Programa ‘Bem Receber’ começa um mês antes da parada gay
Curso em SP ensina como tratar bem o público gay
O professor e artista plástico Vitor Mizael Rubinatti Dias, de 29 anos, disse que já foi mal atendido em um bar de São Paulo quando estava acompanhado de seu namorado na época. Precisou ir à Justiça para cobrar uma explicação. O ano era 2003 e o garçom, na versão de Dias, disse que ali “não era lugar de gay” e os dois deveriam se retirar. Para evitar situações como essa e de olho na multidão que estará na cidade durante a Parada do Orgulho LGBT, marcada para junho, um curso vai ensinar prestadores de serviço a lidar com o público homossexual. A ideia é tratá-los de forma gentil.
A iniciativa do programa "Bem Receber" é do São Paulo Convention & Visitors Bureau (SPCVB) e da Associação Brasileira de Turismo para Gays (ABRAT-GLS), que atuam em parceria com a Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual (CADS) e de entidades do setor hoteleiro. Pela primeira vez em três anos de existência, o curso, que tem duração de um dia, será aberto ao público em geral e não somente aos associados ao SPCVB. As inscrições podem ser feitas no site da entidade até quarta-feira (4).
Essa é a primeira turma do ano e a ideia é que as palestras se repitam mensalmente até o fim de 2011. O custo é de R$ 80. “Falta um treinamento dos estabelecimentos para tentar receber bem o público, um treinamento para a diversidade. É importante nosso setor de comércio, de serviços estar preparado para tratar as pessoas com respeito e sem discriminação. Isso é o principal”, afirmou Vitor Dias.
O bar de onde o professor foi convidado a se retirar fica perto da Avenida Paulista. “Eu e meu namorado estávamos sentados lado a lado, sem nenhuma demonstração de afeto. O garçom alegou que os clientes estavam incomodados, mas perguntamos para eles e disseram que não estavam. Nunca mais voltei ali”, lembrou Dias. Ao relatar o caso a um policial militar que estava próximo, contou que o PM reiterou a atitude do garçom. “Foi constrangedor.” O processo judicial terminou em uma advertência ao bar.
“A proposta é fazer um intensivo para mostrar que São Paulo tem a preocupação em receber todos de braços abertos”, disse Toni Sando, diretor-superintendente do São Paulo Convention & Visitors Bureau.
Fim do preconceito
Mais do que gentileza, a capacitação, que, na verdade é uma palestra, pode mudar opiniões e evitar constrangimentos. Foi o que aconteceu com Alice Araújo, de 27 anos. “Meu preconceito acabou depois que fiz esse curso há dois anos. Eu tinha um certo preconceito com o público gay, não sabia lidar com eles, não gostava. Agora, entendo o lado deles”, contou Alice, supervisora de atendimento de uma empresa que recebe turistas no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo.
O trabalho já a colocou em algumas saias justas. “Teve uma vez que tínhamos duas mulheres na planilha de atendimento. No desembarque, acabou chegando um casal. Eu perguntei: ‘a senhora Flávia não vem?’ E o homem respondeu: ‘sou eu’. Foi uma saia justa porque ele estava vestido de homem”, relatou Alice, hoje rindo da história.
Almir Nascimento, presidente da ABRAT - GLS, defende que essa capacitação atinja diversos tipos de profissional. “A ideia é que a gente fidelize o turista, que ele não venha só na semana da Parada, mas o ano todo.” Para isso, o treinamento deve atingir “todos os níveis” de uma empresa, indo desde o diretor ao manobrista.
“Se um travesti chega ao hotel, como ele gosta de ser chamado? De senhor? Senhora? Para que banheiro direcionar? São coisas básicas, mas que para o cliente são extremamente importantes”, afirmou Nascimento. E ele esclarece: “você chama a pessoa de acordo com o gênero que ela se apresenta”.
Toni Sando, do São Paulo Convention & Visitors Bureau, ressaltou que o público homossexual “tem alto poder de consumo” e costuma ser bastante exigente. Para ele, fazer com que essa gente disposta a gastar passe mais dias na cidade é uma oportunidade também de fechar negócios e oferecer novos pacotes turísticos. Estimativas da entidade dão conta que a parada gay gera cerca de R$ 200 milhões de renda para o município.
A executiva Beatriz Cullen trabalha com hospitalidade. Por isso, resolveu se inscrever nessa primeira turma de 2011 do programa “Bem Receber”. “Eu desconheço como eles (os homossexuais) se comportam, como gostam de ser tratados. Quero criar um relacionamento a partir das preferências deles. Busco abrir meus horizontes”, disse Beatriz, que é diretora do Instituto Brasileiro de Hospitalidade Empresarial e oferece consultoria sobre o assunto.
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