Na série especial de reportagens que o Jornal Nacional apresenta nesta semana sobre as fronteiras do Brasil, César Tralli mostra, nesta quinta (2), como os traficantes de drogas transformam índios em reféns e como os juízes que enfrentam esses criminosos vivem sob ameaça o tempo todo.
A mãe chora de vergonha de saber que o filho de 12 anos foi flagrado escondendo maconha na aldeia. O garoto carregava oito quilos da droga em uma mochila que recebeu de um traficante paraguaio.
“Se o segurança não visse, ele completaria o serviço. Porque não sei aonde ele iria levar”, disse o cacique Jonas Batista.
O menino contou que ganharia R$ 40 para deixar a maconha em uma estrada.
Em menos de dois anos, 40 crianças da Aldeia Taquaperi (MS) já foram descobertas trabalhando para traficantes. A maioria delas ajudava a levar maconha passando por dentro da propriedade indígena. Algumas crianças chegaram a esconder tabletes e mais tabletes da droga, atrás de armazéns, depósitos e até mesmo da escola da aldeia.
“Nós tivemos relatos de indígenas que caminham uma distância muito grande carregando 20, às vezes 30 quilos de maconha, a pé ou em bicicleta, por dentro das fazendas, das aldeias”, declarou o juiz criminal César de Souza Lima.
Na região de Amambai, em Mato Grosso do Sul, são 15 mil índios em cinco aldeias, encostadas na fronteira com Capitán Bado, Paraguai. É aí que mora o perigo.
“Há muito tempo já foi identificado como sendo um corredor da passagem da maior parte da maconha que entra no Brasil”, explicou o promotor de justiça Ricardo Rotunno.
Capitán Bado já foi esconderijo do traficante Fernandinho Beira-Mar. É uma das cidades mais violentas que fazem fronteira com o Brasil.
“Quantas vezes for feita uma barreira de surpresa vai pegar traficante aqui”, afirmou o juiz criminal.
Do lado brasileiro, a única delegacia é da Polícia Civil, com apenas uma delegada e um investigador. “Eu não posso tentar ser heroína aqui porque eu não sei se eu sobreviveria”, disse a delegada Marina Conceição.
A cadeia pública da região está superlotada com mulas do tráfico. Entre os presos, 36 índios, que hoje pagam caro pelo pouco que receberam de patrões da droga. Um deles conta que recebia apenas R$ 10 para transportar a droga.
Reféns de traficantes, em busca da paz perdida, índios voluntários agora vigiam as terras da aldeia Limão Verde. Batem o mato à procura de fardos de maconha.
“Eu já peguei até de oito quilos de maconha com um guri de 9 anos”, contou o cacique Nelson Castelão.
Caciques que combatem o tráfico hoje são ameaçados. Não são os únicos nas nossas fronteiras.
A equipe do Jornal Nacional viajou mais 1,3 mil quilômetros rumo ao norte, para o vizinho Mato Grosso.
“As ameaças começaram logo em seguida a uma operação grande que teve aqui. Eu decretei várias prisões no Brasil”, lembrou o juiz cível Alex Figueiredo.
O juiz de Cáceres ficou com escolta policial por um ano. “Durante bom tempo eu só dormia com remédio”, contou ele.
De dois anos para cá, 26 juízes já sofreram intimidações do crime organizado, na faixa de fronteira que vai do Paraná até Rondônia.
Muitos estão jurados de morte. “Eu não tenho vida social nenhuma. A minha família vive vigiada”, disse o juiz criminal Carlos Roberto de Campos.
“Eu não sabia se eles iam entrar para me pegar meu filho, me fazer algum mal”, contou a juíza Hanae.
A juíza Hanae teve a casa furada a balas. Por sorte, ninguém se feriu. Foi vingança de traficantes do Mato Grosso, que a juíza mandou para a cadeia. “A gente atrapalha. Eles estão preocupados em estar lá distribuindo droga para o resto do país. Eles têm que ficar preocupados com a juíza que está lá no pé deles, está fazendo busca e apreensão todos os dias na casa”, disse ela.
Para os que aplicam a lei, para os que sofrem em terra sem lei. A vida de ameaças na fronteira ensina uma mesma lição: não abaixar a cabeça.
“A grande maioria dos juízes jamais vai se acovardar ou se intimidar com esse tipo de ação dos bandidos”, afirmou a juíza.
“Não vou desistir. Eu tenho direito de educar as crianças, se o pai e a mãe não têm condições de educar”, disse o cacique Jonas Batista.
“Quero combater o traficante para poder melhorar a nossa aldeia”, disse o cacique Nelson Castelão.
A Funai informou que realiza nas aldeias indígenas atividades de esclarecimento e conscientização em relação às drogas e que o combate ao tráfico é feito em parceria com as forças policiais.
A Polícia Federal declarou que, no último ano, apreendeu mais de 22 toneladas de maconha e quase duas de cocaína nas regiões de fronteira de Mato Grosso do Sul.
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