Em relatório, PF classificou firmas como ‘descaradamente laranjas’. Verba do MTE foi repassada ao IMDC por intermédio do Idene.
Empresas "laranjas" ganharam contratos milionários em MG
Local onde funcionava gráfica, segundo endereço registrado
na Junta Comercial. (Foto: Reprodução/Polícia Federal)
Empresas classificadas como “descaradamentes laranjas” pela Polícia Federal (PF) foram utilizadas para o desvio de mais de R$ 10 milhões do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A verba deveria ter sido utilizada pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Instituto Mundial de Desenvolvimento e Cidadania (IMDC) para a execução do ProJovem, em cidades do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha. Segundo as investigações, as firmas emprestavam seus dados e contas bancárias para o saque de valores milionários.
O IMDC, presidido por Deivson Oliveira Vidal, é suspeito de comandar um esquema de fraude na celebração de contratos, em diversas áreas, com órgãos públicos, inclusive o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Ao todo, conforme as investigações, foram desviados cerca de R$ 400 milhões. Na última semana, 23 pessoas foram presas, entre elas o presidente da Oscip, e servidores do ministério. O secretário-executivo da pasta, Paulo Roberto Pinto, pediu demissão e foi exonerado.
De acordo com a Polícia Federal, a Gráfica Indianara Ltda., sem funcionários registrados na época, situada em Congonhas, na Região Central do estado, foi ponte para o desvio de quase R$ 2 milhões. A gráfica recebeu R$ 1.882.162,94 para a impressão de cartazes, banners e apostilas. O dinheiro, entretanto, não ficou com a empresa. As investigações apontam que a quantia, paga em quatro cheques de R$ 470,5 mil, foi sacada por Fernando Mendes dos Santos, sócio de Deivson Vidal, na Conquistar Consultoria. Esta empresa servia, segundo as apurações da PF, “apenas para lavar o dinheiro desviado” do IMDC.
Os R$ 10 milhões desviados, segundo a polícia, são parte da quantia do convênio de R$ 17,5 milhões, firmado entre o MTE e o IMDC, em 2008 e 2009, e mediado pelo Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais (Idene), órgão do governo do estado.
De acordo com o relatório da Operação Esopo, da análise dos pagamentos feitos às empresas identificadas, o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou irregularidades na documentação das companhias e do próprio IMDC.
Walter Antônio Adão, que à época era diretor do Idene, foi preso também na operação, na última segunda. Conforme a PF, ele contratou o IMDC irregularmente para a execução do ProJovem. Além disso, a polícia disse que Walter Adão assinou todas as “absurdas” prestações de contas do programa, o que resultou em sua condenação pelo TCU a ressarcir valores superiores a R$ 30 milhões.
O ex-proprietário da gráfica, uma das quatro empresas citadas pela PF como "laranjas" neste convênio do ProJovem, contou ao G1 que o empreendimento fechou há cerca de seis anos. Ele nega ter tido qualquer tipo de contrato com a Oscip e diz desconhecer Deivson Vidal. Questionado sobre supostas fraudes, ele citou o nome de “um tal de Fernando” e disse ter participado de um negócio, no qual recebia uma “comissãozinha”.
Também utilizada para a execução das fraudes, PRT Transportes e Logística Ltda., que seria responsável pelo transporte diário de 13,4 mil alunos do ProJovem, recebeu, como consta no relatório da PF, R$ 4.103.662,48 para a execução do serviço.
A Polícia Federal mostrou, porém, que a companhia era na verdade registrada como transportadora de carga e possuía uma frota de seis veículos, sendo que nenhum era destinado ao transporte de passageiros. Além disso, segundo a polícia, em 2009 também não havia nenhum funcionário no quadro da empresa. No ano seguinte, a firma tinha apenas um empregado registrado, segundo a PF.
Na empresa, o G1 localizou uma das sócias por telefone, mas ela não quis comentar sobre as denúncias da Polícia Federal. Já a atual gerência, que também foi localizada, disse que não falaria sobre o assunto, mas colocaria a reportagem em contato com um advogado, o que não ocorreu.
Já a empresa Sol Nascente Ltda. recebeu R$ 2.108.483,50 do IMDC pelo fornecimento de materiais aos alunos do programa, segundo as investigações. O serviço seria realizado em um período de seis meses em 2010.
Entretanto, novamente a polícia mostrou que naquele ano a companhia não possuía funcionário registrado e tinha dois sócios – entre eles um empregado de uma cerâmica. Segundo a polícia, a empresa foi aberta menos de seis meses antes da assinatura do contrato com o IMDC. Nenhum responsável pela empresa Sol Nascente foi encontrado pela reportagem.
De acordo com a PF, Fernando Mendes dos Santos foi quem pagou também o valor de R$ 637.596,00 para AOM Indústria e Comércio de Confecções Ltda. pelo fornecimento de 26,4 mil camisetas e 13,4 mil mochilas para alunos do ProJovem. A empresa, que também não possuía funcionários, não foi encontrada no endereço registrado, segundo a PF. No local, foi localizado outro empreendimento, cujo proprietário informou não haver relação com a AOM, conforme o relatório.
O G1 fez contato telefônico no número registrado em nome da proprietária da empresa. A ligação foi atendida por uma mulher, que se apresentou como mãe da responsável pela AOM. Ela disse que a filha não mora mais naquele endereço e, apesar de manterem contato, afirmou desconhecer os novos telefone e o endereço.
Com relação às supostas irregularidades no contrato entre o Idene e a Oscip, o governo de Minas informou que está colaborando com a apuração. Segundo o Executivo estadual, o instituto já disponibilizou todos os documentos requisitados pela Polícia Federal.
O governo afirmou também que, logo após o surgimento das primeiras denúncias, no final de 2010, rescindiu os contratos firmados pelo Idene. Ainda de acordo com administração pública, em 2012 e 2013, o governo ajuizou ações, cobrando devoluções de recursos do IMDC e solicitando a concessão liminar de bloqueio cautelar de contas bancárias da entidade, o que, porém, não foi deferido pela Justiça. Além disso, instaurou sindicância para apurar irregularidades praticadas pelo IMDC.
O advogado Sérgio Leonardo, que representa Deivson Vidal e o IMDC, disse que não teve acesso ao inquérito policial. Ele falou que, portanto, não foi possível conversar com seu cliente para avaliar a linha de defesa. Leonardo afirmou ainda que, com relação ao ProJovem, os serviços foram todos prestados e o programa, executado. Nenhum representante de Fernando dos Santos foi localizado pela reportagem.
Na segunda-feira (16), o Ministério do Trabalho publicou no Diário Oficial da União a abertura de uma sindicância interna para apurar as denúncias de irregularidades na pasta levantadas pela Operação Esopo.
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