Magistrados tabelavam preços e estabeleciam regras
A organização criada para manipular e vender sentenças no Poder Judiciário de Mato Grosso mediante exploração de prestígio, corrupção ativa e passiva possuía regras e os magistrados envolvidos no esquema só arbitravam os preços, todos acima de R$ 100 mil, após analisar os processos. As revelações foram feitas em conversa gravada pela Polícia Federal da dona de casa Ivone Reis de Siqueira, principal intermediadora da quadrilha, e Wagner de Abreu, que tentava negociar uma decisão para um homem condenado em Poconé por tráfico.
Conforme consta da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF), assinada pelo subprocurador Eugênio José Guilherme de Aragão, apesar de ser dona de casa, a residência de Ivone mais parecia o escritório de uma empresária bem sucedida “devido ao grande número de pessoas que ‘atende’ semanalmente”.
Além disso, ela possuía estreito relacionamento com a advogada Célia Cury, elo central do esquema e esposa do desembargador José Tadeu Cury, e também com o desembargador Carlos Alberto Alves da Rocha.
Dentre as normas impostas pelos magistrados, não se solta preso nos plantões do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. “É proibido soltar preso no plantão. Não pode dar uma liminar no plantão”, afirma Ivone para Wagner, informando ainda que todos os advogados conhecem a regra.
Ainda de acordo com Ivone, os magistrados precisam avaliar a “viabilidade jurídica” do caso para depois estipular o preço da sentença. A dona de casa informa ainda que não são todos os desembargadores que aceitam a negociação, por isso, é importante saber com quem está o processo.
A lobista cita os nomes de Carlos Alberto Alves da Rocha, Donato Fortunato Ojeda e Manoel Ornellas como o grupo de magistrados que negocia decisões.
Para obter sucesso nas negociações, Ivone se utilizava de contato com os parentes dos magistrados, além disso, o marido dela, Waldir de Siqueira, é advogado e ex-servidor do TJMT.
Confira a conversa gravada em outubro de 2009 entre Ivone e Wagner:
WAGNER: O tio dele foi preso em Poconé com droga, pela segunda vez. Foi já julgado pelo juiz de Poconé. Tem uma semana que foi julgado. Ai ele queria que te perguntasse o seguinte: quanto que cobra pra tirar ele para a senhora tirar ele no tribunal?
IVONE: Poxa! Se ele já foi condenado, ele tem um processo dele no tribunal. Tem que ver com quem ta no tribunal. A pessoa quanto cai entra com um habeas corpus na primeira instância, quando não dá entra na segunda. Já tem o… o prevento dele já tem já dentro do tribunal já, desde de quando ele caiu que tem o prevento. Tem que ver quem é. Se for o Rui Ramos pode esquecer. Shelma Lombardi já aposentou, é... Paulo Cunha nem precisa. [incompreensível] Paulo Cunha agora é o vice-presidente, ele não julga mais. Tem que ver com quem que ta dentro do Tribunal de Justiça. Já o pai de Maisa, Manoel Ornellas, é fácil. Lá tem uma turma que é fácil, outras turmas que não tira não. Ele pode pagar milhões. Se pagar certinho 20 milhão na conta de [incompreensível] Nogueira. Tem que ser o nome dele.
WAGNER: Ele paga até 3 mil dólares em dinheiro. Se realmente falar que quer ver os 3 mil dólares, ele disse que vai lá na Bolívia. Ele vai lá e busca em dólar e trás.
IVONE: 3 mil dólares? Sabe quanto é 3 mil dólares? 3 mil dólares, nem 9 mil reais. [incompreensível]. Nós fechamos um negócio agora de 1 milhão de reais. Vou mandar um de 9 mil? Com esse valor não faz nada nada nada. Por menos de 100, 200 mil ninguém faz no tribunal. Não adianta.
WAGNER: Nós vamos [incompreensível] 5 milhões de dólares.
IVONE: Ai seria diferente.
WAGNER: 3 milhões.
IVONE: [incompreensível].
WAGNER: É 3 milhões.
IVONE: Isso, ai é diferente.
WAGNER: É 3 milhões. [incompreensível].
IVONE: [incompreensível]. Wagner, você tem que chegar pra ele e perguntar quem é
o presidente do tribunal.
WAGNER: Mir falou: vai sem ordem.
IVONE: Isso.
WAGNER: Ta me esperando lá. Falou Wagner: vai lá e volta aqui que eu vou espera você voltar
IVONE: Quem é o prevento do tribunal? Ele foi condenado?
WAGNER: É o que a senhora precisa...
IVONE: Certo.
WAGNER: Pra poder falar com ele.
IVONE: Ele deu prevento já. O prevento ele não vai saber quem é.
WAGNER: Ele é o advogado.
IVONE: Ah, tá.
WAGNER: Esse que eu to falando, ele é o advogado. Ele que é o advogado. É tio dele.
IVONE: Ah, tá. Quem é o relator do tribunal, nós temos que saber.
IVONE: Quem é o relator do tribunal, nome e número do processo. Se possível, cópia do processo, e se pode ser plantão. Fix fala assim: plantão e [incompreensível] saiu, ir para a Bolívia. Porque plantão é assim, você tira do plantão hoje e a pessoa tem que ir embora. O que nós estamos fazendo é isso. O que nós fazíamos, porque agora ta tudo quieto, não temos dinheiro. Quanto não tem dinheiro a pessoa não faz, quando tem diz que foi Rui Ramos pode falar pra ele, esquece. Ele é contra droga, contra, contra essas coisas de crime, Rui Ramos ele foi promotor, né? Foi do Ministério Público.
WAGNER: [incompreensível].
IVONE: É. E se é tiver plantão...
WAGNER: Quem é relator do tribunal, nome e número do processo, se possível cópia do processo, e se pode ficar no plantão. Se falar pra ele que pode ser no plantão ele sai?
IVONE: Ele sai, ele sai. Tem que falar que é pra ó...
WAGNER: Pra pegar e sair fora
IVONE: Ele tira no sábado ou domingo ou no feriadão. Tem que mandar ir embora.
WAGNER: Na hora foi preso em Poconé agora ta aqui em Cuiabá.
IVONE: Ah, ele foi preso em Poconé. Ele ta em Poconé. Só que a cadeia está muito cheia e manda pra o Pascoal Ramos. Mas quando é condenado por isso ele estão sempre mandando para cá pra Cuiabá.
WAGNER: Fiança não atende agora não?
IVONE: Espera condenar primeiro pra ir atrás, daí [incompreensível]. De lá eu tinha um monte de gente, eu tinha um monte de processo de Poconé, viu Wagner. Todo mundo que a gente pegava, ou já tinha outro na frente ou não tinha ninguém.
WAGNER: Ele ta indo buscar o dinheiro, falou Wagner eu vo lá e trago o dinheiro.
IVONE: Lá tem um juiz lá que era muito amigo da Célia. O sobrenome dele é Dos Reis, o mesmo sobrenome meu. Mas esqueci o nome dele. Ele é super amigo da Célia. Uma vez nós fomos lá e tiramos um monte de gente com a Célia ano passado. Só que eu não sei se ele está lá, quem é o juiz de lá este ano. Eles sempre tiram de um lugar e mandam para outro. Naquela época ele era amigo demais, mas depois que foi condenado lá não tem mais jeito, entendeu? Agora só segunda instância.
WAGNER: Só o Rui Ramos que não dá certo, porque o... O Tadeu é o que, o Tadeu Cury?
IVONE: É Cível.
WAGNER: Ah, é Cível.
IVONE: Tem que chegar pra ele no plantão né? Tem que chegar também com Carlos
Alberto, Ojeda, tudo é no plantão.
WAGNER: Só que no plantão é mais caro, né, porque é só pegar e fugir, né.
IVONE: Plantão é mais caro, Wagner. Sabe que se vaza faz com o cara? O, o... vai para a corregedoria, tem uns que é até afastados por um mês os desembargadores. Pensa que plantão é fácil ?
WAGNER: Hum.
IVONE: Então por isso que o pessoal tem medo, porque dentro do tribunal tem uma norma. Ele é advogado, ele sabe. Dentro do tribunal tem uma norma, não pode soltar preso no plantão. É proibido soltar preso no plantão. Não pode dar uma liminar no plantão.
WAGNER: Mas isso no caso é juiz ou...?
IVONE: Desembargador.
WAGNER: Desembargador, né?
IVONE: Desembargador. Não pode ser juiz mais. Juiz nenhum pode fazer mais nada por ele, já que ele foi condenado. O único juiz que pode fazer por ele é onde ele foi preso. Como ele foi condenado, não existe mais nada que o juiz pode fazer. Primeira instância acabou, é só aqui e em Brasília. Nada nada mais tira. Nada! Nada! E pra tentar Brasília, primeiro é obrigado ele tá aqui.
WAGNER: Ai ele falou: uai, se é pra fazer eu já faço o HC e coloco...
IVONE: Não. Quando você falar "faz", a primeira coisa é mostrar o hábeas corpus pro desembargador. Não pode dar entrada sem mostrar. Ele vai mostrar, vê as falhas, o que que tem que corrigir, onde tem que achar fatos novos, é assim. A pessoa não entrar sem mostrar primeiro pra pessoa.
WAGNER: Pro desembargador?
IVONE: Humrun.
WAGNER: E… a senhora não vai querer conhecer ou a senhora vai querer conhecer ele?
IVONE: Não.
WAGNER: Melhor não?
IVONE: Não não não.
WAGNER: Porque o Leonardo não é flor que se cheira. Vou dizer logo pra senhora.
IVONE: Por que é assim, oh, você fica encarregado de tudo, por que se foi ele que já foi em Célia ou em algum lugar, quando ver já sabe que sou eu. E ai já sabe que é a Célia. Tem gente que até eu perco os cliente.
WAGNER: E por que já tentou alguma vez, alguém já falou?
IVONE: Isso. Pra ele conhecer nós é assim...
WAGNER: Eu não falei nome de ninguém pra ele.
IVONE: Não fala não. Pra ele conhecer nós tem que estar mastigado. Mastigou tudinho, a pessoa não é meu amigo, quem está no plantão é Carlos Alberto, quem vai sou eu. Se for Ojeda, quem vai sou eu. Pai de Maisa, quem vai sou eu. Se for gente da Célia quem vai é a Célia.
WAGNER: Entendi.
IVONE: Ai quando mastigado, se for o meu, meu lado, já vai estar vindo aqui, pode trazer. É amanhã eu quero assim assim, você já traz tudo tudo pronto. Se for na Célia, ai ele vai conhecer a Célia quando tiver o okey, um dia antes, ai ele vai lá, quando ela... quando a pessoa aprovou o habeas corpus, ai sim. Porque ele sabe que traz, porque não tem saída. Não é quando é condenado. Tem que saber quantos anos ele ta preso, tudo isso.
WAGNER: Uma semana que ele está preso.
IVONE: Não, Wagner…
WAGNER: Foi pego em Poconé.
IVONE: Porque, se ele foi condenado a uma semana...
WAGNER: Porque ele não é réu primário mais.
IVONE: Pois é, por isso. Ele é reincidente.
WAGNER: Reincidente. Tem isso também. Tem a primeira vez que ele fugiu
IVONE: Pois é…
WAGNER: Não sei. [incompreensível].
IVONE: Sem o sem o… sem o processo, sem o por quê, tinha que tirar cópia do processo pra você. Se foi pego em...
WAGNER: Não, mas ele queria saber de primeiro assim, "Wagner, quanto que fica pra mim poder levantar o dinheiro primeiro. Não adianta eu mandar falar nada e não ter o dinheiro ".
IVONE: Não, a cópia é pra pessoa ler e dar o preço.
WAGNER: Eu falei pra ele.
IVONE: E dar o preço, senão eles não dão preço. Se eles não ler o processo, tem que saber a história todinha, eles não dão preço não. Primeiro eles olha tudinho o por quê. Vê tudinho, lê primeiro. Se eu for lá no Carlos Alberto, a primeira coisa que ele quer, o processo na mão dele. "Ivone, me dá cópia aqui. Cadê?. Não trouxe cópia pra mim. Como que eu vou tirar uma pessoa que eu não to sabendo o que que é?". Assim que eles falam. Pra todo mundo tem que dar cópia do processo. Não adianta. Ele tem que dar. Ele tem que dar, que o pessoal vai ler, ai a pessoa vai ver.
WAGNER: Com o número do processo também consegue, né?
IVONE: Consegue, com o número do processo consegue.
WAGNER: Só o número o cara já consegue entrar?
IVONE: Consegue. Entra na internet e vê tudinho por que. Quantos dias ele tava preso, quantos anos ele pegou, vê tudo. Se ele é reincidente, por que. Aonde ele foi pego na outra vez. Não é, não é uma coisa difícil se tiver na mão de gente boa nossa. Se tiver na mão de gente ruim, pode esquecer. (incompreensível).
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