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Domingo - 27 de Março de 2011 às 08:00
Por: Amanda Alves

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Modelo foi copiado de experiências de sucesso, mas houve problema na hora da implantação
Modelo foi copiado de experiências de sucesso, mas houve problema na hora da implantação

Alunos de até 15 anos matriculados na rede de ensino de Mato Grosso não sabem ler, nem escrever e estão à beira de ir para o Ensino Médio em condições de analfabetismo funcional. Pais, professores, diretores e entidades de classe estão preocupados com a situação, já que a política de Ciclos de Formação Humana passou a obrigar este ano que o estudante seja "enturmado", ou seja, matriculado nas turmas conforme a idade e não mais pelo nível de conhecimento como era no sistema de séries.

A política da escola organizada por ciclos, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), foi adotada há 11 anos pela Secretaria de Estado da Educação (Seduc), mas apresenta falhas que comprometem a formação dos estudantes.

Marinete da Cruz, 39, está preocupada com o desenvolvimento da filha desde que o ano letivo começou. No fluxo normal dos 9 anos de estudo, Ludimily da Cruz Olini, 12, era para ser matriculada no 1º ano do 2º ciclo, mas por causa da "enturmação" ocupa uma cadeira em uma turma de 3º ano do 2º ciclo. Para entendimento, era como se a menina tivesse saído da 4ª série e ido direto para a 6ª série, mesmo que acusasse dificuldades.

A mãe diz que de Ludimily não sabe escrever e nem ler e repetiu por 4 vezes na escola pelas dificuldades em português e matemática. Mas, mesmo assim, teve que ser obrigatoriamente matriculada na turma avançada, por causa da idade. "Às vezes a professora dita ao invés de passar no quadro e ela não consegue acompanhar. Eu acho que não pode fazer isso com uma pessoa que tem dificuldade de aprendizado, como vai tirar o Brasil do analfabetismo?".

Marinete reclama que a escola não oferece aula de reforço e, à medida que o ano vai passando, a filha não consegue avançar para a junção das letras e formar as sílabas para leitura de uma palavra.

A sobrinha da empregada doméstica, Claudia Leite Gualberto, 33, chora e fica nervosa em alguns momentos em que está na escola. A diferença de conhecimento em relação aos colegas a desmotiva. Vitória Gualberto, 9, estava até o ano passado no 2º ano do 1º ciclo, mas devido à idade, foi matriculada no 1º ano do 2º ciclo, avançando 1 ano de estudo. A tia comenta que a sobrinha sabe ler pouquíssimo e que a menina relata que acha a matéria difícil. Na última semana, Vitória ingressou no programa Mais Educação, que oferece atividades complementares no contraturno e a esperança é que ela desenvolva no ensino proposto na escola organizada por ciclos.

Reforço - As aulas de reforço, que deveriam ser oferecida em "sala de superação", conforme legislação federal, são para poucos em Mato Grosso. A diretora da Escola Estadual Alcebíades Calhao, de Cuiabá, Edna Diogo de Paula, relata que o problema inicia com a falta de espaço físico. Segundo ela, não sobram salas para receber os alunos com defasagem e faltam profissionais para ajudar no processo de formação. Inclusive, cita ter 3 salas que são cedidas ao ensino básico do município. "Tem um aluno que tem pânico e não quer vir mais para a escola, porque não consegue acompanhar".

Além das condições físicas, existem as financeiras. Uma professora, que prefere não se identificar, afirma que os pais perguntam se a escola dará vale-transporte para que o filho seja encaminhado no contraturno para receber reforço. "O que acontece é que estou dando aula e tem vários alunos na sala que não conseguem acompanhar. Com esses, eu não tenho tempo para ajudar e essa é minha aflição, porque eles não desenvolvem".

Ela afirma que alunos de 15 anos, no último ano do Ensino Fundamental, estão em condição de analfabetismo.

Bola de neve - O presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público (Sintep), Gilmar Soares Ferreira, avalia a situação de estudante com defasagem e à beira da formatura como grave, porque o ciclo se fechará com o aluno nestas condições. Ele é a favor do escola organizada por ciclos, mas diz que a Seduc está tratando o assunto de forma técnica, à medida que matricula os alunos apenas levando em conta a idade.

Lembra que em 2008 o órgão avisou que até 2011 iria fazer as "enturmações", mas de lá para cá não ofertou formação aos professores, ampliação de espaço nas escolas e não houve acompanhamento com a família. "São necessários cursos específicos de 200 horas para que os profissionais superem toda uma vida de modelo seriado e não cursinho de 20 horas", diz, se referindo aos Centros de Formação e Atualização de Professores (Cefapro).

A presidente Sintep subsede Cuiabá, Helena Maria Bortolo, afirma que os professores não têm qualificação para o sistema por ciclos. "Falta formação ideal e as próprias universidades hoje não formam profissionais no novo modelo, há uma dicotomia".

Ela ainda complementa, dizendo que apenas 50% dos professores têm horário para atividade-aula, o tempo para preparação dos conteúdos.

Em vista do processo turbulento na educação, uma audiência está marcada para o dia 27 de abril, em Cuiabá, para discutir o modelo de escola organizada por ciclos. Gilmar diz que as reclamações surgem de todo o Estado e que a audiência na Seduc é para cobrar ações estruturais, que deverão ser levadas também ao Ministério Público e ao Conselho Estadual de Educação (CEE). Desde 2002, afirma que solicita uma conferência de avaliação do novo sistema no Estado.

Modelo de primeiro mundo -O Brasil adotou o modelo de Ciclos por Formação Humana a partir de experiências de sucesso em países da Europa e América Latina. A luta de profissionais para implantação no país foi grande e a professora doutora do Instituto de Educação (IE) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Jorcelina Elisabeth Fernandes, aprova a nova política. No Estado, ajudou a discutir, mas discorda da forma como está sendo conduzida na prática. "Se a proposta do ciclo foi implantada desde 2000 e estava prevista a enturmação e temos esses problemas, é porque não fizeram a adequação".

Ela afirma que as salas de superação e a figura de articuladores devem permanecer no papel e existir na prática para que o processo se efetive. Ela cita que a normativa dada este ano pela Seduc mudou, retirando o articulador do 3º ciclo e mudando a proposta da sala de superação. Conforme o documento, não haverá "constituição de turma com profissional atribuído" para sala de superação, mas o professor regente é responsável pela aprendizagem dos alunos. Jorcelina avalia que mudanças de gestão como essa vão na contramão e "abortam" o modelo previsto, que pretende acabar com a evasão escolar e a repetência.

Outro lado - A assessora técnica pedagógica do ensino fundamental da Seduc, Luciane de Almeida Gomes, afirma que não há problemas estruturais e as escolas devem realizar o trabalho. "A escola tem que se adequar e achar lugar para fazer a articulação".

O que acontece, segundo ela, é uma resistência por parte dos professores na aceitação do novo modelo de educação. "É um novo contexto de educação de 9 anos e temos que avançar na concepção e prática".

Ela diz que existem 15 Cefrapo"s disponíveis em Mato Grosso, que promovem visitas nas escolas e oferecem curso aos professores. Sobre a retirada da figura do articulador do 3º ciclo, diz que não era mais necessária para os adolescentes. Luciane diz que a prova do sucesso do modelo é o melhor desempenho do Estado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).





Fonte: A Gazeta

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