Mianmar encerra primeira votação em 20 anos com baixa participação
Em um dos países mais opressores da Ásia, a disputa pelo Parlamento opunha, na prática, apenas dois movimentos apoiados pelos militares. O novo Parlamento designará um presidente, a primeira figura civil de um país dirigido por militares desde 1962. Alguns analistas estimam que poderá ser o próprio general Than Shwe, atual homem forte da junta.
Khin Maung Win/AP |
Eleitores de Mianmar vãos às urnas na primeira eleição desde 1990; comparecimento foi baixo no pleito tido como parcial |
Horas depois do fechamento das urnas, não houve menção do pleito na mídia estatal, nenhum anuncio oficial de comparecimento ou dos ganhadores. O processo de contagem dos votos ocorre por um procedimento que não foi revelado pelo regime militar. Os resultados devem ser divulgados somente na segunda-feira.
Muitos birmaneses aptos a votar preferiram ficar em casa, duvidosos de sua capacidade de mudar o governo militar em um voto que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o chanceler britânico, William Hague, descreveram como injusto e sem liberdade.
Alguns moradores de Yangun lotaram as pagodas em vez dos colégios eleitorais. Em Haka, capital do Estado de Chin, moradores relatam que as igrejas estavam mais cheias que as urnas.
"Nós estamos quase dormindo", disse um dos funcionários eleitorais de um centro comercial em Yangon, pouco antes das urnas fecharem.
Cerca de 29 milhões de birmaneses estavam habilitados a designar o Parlamento nacional e as assembleias regionais. Alguns analistas consideram o pleito um primeiro passo, apesar de pequeno, para uma evolução do regime do general Than Shwe.
Os dois principais partidos de oposição de Mianmar acusaram o partido da Junta Militar de ter iniciado fraudes dois dias antes da votação. A Força Democrática Nacional (NDF) e o Partido Democrata (PD) acusaram os militares de terem começado a recolher votos de antemão ilegalmente.
Nós nos inteiramos que o Partido da Solidariedade e do Desenvolvimento da União (USDP, pró-junta) tenta obter, junto com as autoridades dos distritos, votos de antemão, comprando ou ameaçando as pessoas, afirma o PDM em carta à Comissão Eleitoral.
Um total de 37 partidos disputava as 1.160 cadeiras em jogo. Mas dois terços dos candidatos representam duas formações próximas à junta, o Partido da Solidariedade e do Desenvolvimento da União (USDP), criado pelo regime, e o Partido da Unidade Nacional (NUP), ligado ao regime do general Ne Win, derrubado em 1988.
Além disso, uma quarta parte das cadeiras está reservada aos militares em atividade. E inúmeros oficiais abandonaram o uniforme para se candidatar e contribuir para a mutação civil de fachada do regime. Nem os observadores nem os jornalistas estrangeiros foram convidados para as eleições. A CNN convocou um repórter birmanês, que não foi identificado por medo de represálias.
Segundo a revista "Myanmar Times", a oposição teve dificuldades em encontrar voluntários para vigiar os colégios eleitorais. A tensão é perceptível com um poder que ameaça prender quem convocar o boicote das eleições.
Além das críticas sobre uma campanha controlada, a ONU, Estados Unidos, a União Europeia e, inclusive, alguns países asiáticos, criticaram a ausência da Nobel da Paz Aung San Suu Kyi na disputa.
Kim Kyung-Hoon/Reuters |
Apoiadores da Nobel da Paz Aung San Suu fazem protesto em frente à Embaixada de Mianmar em Tóquio, no Japão, pelas eleições |
A dissidente poderá ser libertada em alguns dias, depois de sete anos seguidos de prisão domiciliar e de passar 15 dos últimos 21 anos privada da liberdade. Mas parece mais isolada do que nunca depois da decisão de seu partido, a Liga Nacional pela Democracia (LND), de boicotar as eleições.
A LND venceu as eleições de 1990, mas jamais pôde assumir o poder. A formação foi dissolvida depois de sua recusa em apresentar candidatos nessa votação, o que provocou a partida de alguns de seus membros para um novo partido, a Força Democrática Nacional (NDF), que terá dificuldades para existir sem sua carismática Dama de Yangun.
Suu Kyi, que tem uma grande popularidade, é, no entanto, alvo de críticas em Mianmar e no exterior.
Temos um grande respeito e uma grande admiração por ela porque se sacrificou por nosso país, pelo povo e é um ícone internacional, assinalou Nay Ye Ba Swe, filha de um ex-primeiro-ministro e membro do Partido Democrata. Mas achamos que, boicotando as eleições, penalizamos as vozes democráticas.
Aung Naing Oo, analista birmanês exilado na Tailândia, também acha que a dissidente se isolou demais. "Jamais coloquei em dúvida sua integridade, sua honestidade, nem sua coragem. Mas sempre duvidei de sua estratégia. Não estou certo se tem alguma", afirmou.
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