A primeira deputada tetraplégica do Brasil, Mara Gabrilli, acredita que a falta de acessibilidade é um problema tão grave quanto a oferta de trabalho para pessoas com deficiência. Ela conta como teve que superar a questão de falta de acesso na própria Câmara dos Deputados e um pouco de sua rotina e história desde o acidente que a deixou paraplégica.
Terra - A senhora poderia falar um pouco sobre sua experiência profissional antes e depois do acidente? Como foi construir a carreira depois do acidente?
Mara Gabrilli - Sofri o acidente aos 26 anos. À época, já era formada em marketing e cursava psicologia. Trabalhava com eventos, levava uma vida bem agitada. Nesse ponto, não era muito diferente de hoje (risos). Após o acidente, comecei a retomar minha vida cotidiana. A maior dificuldade foi encarar a deficiência da cidade. Vi que muitas pessoas sofriam com a falta de acesso dos lugares. Além de acesso, faltava informação, faltava muita coisa. Então, decidi que já não fazia sentido trabalhar apenas com alguma coisa que me trouxesse dinheiro. Após me recuperar, terminei a faculdade de psicologia e fundei uma organização, o Instituto Mara Gabrilli, que apoiava o paradesporto e pesquisas científicas. Mesmo sem saber, comecei a fazer política ainda naquela época.
Terra - A senhora poderia descrever sua rotina como Deputada?
Mara Gabrilli - Desde que tomei posse como deputada, em fevereiro, venho seguindo a mesma rotina: viajo para Brasília na segunda-feira à noite ou terça-feira de manhã. Lá, participo durante a semana da Comissão de Educação e Cultura, das votações no plenário e demais atividades da Câmara. Na quinta-feira à noite ou sexta de manhã, retorno a São Paulo, onde fico até a segunda-feira. Em São Paulo, capital e interior, atendo a população, visito ONGs, recebo pessoas, pedidos e reclamações em meu escritório. É assim que me intero da situação cotidiana de cada local e das demandas que preciso levar para serem discutidas em Brasília.
Terra - Quais barreiras a senhora encontrou no exercício do cargo? A Câmara não estava adaptada para receber pessoas com deficiência? Que adaptações foram necessárias?
Mara Gabrilli - Logo que fui eleita, em outubro de 2010, comecei a visitar a Câmara dos Deputados, pois já sabia que faltava acessibilidade. Não na Câmara toda, mas, por exemplo, na tribuna do plenário, que não era acessível, impossibilitando que um deputado cadeirante proferisse seus discursos de lá, como os demais deputados. Até o ano passado, se um deputado cadeirante quisesse discursar, precisaria fazê-lo do chão. Ora, aquela Casa aprovou a Lei de Acessibilidade e a Convenção da ONU sobre os direitos das Pessoas com Deficiência. E a convenção prevê que falta de acessibilidade é discriminação. E discriminação é crime. É claro que a acessibilidade que queremos para todo o Brasil precisaria começar por lá! Afirmei que não tomaria posse caso as obras não fossem realizadas. E, felizmente, a direção da Casa se empenhou muito para que isso acontecesse. Tornaram a tribuna acessível. Ainda falta o acesso à mesa diretora, é verdade, que ficou mais para frente. Mas já foi um grande avanço, pois isso mostra como a Câmara vai tratar a questão da pessoa com deficiência nessa legislatura. Além disso, sou a primeira deputada tetraplégica na história da Câmara. Por conta disso, tiveram que desenvolver um sistema pelo qual eu pudesse votar apenas com a movimentação facial. E o resultado foi ótimo, está funcionando perfeitamente.
Terra - A senhora poderia falar um pouco sobre sua opinião quanto ao desafio de inclusão profissional de brasileiros com deficiência? Como avalia a lei de cotas?
Mara Gabrilli - A questão do mercado de trabalho da pessoa com deficiência precisa ser analisada por vários ângulos. Por exemplo, não basta ofertar vagas de emprego para estas pessoas, se antes de chegar ao mercado de trabalho elas não tiveram acesso a reabilitação e educação porque não conseguiam sair de casa pela falta de acessibilidade. Outra coisa que deve ser pensada é que para chegar ao local de trabalho essas pessoas passam por outros obstáculos: falta de acessibilidade nas calçadas, no transporte público, só para citar alguns. Não é por acaso que elas chegam ao mercado de trabalho sem qualificação. E aí nasce o grande gargalo: as empresas não contratam porque alegam a falta de capacitação, mas sem oportunidades como estas pessoas conseguiram se capacitar? Definitivamente, os empresários brasileiros precisam apostar mais neste mercado e investir no potencial da pessoa com deficiência. A Lei de Cotas tornou possível o acesso às pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Claro que pelo princípio de inclusão, estas pessoas deveriam ser contratadas por sua capacidade como profissional e não por sua deficiência, no entanto, só foi por meio da Lei que as empresas começaram a contratar estas pessoas. Hoje, não se constrói obras com acessibilidade por obrigação e sim porque há um nicho de pessoas consumidoras; e isso só foi possível com o advento da Lei de Cotas e inclusão. Para realmente garantir que a lei funcione e seja bem aplicada é preciso existir uma fiscalização no que diz respeito ao seu cumprimento, além de um programa de qualificação profissional. E quanto a este tipo de investimento ainda estamos atrasados, uma vez que todas essas questões esbarram na educação, área carente de investimentos no País.
Terra - A senhora acredita que as pessoas com deficiência ainda têm pouca representação política? Este cenário está mudando?
Mara Gabrilli - Com certeza as pessoas com deficiência ainda têm pouca representação política. Em 2010 o Instituto Mara Gabrilli, do qual sou fundadora, realizou uma pesquisa em câmaras municipais do Estado de São Paulo, para verificar quantos vereadores com algum tipo de deficiência existiam nos 645 municípios do estado. O resultado: 80 vereadores com deficiência, o que representa 1,3% dos representantes municipais do Estado. É um número muito baixo. No caso, sete são mulheres e 73 são homens, ou seja, o desequilíbrio de gênero comum à política brasileira também está presente nesse caso. Um fator importante, que está aumentando a visibilidade da causa e as políticas públicas para a pessoa com deficiência, é a proliferação dos órgãos públicos especializados nesse tema. Isso começou em 2005, com a criação da primeira Secretaria da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, da qual tive a honra de ser a primeira titular. De lá para cá, já são dezenas de órgãos espalhados por todo o Brasil.
Terra - Em sua opinião, qual a importância de as pessoas com deficiência estarem inseridas no mercado de trabalho para elas mesmas e para a sociedade?
Mara Gabrilli - Durante décadas as pessoas com deficiência ficaram esquecidas aos olhos do poder público. Nenhuma política foi pensada para a pessoa com deficiência. Mais do que tudo, a informação não era propagada. Por conta disso, a sociedade não se acostumou a conviver com essa parcela da população, que representa aproximadamente 15% da população brasileira. A inserção no mercado de trabalho trás dignidade à qualquer pessoa, pois a insere na própria sociedade.
Terra - A senhora se considera uma exemplo de sucesso profissional? Qual a importância da disseminação de exemplos de profissionais com deficiência bem sucedidos no Brasil hoje?
Mara Gabrilli - Sinto-me realizada e feliz. Isso é uma vitória diária, uma luta cotidiana. Serei vitoriosa no dia em que outras pessoas como eu puderem dizer o mesmo. A disseminação de profissionais bem sucedidos mostra que não é a pessoa que tem deficiência, mas o meio no qual ela vive. A partir do momento em que o acesso acontece e as tecnologias chegam, a deficiência da pessoa começa e desaparecer.
Terra - Quais os seus projetos prioritários neste mandato?
Mara Gabrilli - Acredito que todos os meus projetos que se tornaram Lei aqui em São Paulo podem ser trabalhados em âmbito nacional. Além disso, pretendo trabalhar melhor em questões de saúde, educação, trabalho e proteção social. Propostas como facilitar a obtenção do Benefício de Prestação Continuada (BPC); promover a inclusão profissional das pessoas com deficiência e reduzir a burocracia do Sistema Único de Saúde (SUS) para a distribuição de órteses, próteses e cadeiras de rodas são algumas das minhas propostas como Deputada Federal.
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