Após ação policial em protesto indígena, ministra boliviana pede demissão
Após um fim de semana de tensão entre setores indígenas e o governo do presidente da Bolívia, Evo Morales, a ministra da Defesa boliviana, Cecília Chacón, renunciou ao cargo nesta segunda-feira.
Chacón justificou sua saída dizendo, por meio de um comunicado, que não concordava com "a intervenção feita pelo governo" na manifestação realizada pelos indígenas no domingo. Eles são contra uma estrada construída com recursos brasileiros e que poderia passar por uma reserva florestal.
"Ela ficou cinco meses no cargo, mas discordou da ação policial contra os indígenas", disseram à BBC Brasil assessores do Ministério, em La Paz.
Neste domingo, cerca de 500 policiais usaram gás lacrimogêneo para dispersar o protesto, que terminou com "vários presos", que, segundo a imprensa local, foram colocados em ônibus para serem levados de volta para suas comunidades.
A marcha dos manifestantes contra a obra começou em 15 de agosto, em Trinidad (Departamento de Beni), com destino a La Paz, capital política do país.
RESERVA INDÍGENA
O protesto é contra a construção do segundo trecho da estrada entre Villa Tunari, no Departamento de Cochabamba (centro) e San Ignácio de Moxos, no Departamento de Beni, próximo à fronteira com o Brasil.
A estrada passaria pela reserva de TIPNIS (Território Indígena Parque Nacional Isidoro Sécure), ao lado do território brasileiro. Estima-se que 13 mil pessoas, de diferentes comunidades indígenas, morem neste território.
O percurso teria cerca de 300 quilômetros e um custo aproximado de US$ 420 milhões, financiados com recursos brasileiros, segundo o governo Morales.
A administração de Morales argumenta que "ainda não está definido" o percurso da estrada, mas os indígenas afirmam que ela poderá afetar o ecossistema e suas formas de vida - das plantações à pesca, entre outras atividades - e "favorecer" a exportação da folha de coca da região do Chapare, em Cochabamba.
O Chapare é definido como um dos redutos políticos de Evo Morales.
DIÁLOGO
Enquanto os indígenas afirmam que "Evo não quer ouvi-los", autoridades do governo dizem que são os indígenas "que se recusam ao diálogo" para que "juntos possam definir o trajeto".
O governo afirma que a estrada será importante para o desenvolvimento do país e uma forma de integrar a região ao restante da Bolívia.
Em meio ao impasse, o ministro das Relações Exteriores, David Choquehuanca, foi enviado no fim de semana para conversar com os indígenas, que já estavam na localidade de Limoncito, a 300 quilômetros de La Paz.
O ministro, um chefe da polícia e outras autoridades acabaram cercados pelos indígenas e levados para a caminhada durante mais de três horas, segundo as rádios bolivianas.
"Um grupo de mulheres indígenas fez o ministro de escudo humano para atravessar o cordão policial e de indígenas simpatizantes de Evo que impedia o avanço da caminhada", informaram as rádios.
"Eu estava disposto a dialogar quando elas me rodearam e me obrigaram a caminhar. Mas o fato de que tenham me libertado significa que também querem dialogar", disse Choquehuanca.
Nesta segunda, autoridades do governo afirmaram que foi este fato que levou à ação policial.
DIPLOMACIA
Nos últimos dias, a manifestação gerou diferentes focos de tensão entre o governo e outros setores - indígenas e diplomáticos.
Diplomatas da embaixada dos Estados Unidos em La Paz foram acusados pelo presidente de terem apoiado a manifestação, gerando polêmicas na imprensa local sobre se os telefones teriam sido grampeados para se chegar a esta conclusão. Em um comunicado, a embaixada negou "qualquer forma de apoio ao protesto indígena".
O cardeal da Igreja Católica Julio Terrazas fez um apelo para que houvesse "diálogo" entre indígenas e o governo. Em um artigo publicado no jornal "El Deber", de Santa Cruz de la Sierra, o sociólogo José Martínez, escreveu que "Brasil será o grande beneficiado desta estrada".
Segundo ele, a estrada permitirá o transporte de produtos brasileiros de Mato Grosso e de Rondônia para o território boliviano e dali para o caminho para o Pacífico. "Será uma forma de encurtar esta viagem", disse.
Em nota, o Itamaraty afirmou ter recebido com preocupação a notícia sobre os distúrbios e disse ter confiança no governo e em diferentes setores do país para buscarem diálogo e favorecer a negociação sobre o traçado da rodovia.
O governo também se disse disposto a "cooperar com a Bolívia no contexto da obra", afirmando que "se trata de projeto de grande importância para a integração nacional da Bolívia e que atende aos parâmetros relativos a impacto social e ambiental previstos na legislação boliviana".
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