A professora de Sociologia, Janaína Pereira Monteiro, vai receber proteção policial permanente. Ela presenciou o assassinato do africano Toni Bernardo da Silva, de 27 anos, morto após ser espancado em uma pizzaria em Cuiabá, há 11 dias. Segundo o governo do estado, policiais civis vão fazer a guarda da família da professora por tempo indeterminado. Ela negou fazer parte do programa de proteção à vítima, do governo federal, pelo fato de não querer sair de Cuiabá.
Após o crime, ela teme correr risco de morrer. "Outro dia vi uma juiza ser morta. Porque não matariam janaína?" questionou. Nesta segunda-feira (03), em coletiva à imprensa, na Assembleia Legislativa do estado, ela resolveu quebrar o silêncio e relatou com detalhes como Toni morreu.
Na noite daquela quinta-feira (22), a professora fazia compras em um supermercado próximo à casa dela. Quando chegou em casa, percebeu que perdeu o cartão de crédito e resolveu voltar à rua para procurá-lo. “Fui fazer o trajeto da minha residência para ver se o cartão havia caído por ali. Quando olhei para o estabelecimento, vi um tumulto e perguntei ao meu irmão o que estava acontecendo, ele disse que não sabia falar exatamente, mas que tinha um rapaz que estava apanhando havia algum tempo”, relatou.
Toni estava estirado no chão e imobilizado por dois homens. “[Ele estava] deitado no chão de bruço. As duas mãos para trás, uma pessoa, que era um negro, segurava ele do lado esquerdo e um homem branco também segurando o Toni do lado direito. Os dois estavam ajoelhados sobre as costas dele”, descreveu.
Um deles, segundo a professora, dizia para Toni. “Você sabe porque está apanhando? Você sabe porque está apanhando? Você está apanhando porque é bandido”, lembrou. Nesta hora, ela disse que tentou acabar com a briga. “Eu dizia para eles que o rapaz já estava imobilizado e que não havia motivo para eles continuarem batendo nele e que precisavam chamar a polícia porque eles eram profissionais que saberiam o que fazer”, lembrou a professora.
Neste momento, ela descobriu que ambos eram policiais militares e se assustou com a atitude dos agentes perante a situação. “O rapaz negro me olhou e disse "eu sou um policial", aí respondi que eles não eram policiais, que policiais eram defensores dos direitos humanos”, apontou.
A chegada da Polícia Militar ao local foi rápida. Segundo a professora, o policial que atendeu a ocorrência checou os sinais vitais do africano e logo acionou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Toni já estava morto. Após o crime, Janaína prestou depoimento à polícia. Ela não se esquece do desespero dos amigos de Toni quando viram o corpo do amigo no local. “Eu ouvi uns gritos , era os compatriotas do Toni, que ficaram desesperados ao ver o corpo estirado no chão, tentando compreender o que havia ocorrido”, finalizou.
Últimos momentos de vida
O G1 teve acesso às imagens de uma das câmeras de vigilância que mostram apenas um ângulo do momento em que o africano chegou ao estabelecimento. Depois disso, ele foi espancado até a morte. Nelas, Toni chega ao estabelecimento por volta das 23h17 já abordando uma das mesas onde estavam quatro pessoas. Segundo testemunhas, ele estava pedindo dinheiro. Em seguida, o africano se dirigiu a outra mesa em que estavam o empresário – que está preso por suspeita de envolvimento na morte – e a namorada dele.
Ele sentou ao lado da mulher e mais uma vez pediu dinheiro. Às 23h18, as imagens mostram o início da confusão. Houve muita correria dentro do estabelecimento. As imagens não conseguem captar com nitidez o tumulto.
Outro lado
O advogado dos policiais militares, Ardonil Manoel Gonzales Júnior, disse que Toni tentou assaltar a mulher do empresário e ainda teria simulado estar armado. Na visão do defensor, eles cumpriram “com o dever legal” da profissão, que nesse caso significava “defender as pessoas que estavam sendo coagidas pelo africano”. O advogado disse que vai entrar com um habeas corpus para que os policiais saiam da prisão o mais rápido possível. O G1 não localizou até o fechamento desta reportagem o advogado do empresário preso.
Na última sexta-feira (30), o inquérito policial que investiga o caso foi concluído. O delegado Antônio Esperândio indiciou os policiais militares e mais o empresário por homicídio. O inquérito será encaminhado para o Ministério Público, que terá cinco dias para denunciar ou não os suspeitos. O corpo de Toni aguarda um desfecho do Ministério das Relações Exteriores para ser trasladado para a Guiné-Bissau, país de origem do africano. Em nota, o órgão informou que o impasse é jurídico, uma vez que o órgão precisa comprovar o gasto com o transporte do corpo, que deve atingir R$ 30 mil.
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