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Política
Quarta - 22 de Junho de 2011 às 08:20

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"O Brasil é o único país do mundo em que um processo pode percorrer quatro graus de jurisdição", observou o ministro Cezar Peluso, presidente do STF, em artigo recente. Para pôr fim a isso foi proposta no Senado a Proposta de Emenda Constitucional 15/2011, a chamada PEC dos Recursos, que objetiva dar executoriedade às decisões cíveis e criminais após o julgamento pelos tribunais de segunda instância, ainda que haja recurso para o STJ e/ou STF.

Atualmente uma pessoa só pode começar a cumprir a sua pena após se esgotar toda a possibilidade de recurso. E são muitos os recursos possíveis. No Brasil uma pessoa pode fazer seu caso passar até por quatro instâncias antes de começar a cumprir a pena. E em cada uma delas há os recursos internos, que podem ser interpostos para órgãos diferentes do próprio tribunal. E mesmo nos casos em que a lei não prevê o cabimento de recurso, os tribunais aceitam que se ingresse com habeas corpus ou mandado de segurança.

O réu pode percorrer todo esse caminho antes mesmo de proferida a sentença condenatória, ao recorrer de alguma decisão do juiz de 1º grau, e antes até do início do próprio processo penal, ainda na fase de investigação, para pedir o trancamento desta.

Esgotados todos os recursos ele poderá, enfim, começar a cumprir a sua pena, na improvável hipótese de ela ainda não ter prescrito. Mas ainda lhe restará uma carta na manga: a ação de revisão criminal, pela qual poderá anular a sua condenação, mesmo que transitada em julgado, ou seja, depois de já esgotados os muitos recursos colocados à sua disposição pela lei e pelos tribunais. Mas essa ação pelo menos não suspende a execução da sua pena (a não ser que ele obtenha uma liminar, é claro!).

Após o trâmite de tantos recursos quase sempre a pena já não poderá ser aplicada porque estará prescrita, o que favorece os criminosos mais ricos, capazes de arcar com os altos custos de bons advogados. Além de ser prejudicial à imagem do Poder Judiciário junto à sociedade, a impunidade gerada por esse sistema também tem o efeito de encorajar o cometimento de mais crimes, na medida em que contraria a regra, da qual já falava no século 18 o jurista italiano Cesare Beccaria, de que a certeza da punição é essencial para a efetividade da lei penal.

A PEC em questão visa justamente enfrentar esse problema. Nem por isso, contudo, ela se vê livre das críticas da OAB, para a qual ela fere o princípio da presunção de inocência, cujo conteúdo se traduz no mandamento de que o réu não deve ser tratado como culpado até que seja produzida prova suficiente de sua culpa. A PEC não contraria o referido princípio, pois ela prevê que o réu deverá cumprir sua pena somente após ter sido julgado pelas duas únicas instâncias em que é possível produzir e valorar provas no sistema judicial brasileiro, composta, a primeira, por um juiz aprovado em exigente concurso público, e a segunda, por, pelo menos, três desembargadores de um tribunal cujos membros são escolhidos entre os profissionais mais experientes do Judiciário, da Advocacia e do Ministério Público.

A verdade inescapável é que a atual configuração do sistema penal brasileiro se mantém em benefício exclusivo apenas de uma pequena parcela da sociedade. Por isso a PEC dos Recursos, mais que bem-vinda, é absolutamente necessária, e se põe, ao lado da celeridade processual, que também vem merecendo a atenção de diversos setores do Poder Judiciário, como medida imprescindível para que o Brasil tenha um sistema judicial digno de um Estado Democrático de Direito.

Fábio Henrique Rodrigues de Moraes Fiorenza é juiz federal da 5ª Vara Criminal de Cuiabá e mestrando em Direito pela UFMT. E-mail: fabio.fiorenza@trf1.jus.br






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