Paulo Lessa vai administrar a política estadual de preservação da Justiça em unidades em que imperam maus-tratos, instalações precárias, entre outros problemas
Eficiência na segurança está ligada à melhoria no sistema
"A eficiência na segurança pública passa pelo aperfeiçoamento da gestão do sistema carcerário, que deve se pautar pela ressocialização dos detentos", afirma o secretário de Justiça e Direitos Humanos, Paulo Lessa. Com a experiência de ex-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso e 35 anos dedicados à magistratura, o desembargador aposentado revela em entrevista A Gazeta sua disposição de contribuir com a melhoria do sistema carcerário e prevê políticas públicas que ofereçam aos detentos a oportunidade de qualificação para tornarem-se mão de obra a ser usada futuramente no mercado de trabalho.
A missão da recém-criada Secretaria de Justiça e Direitos Humanos é administrar a política estadual de preservação da Justiça, que trata da garantia, proteção e promoção dos direitos e liberdades do cidadão, dos direitos políticos e das garantias constitucionais; zelar pelo livre exercício dos poderes constituídos; supervisionar, coordenar e controlar o Sistema Penitenciário e o Sistema Socioeducativo. Nas suas atribuições também estão atividades diretamente relacionadas ao Sistema de Defesa do Consumidor e aos conselhos responsáveis pela defesa dos direitos individuais e coletivos, que atualmente estão vinculados à Secretaria de Estado de Trabalho Emprego, Cidadania e Assistência Social (Setecs).
A Gazeta - Por que o senhor aceitou a proposta de ser secretário de Justiça e Direitos Humanos?
Paulo Lessa - É uma matéria em que trabalho há muito tempo. Sempre tive afinidade com temas do Direito Penal e Processo Penal. Sempre tive também preocupação com os reeducandos. Fui corregedor do Tribunal de Justiça (TJ/MT), cuidei desta arte no âmbito do Judiciário construindo parcerias com a Secretaria de Segurança Pública, ao mesmo tempo em que estudava muito o sistema penitenciário. A humanização dos presídios e ressocialização dos condenados é um assunto que sempre me fascinou e me preocupou.
No Brasil, não temos pena de morte ou prisão perpétua, ou seja, tem que ter plena consciência de quem está lá a tendência é ser reintegrado a não ser que venha a falecer no presídio. Daí se faz a pergunta: o que a sociedade quer? Um ser humano da maneira que ele entrou, ou melhor do que ele entrou? Isso sempre me fascinou e por comungar dos mesmos ideais do governador Silval Barbosa aceitei a proposta.
Gazeta - De que forma a experiência na magistratura, que são mais de 30 anos, pode contribuir para a nova função?
Lessa - Vai contribuir muito! Permaneci no Tribunal de Justiça por mais de 18 anos e no papel de juiz de primeiro grau estava na área criminal. A área penal é uma especialização minha não somente por meio de curso de pós-graduação como no meu trabalho. Sempre tratei de assuntos voltados ao sistema penal, administração do sistema penitenciário, progressão de regime e situação dos encarcerados. No papel de juiz várias vezes tive a preocupação de manter uma condenação buscando uma simetria de pena mais amena para evitar que a pessoa percebesse que não fosse necessário permanecer lá. Tentamos várias vezes evitar o enclausuramento diante das graves consequências. É um histórico de vida, já visitei vários presídios e busco conhecimento disso, nunca fui um mero julgador, sempre me preocupei com o ser humano que estava julgando. A preocupação com a ressocialização do detendo deve ser uma preocupação geral, o sistema de segurança pública passa pelo sistema penitenciário. A partir do momento que o Estado gera oportunidades ao detento a tendência é cair o número de reincidência, que no Brasil está na média de 80%, posteriormente se fortalecer o sistema de segurança pública.
Gazeta - O Estado pretende lançar o programa Presídio Produtivo. Na prática, quais serão as medidas aplicadas aos detentos?
Lessa - O que se pretende fazer é uma ideia antiga minha que se identificou com a do governador Silval Barbosa, que é fazer com que empresas trabalhem ao lado do sistema possibilitando o trabalho dos reeducandos. Não apenas no sentido de favorecer o trabalho, mas favorecer a capacitação. Uma pessoa que não tem profissão e capacitação é automaticamente excluída do mercado de trabalho. Tem que ter essa preocupação de capacitação para gerar oportunidade de ganho e assim favorecer a reinserção social, porque o detento sai com oportunidade de emprego. A empresa que deu oportunidade de emprego vai ter condições de avaliá-lo aqui fora e verificar se o seu desempenho foi bom. Numa parceria com o Estado, as empresas participarão da capacitação dos reeducandos que tenham interesse em trabalhar. O Senai já se prontificou e a Secretaria de Indústria e Comércio também já garantiu que vai participar deste processo de qualificação. Hoje temos um trabalho artesanal, mas ainda é muito tímido, não chega a ser uma linha industrial e empresarial. O CRC faz bolas com confecção manual, tecigrafias, serralherias, reciclagem de lixo, fábrica de tijolos e cimento em pequena escala, o que não chega a ser uma produção em massa. A partir do momento que houver uma produção em massa, com capacitação, a qualificação vai melhorar, e o detento se mostrará mais útil e valorizado também. Vamos trabalhar no sentido de que tenha uma evolução profissional e humana, o que nos leva a procurar também o auxílio das igrejas.
Gazeta - Esse projeto de qualificação abrange também o Complexo do Pomeri?
Lessa - Também. A mesma dificuldade que tem o sistema prisional se tem no socioeducativo. Queremos uma melhor estrutura e ampliá-la com qualificação e abrir oportunidades aos menores.
Gazeta - Dados do Ministério da Justiça revelam que nos últimos 5 anos houve aumento de 55% da população carcerária. Atualmente, Mato Grosso tem a sexta maior do país. Isso se deve ao aumento da criminalidade ou seria uma concentração dos detentos diante da carência de estrutura em abrigar detentos?
Lessa - Nós temos que melhorar o número de vagas no sistema prisional. Está no projeto do Estado equacionar isso. Acredito que esse número também está associado ao crescimento de Mato Grosso nos últimos 11 anos, que atinge 112%. Quando se tem uma operação semelhante a que ocorreu no Rio de Janeiro, os fugitivos tendem a procurar os lugares com maior índice de crescimento. Mato Grosso é um alvo constante disso porque está em evidência na questão do crescimento. No mesmo período, o Rio de Janeiro cresceu 25%. Agora, compete ao Estado, diante desta situação, formular as políticas públicas necessárias para intervir e garantir a segurança da população
Gazeta - Com relação ao sistema carcerário, qual o maior desafio a ser enfrentado?
Lessa - A questão do número de vagas é uma das principais. Pessoalmente, vou me empenhar para evitar um aumento exagerado da população carcerária. Tem que haver uma parceria com o poder Judiciário, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil e Defensoria Pública no sentido de agilizar processos que estão na Vara de Execuções Penais. Estamos com um número excessivo de presos provisórios com prisão preventiva decretada. Devemos trabalhar em parceria com o Judiciário para agilizar processos da execução penal, não deixar passar a fase certa para ingressar com pedido de progressão de regime ou liberação do condenado que já cumpriu a pena. O Estado não funciona sozinho, depende da parceria das entidades públicas para funcionar.
Gazeta - Mato Grosso também é considerado um Estado que registra índices de trabalho escravo muito alto. Como o poder público pode agir para combater esse problema social?
Lessa - A Comissão de Erradicação ao Trabalho Escravo é composta pelo Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e outras entidades que formam uma comissão mista para agir neste sentido, ou seja, não é um trabalho separado da Secretaria de Justiça. Já há programas em andamento também no combate à homofobia que visam respeitar o ser humano, independente de sua opção sexual. Há um registro de agressões muito alto e estamos trabalhando na conscientização do respeito mútuo.
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