Inglês que investigou genocídio indígena inspira novo livro de Vargas Llosa
O romance, com tiragem de 500 mil exemplares em espanhol (a tradução para o português sai em 2011 pela Objetiva), é baseado na história real de Roger Casement (1864-1916), cônsul-geral da Inglaterra no Brasil no princípio do século passado.
Em sua passagem pela América do Sul, de 1906 a 1913, Casement foi convocado pela Coroa Britânica para investigar uma suspeita de genocídio indígena que estaria ocorrendo nas imediações do rio Putumayo --um território amazônico disputado por Colômbia e Peru.
As acusações recaíam sobre dono e funcionários da Peruvian Amazon Company, empresa peruana de extração de borracha --mas cujo capital era negociado na Bolsa de Londres.
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Em agosto de 1910, Casement atravessou o rio Amazonas para chegar ao vilarejo de La Chorrera, onde estava sediada a principal central de extração de borracha. Lá permaneceu durante dois meses, entremeados por visitas a outras cinco centrais dos arredores.
O período foi descrito em cartas, diários e em um dossiê de 136 páginas endereçado em 1912 ao rei da Inglaterra. O documento apontava que 30 mil índios de La Chorrera foram mortos por tiro, fogo, inanição ou afogamento, que 90% dos sobreviventes foram torturados e que as punições iam de chibatadas a amputação de membros.
Em outubro último, cem anos após a passagem de Casement por La Chorrera, a Folha voltou à região, hoje território colombiano e acessível por barco (15 dias de viagem a partir de Letícia) ou avião (um voo semanal partindo de Bogotá).
Marcelo Justo/Folhapress | ||
O cacique de La Chorrera, Manuel Zafyama, em sua oca |
CASA ARANA
Da época em que protagonizou a extração da borracha, resta apenas uma estação, a Casa Arana, nome herdado de Julio Cesar Arana (1864-1952), presidente da Peruvian Amazon Company e tido, pelos aborígenes, como o Hitler de La Chorrera.
Foi nesta casa --hoje uma escola-- que Casement ficou hospedado sob os cuidados de homens a quem depois incriminaria (não havia outra possibilidade de abrigo que não nas dependências da Peruvian Amazon Company).
Foi também nela que adotou dois índios --Omarino e Arédoki--, que levou consigo à Inglaterra, de forma a fazê-los vitrine de sua defesa dos aborígenes.
Por fim, foi da Casa Arana que presenciou, em 30 de outubro de 1910, dezenas de índios --"homens, mulheres, garotos, crianças"-- descarregando levas de borracha. "Uma criança chamada Kaiemi pesava 29,5 kg e levava 30,5 kg nas costas", escreveu, em seu diário. "Vi essa confirmação dos fatos com certa alegria."
O período é hoje pouco lembrado na região. A última testemunha do genocídio, Eulalya Kuditofe, morreu no ano passado, aos 103 anos. O cacique da tribo, Manuel Za<qj>fyama, 56, ensina que tocar no assunto "é abrir a ferida".
Harryson Ceoneray, 35, secretário da associação indígena de La Chorrera, conta que, por princípios tribais, não se deve falar de tristezas passadas: "Por isso, em vez de fazer daquilo um museu, o transformamos em uma escola, um centro de vida". v
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