Velha máxima continua valendo, educação começa em casa
Presidente da Comissão da Infância e Juventude da OAB/MT, Rosarinha Bastos, chama atenção para um cenário onde a violência tem se sobreposto aos valores, princípios básicos e conceitos de moralidade, refletindo no aumento intrínseco da violência, visualizada com mais nitidez nos últimos dias nas escolas. A morte do adolescente Gustavo Pacheco Silva, 16 anos, dentro da Escola Estadual Cesário Neto, na Capital, surge como exemplo das falhas da família no papel maior de educadora. O avanço do acesso à internet de forma desenfreada é, para ela, um dos fatores mais pontuais para a expansão da violência. Reconhecendo a importância do mecanismo, sugere ferramentas para contrapor o quadro. Natural de Cuiabá, especialista na área infantil, da juventude e da família e em direito avançado, Rosarinha destaca nesta entrevista para A Gazeta a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), há 21 anos, como "divisor de águas" no tratamento de crianças e adolescentes, vistos como sujeito de direito. Ao rebater críticas em relação ao ECA, ela ressalta a crença sobre a perspectiva da recuperação e reinserção social dos que cometem infrações.
Se percebe um boom da violência nos últimos dias principalmente envolvendo crianças e adolescentes com foco nas escolas. Como vê essa situação no contexto escolar?
Aí nos chamamos a questão do bullying, que é a justamente a agressão de colegas. Eu vejo assim, o acúmulo de informação que eles têm recebido por parte da mídia é muito grande. Eles têm um acesso incontrolável na rede da internet e nesse momento chamamos a família para estar junto, caminhando, perguntando, questionando e acompanhando. Porque você também não pode cercear o adolescente de ter acesso à internet, por exemplo. Porque é a ferramenta do momento. Todos os mecanismos que nós desenvolvemos hoje estão ligados à internet, mas podemos controlar o acesso. Nós podemos controlar os programas da internet que nossos filhos vão ler, o que estão passando de mensagem.
Esse acesso à internet é um incentivo à violência?
É uma faca de dois gumes. Eu, por exemplo, não vivo sem internet. Acho que cada um na nossa área de profissão não tem como trabalhar sem essa ferramenta. E as crianças e adolescentes de forma geral, até para pesquisa, para visitar países sem sair de casa, visitar culturas. É o que eu sempre digo nas minhas palestras para os pais, nós não podemos policiar, mas temos mecanismos de defesa para defender os filhos, principalmente os adolescentes, desse acúmulo de mensagens negativas. Chama um técnico de informática e manda bloquear determinados canais, não é verdade? Tanto na TV como no computador. Mas não cerceia. Você evita o acesso a essas informações, porque se não você colocaria barreiras em todo um processo de desenvolvimento, da globalização. Mas crianças e adolescentes são seres em desenvolvimento físico, psíquico, moral. Eles têm que ser acompanhados. Quando a Constituição fala que ninguém pode ser cerceado do seu direito de ir e vir, o Estatuto está bem claro, que o adolescente tem o direito de ir e vir, respeitadas as normas,ou seja, em determinados lugares só pode ir e vir acompanhado de uma pessoa maior responsável por ele.
Qual o papel da família nesse contexto?
A Constituição é perfeita quando diz no artigo 37 que é dever primeiro da família, depois da sociedade, depois do poder público, garantir com prioridade absoluta todos os direitos inerentes à criança e ao adolescente. E ainda diz mais: colocando-os a salvo de toda forma de exploração, de violência, negligência, omissão, etc. Então a família é que tem que ter o comando da vida dos seus filhos. A sociedade entra como um apoio. O poder público é responsável pelos programas e políticas públicas mas a família é que tem que dar conta da educação dos seus filhos. Educação se recebe em casa. Na escola recebemos conhecimento, não é assim? E a gente tem recebido muitas queixas de professores. Na maioria das vezes eles estão perdendo a atividade fim para ter que educar filhos dos outros. E lá ele recebe conhecimento e assim mesmo temos que aprimorar. O que meu filho está fazendo na escola, que literatura é essa, o que ele está lendo?
Existe uma cobrança da sociedade em relação à segurança na escola. Esse papel deve ser desempenhado pelo Estado?
O Estatuto é bem claro, no seu artigo 245. Diz que a responsabilidade de um estabelecimento de ensino é do dirigente daquele estabelecimento. Então, quando me perguntaram do ocorrido nesta escola, recentemente, eu mesma me questionei. Como é que esse aluno entrou armado na escola, como ficou armado no pátio, na sala de aula, onde quer que ele estivesse dentro da escola? Presume-se que a escola tenha inspetores, que é justamente para averiguar. E depois, para se chegar a morte como se chegou, e não foi o primeiro embate entre eles. Já devem ter havido resquícios de outras brigas e de outras confusões. Mas será que a equipe multidisciplinar é cuidadosa ali? Aquela professora não chegou de notar? Porque temos que ter olhos clínicos para observar o comportamento de nossos alunos. Na verdade, falar de segurança dentro da escola, colocar segurança dentro da escola, colocar policiamento, eu entendo como falta de respeito. O próprio corpo docente da escola teria que ter esse mecanismo. Mas por outro lado trabalhamos com escolas em que a educação está sempre reivindicando direitos, dizendo o que eles deveriam ter pela carga horária, quer dizer, há todo um conceito aí de várias necessidades envolvidas.
O ECA é muito questionado. Não existe uma banalização da violência após a instituição do Eca, até com a utilização de adolescentes pelo crime organizado?
Não. O ECA não trouxe essa banalização, muito pelo contrário, foi um divisor de águas, depois da Constituição Federal que já tinha ascendido a criança e o adolescente a sujeito de direito. E o ECA ratifica isso. Agora o que ocorre é que os adultos quando querem cometer algum crime eles pegam um adolescente e dizem: "olha, você faz porque você não vai ser punido". Ledo engano. Normalmente é mais difícil pegar o adulto criminoso do que o adolescente que cometeu ato infracional. Este é pego rapidamente e recebe medidas socioeducativas. Aí vem o grande questionamento das medidas: "ah eles só pegam 3 anos, quando pegam". Mas 3 anos para o adolescente é 10% da pena máxima do Brasil para o adulto. Então, dizem os grandes estudiosos da psicopedagogia que um dia representa uma eternidade para nós adultos. Para eles é muito tempo. Então é um tempo imenso da vida deles que deixaram de produzir, de ganhar, de ter uma infância saudável, para ficar ali segregado. Agora, o grande problema é que nós temos que começar a trabalhar o adolescente que comete ato infracional da maneira correta. O Brasil todo. Para isso estamos há muito tempo trabalhando a questão do Sinase, que é o Sistema Nacional Socieducativo, uma resolução nacional baixada pelo Conanda. Ele preconiza todo o mecanismo da forma correta, como tem que trabalhar medidas socioeducativas de internação de adolescente em conflito com a lei. O Sinase diz que até o prédio tem que ter simbiose com o adolescente, com a pessoa que está em conflito com a lei. O Estatuto deixa claro no artigo 6, e a ciência médica também diz, que são seres em pleno desenvolvimento, então são passíveis de serem moldados, de serem reeducados.
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