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Política
Domingo - 20 de Março de 2011 às 10:32
Por: Sônia Fiori

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Magistrado diz que finalidade da lei da ficha limpa, antes do aspecto jurídico é a de promover um amplo debate
Magistrado diz que finalidade da lei da ficha limpa, antes do aspecto jurídico é a de promover um amplo debate

Um dos mais respeitados nomes no meio jurídico, um dos idealizadores do Comitê de Combate a Corrupção Eleitoral, redator da minuta da Lei da Ficha Limpa e autor de obras sobre o assunto, Marlon Reis descreve, nesta entrevista exclusiva para a Gazeta, um cenário de avanços no aspecto do processo eleitoral. Ao fazer um balanço das ações, o magistrado aponta as conquistas que vem ocorrendo de forma gradual e que devem marcar um quadro evolutivo para a transparência dos procedimentos. Aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em junho de 2010 pelo presidente Lula (PT), a Ficha Limpa impede a candidatura de condenados por decisões colegiadas de juízes - dentre outros dispositivos - mas só deverá ser adotada na íntegra por todos os Tribunais Regionais Eleitorais (TRE"s) a partir das próximas eleições. Ainda existem resistências, revela Marlon. Ele participa da audiência pública que debate a Reforma Política, nesta segunda-feira, às 19h, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - seccional de Mato Grosso. Confiando na possibilidade de a matéria contribuir de forma ímpar para a lisura do processo eleitoral, ele chama a atenção para temas complexos que requerem debate sistemático e participativo da sociedade.

A Gazeta: O senhor é autor da Lei Ficha Limpa. O que pode perceber de melhorias a partir da instituição da lei? Os políticos encontram brechas ainda?

Marlon Reis: A finalidade da lei da ficha limpa, antes do aspecto jurídico é a de promover um amplo debate. A lei antes de tudo teve e tem uma finalidade pedagógica. O número de casos alcançados representa uma grande novidade. Porque nós nunca tivemos pessoas barradas pelos motivos estabelecidos pela Lei da Ficha Limpa. Agora as inovações legislativas levam tempo para se acomodarem, para formar jurisprudência. Alguns tribunais foram um pouco mais rigorosos na aplicação da lei enquanto outros deixaram de aplicar essa nova legislação, então nós atribuímos isso em grande parte a novidade que ela representa. Não há jurisprudência firmada.

Gazeta: O senhor acha que há falhas de alguns tribunais?

Marlon: Alguns tribunais tiveram interpretação equivocada da legislação. Um exemplo desses tribunais é o Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão, que decidiu não aplicar a lei a caso nenhum. Simplesmente todas as pessoas que se registraram foram deferidas. Não houve aplicação da lei como se fosse uma anistia. Já outros como o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais aplicam de forma mais exemplar, mais criteriosa.

Gazeta: o senhor acompanhou esse processo em Mato Grosso?

Marlon: Em Mato Grosso houve várias decisões, houve candidaturas barradas e outras decisões ainda estão pendentes, tanto de Mato Grosso como da maioria dos estados no TSE e no Supremo.

Gazeta: E o que se pode fazer para melhorar a interpretação?

Marlon: Um aspecto para melhorar a interpretação só vai vir com o tempo. É quando a jurisprudência se sedimentar. O TSE fez uma interpretação da lei que é muito compatível com aquilo que a sociedade civil esperava. Exceto alguns casos excepcionais. A jurisprudência do TSE é muito responsável por decisões futuras dos Tribunais Regionais Eleitorais. Só que como os TRE"s decidiram antes do TSE ter a oportunidade de se pronunciar obviamente, porque só depois os processos foram em grau de recurso, nós temos uma orientação que vai valer mais para as próximas eleições. A jurisprudência que está se firmando ainda, porque há casos pendentes no TSE e no Supremo, é que vai nortear as próximas eleições. Então respondendo a sua pergunta, nas próximas eleições nós teremos uma Lei da Ficha Limpa bem mais eficiente, porque além do contorno legal teremos a sua interpretação jurisprudencial já bastante delineada.

Gazeta: O senhor participa de audiência sobre a Reforma Política. Os trabalhos para garantir a transparência da imagem do candidato para o eleitor será possível na reforma?

Marlon: Bom, em primeiro lugar estamos diante de um processo de disputa de concepções, são vários projetos que estão sendo discutidos. Há várias hipóteses, só uma coisa que não pode ser mantida, que é a estrutura atual.A legislação atual não há como ser aceita porque há provas que esse modelo vigente estimula o abuso de poder político e econômico além de concentrar o poder político. Ele retira qualquer transparência do processo.

Gazeta: Se refere ao Tiririca?

Marlon: É, falando do Tiririca. Dos 513 deputados eleitos apenas 55 tiveram votação pessoal suficiente para garantir a sua eleição.

Gazeta: O trabalho vem sendo feito no sentido do fortalecimento partidário?

Marlon: Exatamente. O MCCE está se preparando para lançar uma nova iniciativa popular, que tem por finalidade o fortalecimento dos partidos políticos e a diminuição do peso dos patronos, daqueles figuras locais, os caciques locais na vida política brasileira. Isso só pode ser fazer com uma maior força aos partidos políticos, que tem um papel fundamental em qualquer democracia moderna. As democracias ocidentais dependem da vitalidade dos seus partidos políticos, precisam "desvindualizar" e "desfulanizar" a política e isso pode ser feito através da democratização dos partidos e do aumento da sua importância nos processos eleitorais. Hoje nós temos uma eleição que não é transparente por isso algumas pessoas pensam que a solução para isso é fazer o voto distrital porque isso dá uma solução imediata. Eu voto na pessoa e sei que aquele que votei vai ser eleito. Só que isso tem um preço. O preço é o do fomento do clientelismo. Os estados brasileiros na sua maioria serão divididos em feudos, então o Brasil todo vai ser esquadrinhado em cada distrito que vai se converter em feudo.

Gazeta: Uma questão polêmica agora é se a vaga pertence ao partido ou a coligação. Qual sua avaliação sobre isso?

Marlon: Bom, para nós na Reforma Política as coligações tem que ser extintas, porque são um grande mal para as eleições, porque ampliam a falta de transparência, porque vários partidos disputam os mesmos votos dos eleitores. Mas dentro da legislação atual a nossa compreensão é de que se uma pessoa votou num candidato que é membro da coligação deve prevalecer a vaga para a coligação. É isso que decorre claramente do nosso sistema legal hoje. Ora, se houve uma votação numa coligação, prevalece isso, esse é o retrato da vontade do eleitor. O eleitor não quis que pessoa "X" fosse suplente, por estar ligado ao partido. O suplente é aquele voto eleito na primeira posição da coligação após os que obtiveram votos suficientes para ocupar uma vaga. Do ponto de vista da Reforma Política nós solucionamos da seguinte maneira. Deve-se acabar as coligações, as disputas devem ser entre partidos políticos. As coalizões devem haver depois das eleições para fins de exercício do mandato e não antes que é uma forma de diminuir ainda mais a transparência do processo eleitoral.

Gazeta: Acredita que a sociedade também acompanha esse processo?

Marlon: A sociedade sabe que do jeito que está não pode ficar. Essa constatação percebemos em todos os encontros com a comunidade. Mas a escolha do melhor padrão, do melhor sistema eleitoral é algo complexo até para especialistas. Então a sociedade não sabe ainda o que fazer para assegurar um melhor sistema eleitoral. Estamos participando desse debate, para trazer mais esclarecimento, mãos luzes. O ponto positivo é que a sociedade já despertou para o fato de que o sistema que temos não pode ser mantido.

Gazeta: Algum recado especial?

Marlon: Eu queria dar um recado especial para Mato Grosso. Nós acompanhamos as ações com movimento muito forte há vários anos. Desde a aplicação 9840 contra a compra de votos que começou em 2000, a própria luta pela aprovação da Lei da Ficha Limpa e ficamos contentes com a repercussão em Mato Grosso. É claro que tem seus problemas como em todos os lugares, mas ficamos felizes com o retorno desse trabalho, inclusive nos meios de comunicação. É uma parte do Brasil que chama a nossa atenção.
 





Fonte: A Gazeta

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