Desemprego e alta nos preços são reflexos da crise econômica no país
Com crise, brasileiros já pensam em voltar para casa
"No Brasil, eu trabalhava menos e ganhava mais", desabafa a podóloga Luciana Desiderio, de 41 anos, que há sete meses vive em Portugal, país que atravessa grave crise econômica que levou o governo a pedir, entre quinta (7) e sexta-feira (8), ajuda financeira à União Europeia e ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
Alta nos preços, piora na qualidade de vida, baixos salários e desemprego são fatores que têm feito brasileiros que vivem em Portugal, como Luciana, a pensarem em voltar para o Brasil, onde a situação é de crescimento econômico.
"A gente acaba se sujeitando a trabalhar no que os patrões querem, sem folga. Com a crise, está difícil o emprego. Não tenho folga, não tive aumento de salário, mas os preços subiram e o custo de vida subiu", afirma a podóloga, que atualmente mora em Lisboa.
Luciana viajou a Portugal para complementar os estudos e atualmente cursa biomedicina. Ela afirma que só não volta ao Brasil por conta do curso. "Se eu não tivesse os estudos, compensaria voltar, muitos [brasileiros que conhece] voltaram e outros estão planejando." Caso a situação não melhore, ela pretende retornar ao Brasil assim que concluir o curso, dentro de três anos.
Na capital paulista, onde morava, a podóloga tinha a própria clínica, onde afirma que fazia seu horário, além de ganhar mais e poder tirar folgas. Em Portugal, ela diz que cuida de um casal de idosos de segunda a segunda.
Apesar de estar apenas há sete meses no país, Luciana afirma que, de lá para cá, pôde sentir piora na qualidade de vida, já que os preços de alguns alimentos dobraram. "Frutas ficou impossível de comprar. Como sou brasileira, amo frutas, mas fico naquela coisa básica, na laranja e na banana", revela.
Com salário de 650 euros por mês, Luciana diz que gasta cerca de 280 com moradia e alimentação (ela divide o aluguel com outras quatro pessoas) e outros 290 com o curso, restando pouco para o lazer. "A dificuldade é de uma forma geral (...). Quase duas vezes por semana tem greve em algum lugar", diz.
Brasileiros estão voltando
Para Ruth Teixeira, presidente da Associação Mais Brasil, entidade que apoia imigrantes brasileiros em Portugal, a situação está muito difícil e muitos brasileiros estão voltando ao país de origem. "Dos 13 anos que estou aqui, agora está sendo uma das piores épocas para trabalho", revela.
"Recebemos muitos e-mails de brasileiros que, mesmo sabendo que a situação está ruim aqui, querem vir para cá. Aconselhamos que, se a pessoa tiver um bom emprego, que não venha", sugere Ruth. A presidente da entidade lembra, ainda, que as oportunidades que aparecem aos brasileiros são em área como limpeza e cozinha, que não pagam boa remuneração.
A situação também está cada vez mais difícil para o corretor de imóveis Rolemberg Matos, de 35 anos, que é São Vicente, no litoral de São Paulo, e vive há 14 anos em Portugal. "O país há dez anos vive uma crise que vem piorando de ano para ano. Então, o que eu posso dizer é que, se eu comparar a qualidade de vida que eu tinha de dez anos para cá, piorou muito".
Matos afirma que uma das coisas que não dá mais para fazer é jantar fora durante a semana. "Antes, mesmo durante a semana, se não eu não estava com vontade de cozinhar, ia para um restaurante perto de casa, poderia fazer isso sem pensar. Hoje em dia não é a mesma coisa", diz . Ele também afirmou que, no supermercado, está trocando produtos de marcas mais caras por aqueles de marca própria. "Antes, eu sequer enxergava esses produtos nas prateleiras".
O corretor afirma que se formou em ciências da comunicação, em Portugal mesmo, mas não consegue trabalho na área. De acordo com ele, o ideal seria iniciar um mestrado para se especializar, mas atualmente é preciso pensar muito antes de iniciar qualquer novo curso. "Quero especialização que, na prática, tenha resultado tanto no Brasil como na Europa. A crise faz a gente pensar em todos os passos que vai dar", diz, completando que ainda não pretende voltar ao Brasil, uma vez que já criou raízes em Portugal e teria que recomeçar tudo de novo caso retornasse.
Matos diz, contudo, que é difícil a vida de imigrante. "Imigração é uma armadilha. Você nunca é considerado pertencente ao país em que está", diz.
Alternativa
Há quatro anos em Portugal, Thalita de Paula, de 25 anos, deixou o Rio de Janeiro para estudar em Portugal e, diante da crise, afirma ter encontrado uma forma de adquirir renda nas terras portuguesas, o artesanato. "Vim para estudar. Depois, quando as coisas começaram a ficar apertadas, comecei a trabalhar como autônoma", revela.
A estudante faz peças como lembrancinhas para festas, porta-joias e caixas de chá. "Foi uma alternativa que encontrei". Ela afirma, ainda, que recebe uma ajuda mensal dos pais. "Tem sido complicado. Os preços aumentaram bastante."
Desemprego
Formada em relações públicas no Brasil, a professora universitária Sandra Cavalcante, de 46 anos, também está sentindo a dificuldade para conseguir um emprego na cidade portuguesa de Silves, no Sul do país.
Em agosto de 2010, ela deixou Alagoas para morar em Portugal com o marido, que é português, mas está desempregada. "O que apareceu foi limpeza. Passei quatro meses fazendo limpeza em um bar, mas a questão do pagamento é tão humilhante que parei. Não que o emprego não seja digno, mas eu ganhava 6 euros para limpar tudo, o que demorava cerca de duas horas", diz.
Sandra afirma que, como a cidade que mora é turística, desde outubro que "está tudo parado" na região. "Estou aguardando o mês de junho, quando começa o verão aqui, para ver se alguma coisa acontece", revela.
De acordo com Sandra, ela e o marido pretendem abrir um bar, mas sabem que o risco, com a atual situação econômica do país, é alto. Atualmente, o marido também trabalha em um bar, mas como empregado.
"Os últimos meses é de cortar o coração", comenta, dizendo ter percebido que aumentou o número de turistas na cidade nos últimos dias, mas que eles não gastam mais a mesma coisa que antes. "A gente vê os comércios abertos e os proprietários conversando do lado de fora", completa.
Desanimada, Sandra pensa em voltar para o Brasil caso nada mude. "Eu digo para o meu marido que seria um castigo ter que voltar, mas se a situação continuar assim, a minha permanência aqui não tem sentido."
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