Eu tinha 23 anos. Mas, chega um momento em que você não aguenta mais ficar preso, se portando como alguém que você não é. Eu queria ser eu mesmo. Eu estava correndo o risco de meus pais me expulsarem de casa, mas era algo que era muito maior do que eu. E, naquele dia em casa, apesar de muito nervoso, com a garganta travada, eu sabia que aquele era o momento de falar, era o espaço que minha mãe tinha me dado para eu contar a verdade.

MidiaNews - Como foi reação da sua mãe, depois que você contou tudo?

Alexanders - No momento, houve um silêncio geral. E, depois a minha mãe, falou: "Filho, se é isso que você escolheu pra você, se acha que é bom para você, nós (falou pelos demais membros da família) só temos que aceitar". Essas foram às palavras. Aí, depois, é claro, ela saiu, foi chorar, porque eu, na realidade, estava destruindo todo um sonho de uma pessoa. Desde quando eu nasci, ela sonhava: ele vai casar, ele vai ter filhos.. E acabou que eu destruí esse sonho.

MidiaNews – Mas e hoje, ela aceita?

Alexanders - Sim. Essa questão está muito superada. Me sinto extremamente acolhido por minha mãe e minha família.





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