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Ciência
Domingo - 02 de Janeiro de 2011 às 14:33

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Quem diria: se distrair pode ser a melhor maneira de resolver um problema difícil de forma criativa.
Distração costumava ter uma conotação negativa em estudos médicos; por exemplo, pesquisas que mostram o maior risco de causar um acidente de carro ao se distrair falando ao celular.

Mas trabalhos recentes têm demonstrado que a distração está vinculada à criatividade, especialmente na hora de resolver problemas complexos.

Só que até certo ponto: em excesso, distração combina com esquizofrenia -um distúrbio psíquico que pode incluir alucinações, delírios e fuga da realidade.

Como a distração ajuda a ser criativo e produzir soluções? Para muita gente, a prática de dar um tempo, fazer uma pausa no trabalho, costuma fazer a resposta para um problema surgir de repente, como mágica.

É só assistir ao seriado House (Universal) para entender como funciona. O médico Gregory House e sua equipe são escalados para diagnosticar e tratar apenas os casos mais cabeludos.

O enredo tem uma fórmula básica. Eles passam três quartos do programa raciocinando logicamente sobre sintomas, tratamentos e causas de doenças. Mas só no fim do episódio, quando House se distrai ou tem a atenção chamada para algo bizarro, que uma resposta clica no seu cérebro.

EVOLUÇÃO

Ignorar estímulos irrelevantes ao nosso redor é uma conquista da evolução biológica. Um animal que presta atenção a tudo e caminha pelos prados distraído acaba não percebendo o predador até que seja tarde demais. Essa capacidade de abstrair o ruído inútil é chamada de inibição latente.

Esquizofrênicos têm inibição latente muito reduzida; prestam atenção a tudo, e por isso, paradoxalmente, fogem da realidade. Mas esse traço também caracteriza pessoas
saudáveis e altamente criativas.

Um estudo feito pela equipe de Fredrik Ullén, do Instituto Karolinska, da Suécia, publicado na revista científica PLoS One, apontou que os cérebros dos esquizofrênicos e o dos
criativos têm um sistema semelhante do neurotransmissor dopamina.

Produzida em várias partes do cérebro, a dopamina tem funções na transmissão do impulso elétrico entre as células nervosas, notadamente na cognição, motivação e nos
mecanismos de punição e recompensa.

A teoria da dopamina e esquizofrenia vê o distúrbio como uma forma extrema de criatividade, diz Adam Galinsky, da Escola Kellogg de Administração da Universidade Northwestern, EUA.

O pesquisador explica que a dopamina tende a alterar processos cognitivos, de modo que as associações são mais soltas e as categorias conceituais são ampliadas. Isso pode facilitar a criatividade, mas também levar a padrões de pensamento desorganizados e anomalias de percepção.

Galinsky e colegas fizeram testes de associação com 94 voluntários que tinham que identificar uma quarta palavra vinculada a três outras. Alguns passavam por distrações, outros não. Os distraídos identificaram sequências de letras como palavras válidas mais rápido.

O estudo foi publicado na revista Psychological Science e afirma que o processo de solução de problemas inclui tanto a distração quanto um período de pensamento consciente, sem o qual o problema não tem como ser racionalmente resolvido.

RADAR

Estudos feitos com universitários nos EUA e no Canadá pela equipe de Shelley H. Carson, do Departamento de Psicologia de Harvard, mostraram que aqueles que se distraem facilmente, com o radar ligado para tudo em torno, são mais criativos: os mais criativos tinham sete vezes menos inibição latente.

O estudo original, publicado em 2003, foi replicado depois. Dois outros laboratórios testaram a baixa inibição latente e descobriam que está associada com criatividade. Nós também estamos continuando os testes, afirma Carson.

Há um corpo substancial de pesquisa que indica que a esquizofrenia está associada com inibição latente baixa e também com deficits na memória de trabalho, continua o pesquisador.

Para Carson, comentando o estudo de Galinsky, a pessoa criativa é capaz de permitir, temporariamente, que o excesso de distrações seja canalizado em percepção consciente, para fazer conexões entre os estímulos.

Mas a pessoa tem a capacidade de alternar entre estados do cérebro para exercitar maior controle cognitivo e realmente formular e acessar essas conexões, afirma o pesquisador.
 






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