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Polícia
Sábado - 04 de Dezembro de 2010 às 22:37

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Nem herói nem bandido. Quando questionado sobre o que quer ser quando crescer, o menino P., de 10 anos, diz sem pensar duas vezes: quero ser trabalhador. É o desejo simples e sincero de um jovem morador da favela do Jacarezinho que, no último dia 27, transformou-se em personagem do maior boato criado no rastro de ataques de traficantes no Rio. O Brasil acreditou que o menino fora baleado por traficantes ao se recusar a incendiar veículos. Era mentira. E o pior: uma mentira com carimbo oficial.


Vergalhão ou bala?
O boato começou a se construir, na madrugada daquele sábado, no setor de atendimento do Hospital do Andaraí. P. chegou à unidade acompanhado da mãe, a dona de casa Alcione, de 31 anos. Numa traquinagem típica da sua idade, o garoto subiu numa moto, o veículo deu um tranco, e P. caiu sobre ferros de uma churrasqueira. Um vergalhão fez um corte em sua perna esquerda.


A história poderia ter terminado por aí. Mas, os policiais e os médicos que atenderam P., ignoraram a versão da mãe e optaram por levantar uma outra hipótese: a de que o ferimento na perna fora provocada por um bala disparada por arma. No Boletim de Atendimento Médico (BAM), o médico colocou a sigla PAF (perfuração por arma de fogo), seguida de dois pontos de interrogação. Por causa da suspeita, a equipe médica convocou policiais.

— Os PMs do hospital começaram a tratar a gente como bandido. Foi uma humilhação — relembra Alcione.

Estou com medo dos policiais
A versão contada por P. na 25 DP transformou o garoto em herói da resistência. No dia seguinte, um domingo em que a população continuava assustada com os atentados, boa parte da imprensa procurava o menino que desafiara o tráfico do Jacarezinho.


Alcione, a mãe, conta que chegou a procurar a TV Record para denunciar o caso. Foi até a porta da rede de televisão, falou com um repórter e contou a verdadeira história daquela madrugada:


— O repórter pegou meu telefone, falou que ia me ligar, mas isso nunca aconteceu.


O EXTRA encontrou P. e a mãe, na última quarta-feira. O garoto estava arredio. A reportagem propôs acompanhar os dois novamente ao hospital e à delegacia, a fim de pegar cópia do BAM e um memorando de encaminhamento para exame de corpo de delito, que ainda não tinha sido feito no IML.


Nas proximidades da DP, P. pediu para ficar no carro.


— Estou com medo dos policiais — explicou ele.

O menino ferido e a mãe foram conduzidos à 25 DP (Engenho Novo), onde a mentira ganhou contornos oficiais. A mãe manteve a versão de que o filho havia se ferido com vergalhão, mas o menor, que havia sido pressionado pelos PMs ainda no hospital, contou outra história.


— Os policiais (militares) ameaçavam matar meus pais se eu não falasse o que eles queiram — conta P..


Acuado, o menor falou o que os policiais queriam ouvir. E assim, surgiu o boato do traficante. Tudo poderia ter sido esclarecido com uma perícia. Mas ela só feita 7 dias depois, a pedido do EXTRA, que investigava o boato. Eis a verdade dessa mirabolante história:


— Definitivamente, o ferimento não foi provocado por bala — conclui o perito e diretor do Instituto Médico Legal (IML), Sérgio Simonsen.

Investigação sobre conduta de policiais
O Hospital do Andaraí informou que, pela Lei das Contravenções Penais, todo tipo de trauma e acidente que dá entrada nas unidades federais de saúde sob suspeita de agressão ou violência deve ser comunicado à autoridade policial — independentemente de ser tiro — para fazer exame de corpo de delito.

“Diante das características do ferimento na perna (semelhante a orifícios de entrada e de saída) foi questionada pelo médico responsável a hipótese de ter sido causada por projétil. Mas, em nenhum momento, o documento confirma ou valida a hipótese”, informou o hospital.

O tenente-coronel Luiz Octávio, comandante do 6 BPM (Tijuca), disse que o caso será investigado já neste fim de semana.

Perícia
Segundo o diretor do IML, Sérgio Simonsen, o ferimento que foi cogitado pelo médico do Andaraí como sendo o de entrada de uma possível bala tinha uma cicatrização de mais de sete dias. Além disso, Simonsen ressalta que o raio-x mostrou que a perfuração seguiu somente até um certo ponto da perna. Ou seja: o objeto que feriu o menino entrou, mas não saiu.
— Se fosse ferimento a bala, o projétil teria que estar lá. Se o raio-x mostra que o objeto foi até um certo ponto, é difícil de confundir — avalia perito judicial e cirurgião Movses Parseghian.






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