Mulheres estupradas no Congo são repudiadas pelos maridos
Segundo um cálculo da agência France Presse, baseado em informações de fontes médicas da província de Kivu do Sul (leste), 248 mulheres foram estupradas por cerca de 150 soldados armados dirigidos pelo coronel Niragire Kulimushi, ou "Kifaru", ex-miliciano Mai Mai dos Patriotas Resistentes Congoleses (Pareco), que, em 2009, se juntou ao Exército nacional após um acordo de paz com o governo congolês.
Tony Karumba/France Presse |
Mulheres aguardam atendimento médico em Kanduli |
O coronel Vianney Kazarama, porta-voz das Forças Armadas da RDC (FARDC) em Kivu do Sul, negou que Kifaru estivesse envolvido nos estupros e não fez mais comentários sobre esses crimes.
"Meu marido já não aceita dividir a cama comigo. Durmo sozinha", lamenta Adela que, assim como outras mulheres, sofre com o abandono e desprezo desde que confessou ter sido violentada pelos soldados.
"Meu marido se nega a comer o que eu preparo. Come o que minhas irmãs fazem. Não entendo porque me trata assim", acrescenta a jovem de 19 anos, mãe de um bebê de seis meses.
As mulheres contam com o apoio de poucas pessoas, como os médicos, o chefe da aldeia, além delas mesmas.
Em Nakiele, um povoado de 12.300 habitantes no topo de uma colina no território de Fizi, na província de Kivu do Sul, 121 mulheres procuraram médicos, na noite de 11 de junho, afirmando que haviam sido violentadas por soldados e desde então sofrem o repúdio dos maridos.
Neste mesmo dia, cerca de 150 soldados desertores chegaram à região no fim da manhã sob o comando de um coronel que já pertenceu à milícia Mai Mai. Os soldados fugiram.
Em outros povoados próximos, 127 mulheres também afirmaram terem sido estupradas pelos soldados.
Durante as sucessivas operações realizadas desde 2009 contra os grupos armados na região, os soldados vão de um povoado a outro exigindo comida, dinheiro, armas, entre outras coisas. "Desta vez, pediram rações e uma cabra. Normalmente não tocam nas mulheres, mas dessa vez acabou mal", explicou à AFP o chefe local de Nakiele, Losema Etamo Ngoma.
Quando o marido de Adela, Sifa, de 20 anos, voltou para casa na manhã do dia 12 de junho, ela contou que havia sido estuprada.
"Ele me disse que agora eu era uma mulher de militar, que eu deveria ir embora junto com os soldados e que não me queria aqui. Não entendo porque ele pensa assim", explica enquanto amarra e desamarra mecanicamente o pano em que carrega o bebê junto ao corpo.
Na República Democrática do Congo o estupro ainda é um tabu. As vítimas se calam por medo de serem discriminadas pelos maridos, familiares e pela comunidade.
No entanto, essas mulheres tiveram a coragem de denunciar. "Houve um problema coletivo e a sensibilização de uma ONG que permitiu que elas contassem", destaca Eugène Byamoni, psicólogo que escutou cerca de cinquenta delas entre os dias 16 e 17 de junho.
"Tenho vergonha ao passar pelas pessoas. Sou alvo de críticas, de provocação, dizem que sou uma mulher de militar, portadora de doenças (DSTs)", comenta em voz baixa Dekila, de 28 anos. Seu marido disse a ela para "ir embora, que deixe sua cama".
"Precisamos reunir homens e mulheres, sensibilizá-los, explicar que a desgraça que ocorreu não é culpa das mulheres", acrescentou Byamoni.
"Desde que começou o problema, reuni um grupo de dez sábios para falar com esses homens, para que ainda possam viver com essas mulheres, dizer que o que houve com as mulheres foi forçado, contra a vontade delas e que devem suportar", diz o chefe da aldeia.
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