Dengue e lepra ameaçam a economia de Mato Grosso
Na primeira década do século 21, a economia de Mato Grosso cresceu, em média, 10% ao ano, índice superior ao da maioria dos Estados brasileiros. Porém, a pujança está em risco – e o motivo não é a demanda pelos produtos feitos no Estado. Mato Grosso tem umas das mais altas taxas de infestação por doenças endêmicas do País. Além do aspecto humanitário, com mais gente doente e morrendo, há uma questão econômica: um número bastante grande de pessoas tem de se afastar do trabalho e quem poderia migrar reluta mais em se mudar.
Doenças como dengue e a hanseníase (o nome científico da lepra) infectaram quase 50 mil pessoas em 2010. Parte da mão-de-obra morre ou tem de se afastar durante muito tempo das suas atividades. Além disso, a migração para o Estado de mão-de-obra qualificada, essencial para que Mato Grosso possa agregar mais valor aos produtos que produz, pode diminuir drasticamente: as pessoas podem pensar duas vezes antes de aceitar uma oferta de trabalho, alerta a professora de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso, Marta Pignati.
“Os indicadores de doenças endêmicas são muito ruins. A coisa é muito séria e pode trazer consequências ruins para o Estado, com retaliações econômicas, inclusive”, observou a professora. “Há uma clara negligência na promoção e prevenção da saúde do homem. Preferem investir mais na saúde do boi e do porco”, criticou ela. Não há números oficiais sobre quantas pessoas perdem dias de trabalho por conta das doenças nem é possível estimar quantas pessoas deixam de migrar para o Estado por conta desse problema, mas os números de contágio dão uma idéia da gravidade do problema.
Das doenças endêmicas, a que mais assusta, de longe, é a dengue. O mosquito Aedes Aegypt, o transmissor da doença, que matou 64 pessoas em todo o Estado em 2010, encontra na maioria esmagadora dos municípios as condições favoráveis para a sua disseminação. A falta de coleta adequada de lixo, saneamento básico de qualidade e precariedade no abastecimento de água – que obriga os moradores a armazenarem o líquido em caixas d’água, muitas vezes sem tampá-las – ainda fazem parte da vida dos moradores do Estado.
Levantamento feito pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostra que Mato Grosso tem o pior sistema de saneamento básico dos Estados que compõem a Amazônia Legal. Cerca de 71% das residências mato-grossenses ainda possuem fossas rudimentares ou outras formas de escoadouro.
Tais condições, além de favorecerem a reprodução do Aedes, também contribuem para as altas taxas de infestação por outras doenças endêmicas, como a hanseníase.
Somada à falta de estrutura básica dos municípios, a dificuldades em examinar os doentes - bem como seus familiares e pessoas mais próximas -, faz com que Mato Grosso seja o primeiro do País em quantidade de infectados pelo bacilo de Hansen, o causador da hanseníase. O bacilo ataca a pele e os nervos do corpo, fazendo com que a pessoa perca alguns movimentos. Nos casos mais graves, perde partes do corpo.
No Estado, os dados são alarmantes. Enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) estipula como aceitável uma taxa de 10 doentes para cada grupo de 100 mil habitantes, em Mato Grosso o índice é de 90 para cada 100 habitantes, de acordo com dados da coordenadoria estadual do Programa de Controle da Hanseníase, da Secretaria de Estado de Saúde.
“Nos postos de saúde dos municípios não há sequer kits básicos com materiais para se fazer a detecção da doença. Cada kit custa R$ 65,00. Um kit por posto já seria o suficiente”, afirmou o coordenador estadual do Programa de Controle da Hanseníase, Cícero Fraga, dando uma idéia da dimensão da precariedade dos atendimentos. “Percebe-se também que não há um interesse da classe médica em se envolver com a causa”, critica.
O problema da hanseníase no Estado só não é pior ainda devido à presença da Associação Alemã de Assistência aos Hansenianos e Tuberculosos (DAHW). Desde 1980 em Mato Grosso, a Associação faz trabalhos de treinamento com os agentes comunitários de saúde, encaminha especialistas para examinar pacientes, além de fazer doações para a compra de medicamentos, revitalização e construção de áreas para o tratamento da hanseníase. “Vai levar pelo menos uns 10 anos para que a situação em Mato Grosso fique dentro dos padrões da Organização Mundial de Saúde”, relatou.
Para o Superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde, Oberdan Lira, “a presença de doenças endêmicas no Estado é um reflexo do desenvolvimento exacerbado, sem planejamento. Todas essas doenças são resultados da uma estrutura pública não adequada e de uma população não sensível a percepção destes riscos”.Outras doenças, como malária, hantavirose e leishmaniose fizeram em Mato Grosso, em 2010, 2.424 vítimas, sendo 15 delas, fatais.
Segundo Oberdan, a curto prazo a secretaria da Saúde irá realizar ações de prevenção e promoção à saúde, além de intensificar os trabalhos de notificação, para que o controle das doenças seja mais específico. A médio e longo, ele disse que a SES vai estabelecer uma rede de vigilância para a Copa do Mundo de maneira que atenda o regulamento sanitário internacional e a demanda dos municípios que terão influência direta do evento.
O atual secretário da SES, Pedro Henry, pontuou que todas as doenças que são passíveis de imunização estão sob controle, dentro de um patamar similar aos Estados brasileiros. “O que acontece é que os investimentos em geral, nas áreas de infraestrutura e saneamento, não acompanharam o mesmo ritmo de desenvolvimento e crescimento do Estado”, concluiu.
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