Desde 2006 uma resolução da Anvisa obriga os estabelecimentos a oferecerem esta opção para os clientes
Farmácias não vendem medicamento fracionado
Farmácias de Mato Grosso não vendem medicamentos fracionados aos consumidores, conforme prevê resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2006. A venda na quantidade certa de remédios poderia gerar economia de no mínimo 50% no custo final ao consumidor, evitar descarte irregular de comprimidos e a automedicação, que são a causa de 30% dos acidentes domésticos. Mas, indústrias farmacêuticas alegam não ter interesse em adotar novos processos de fabricação por falta de retorno financeiro. Para obrigar a produção de fracionados, o Ministério Público do Estado (MPE) ingressará com ação civil pública contra os 15 maiores fabricantes de medicamentos do Brasil.
O advogado Armando Nascimento, 65, compra todo mês remédio para controlar a pressão arterial. Ele afirma que este é adquirido na dose certa, mas na compra de outros remédios, a sobra é inevitável. "Sempre temos uma farmaciazinha em casa. A gente compra o necessário, mas sempre sobra e observa a data de validade."
O aposentado Walmir Vilanova, 72, gasta um bom tempo na farmácia e com a compra de remédio. Diz que a idade lhe obriga a tomar 9 comprimidos todos os dias. Ao todo, são 14 tipos de medicamentos receitados pelo médico. Todos, segundo Walmir, são utilizados durante o mês, mas lembra que em casa tem umas 5 caixinhas guardadas no armário. "O médico receitou, mas suspendeu e disse que era para tomar outros."
Conforme a orientação da Anvisa, o fracionamento permite que o consumidor pague apenas pelo produto adquirido, evita o acúmulo de medicamentos em casa e a consequente automedicação e o descarte em lixo comum, que causa contaminação ao meio ambiente. No país ainda não há lei específica sobre que é responsável pelo recolhimento de remédios, o que deixa ainda mais este tipo de produto químico exposto ao contato de pessoas e aterro sanitário.
O gerente de farmácia Ricardo Brito alega que os medicamentos fracionados não chegaram no estabelecimento em que trabalha e que por isso, não oferecem esta vantagem ao consumidor. "Trabalhamos com genéricos e similares, mas com fracionados não, porque depende dos laboratórios nos enviarem."
O farmacêutico Sandro Sene alega que não há demanda. Hoje, ele diz que o mínimo que se encontra no mercado são envelopes com 4 comprimidos, no caso de analgésicos para dores em geral, laxantes, relaxantes musculares e antitérmicos. "Quando o médico pede para fracionar na receita, falamos para o paciente que não fazemos. Aqui (farmácia) eu não posso fracionar, porque não tem local."
Conforme Sandro, para realizar o fracionamento é necessário reservar local adequado, equipamentos e um farmacêutico que adote procedimentos pré-autorizados pela Vigilância Sanitária.
O presidente do Sindicato do Comércio Varejista Farmacêutico de Mato Grosso(Sincofarma), Ricardo Cristaldo, afirma que nenhum estabelecimento do Estado oferece medicamento fracionado. "A lei diz que o profissional deve contar com tesoura estéril, local apropriado e o profissional farmacêutico para discriminar a quantidade de remédio e fazer cadastro com nome, endereço e RG do consumidor. Mas, a farmácia não tem interesso nisso."
Segundo Cristaldo, para ser colocado em prática é necessário primeiro que as indústrias fabriquem este tipo de remédio fracionado. "Existem laboratórios públicos que fazem isso, mas não podemos reduzir o lucro. É inviável, pois teríamos que adquirir a embalagem, um sistema."
Para fabricar medicamento fracionado também é necessário autorização da Anvisa e no Brasil somente uma indústria fornece este tipo de produto. A Prati-Donaduzzi produz 10 medicamentos em cartelas serrilhadas, em que os comprimidos são destacados e vendidos na quantidade necessária nas farmácias. O gerente da indústria paranaense, Gustavo Prate, diz que a fabricação inédita no país é possível e rentável. "Todos saem ganhando, inclusive a farmácia, mas quem sai mais na vantagem é o consumidor, que paga mais barato e evita o descarte."
A compra de 3 comprimidos do medicamento Azetromicina de 500 miligramas, por exemplo, custa R$ 9, em média, por meio do fracionamento. Já na venda tradicional, o consumidor será obrigado a pagar R$ 17 por mais comprimidos.
Gustavo afirma que é simples o trabalho na farmácia e que no caso da indústria em que trabalha, todas as embalagens necessárias para fracionamento, como por exemplo, os chamados "sacos de pipoca" são fornecidas. Com o mercado atual, diz que "as pessoas ficam reféns dos medicamentos tradicionais". Mas prevê, que a partir do momento que a oferta for aumentando, a concorrência crescerá nas drogarias e o produto terá que estar disponível nas gôndolas.
O promotor de Justiça cível de Barra do Bugres, Rinaldo Segundo, destaca que a adaptação de uma indústria ao que a Anvisa orienta é a prova de que a venda de remédio fracionado ao consumidor é possível. "São milhões que as indústrias ganham para que os remédios sejam descartados ou as pessoas fazerem a farmácia caseira." Segundo ele, a venda compulsória de medicamentos a mais do que o necessário fere o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor.
A ação civil pública contra as 15 maiores indústrias de medicamentos está pronta e será movida pela Comarca de Cuiabá. O promotor prevê que se a Justiça acatar todas as farmácias do Brasil serão beneficiadas com a ação, que tem o objetivo de obrigar à produção dos fracionados. Ele relata que desde 2008 está discutindo o assunto no Estado e que a alegação do sindicato de classe das indústrias farmacêuticas sempre foi de que não há retorno financeiro e há burocracia na Anvisa.
Da mesma forma, os proprietários de drogarias alegam que não há produto disponível e o investimento para realização da fração é cara. "O sindicato da farmácias sempre teve resistência quanto ao custo, mas nós conseguimos fazer com que o custo seja de apenas R$ 800, o que seria para comprar um balcão e um vidro."
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