Crianças menores são preferidas na hora de
adotar. (Foto: Leandro J. Nascimento/G1)
Mato Grosso tem 355 pessoas na fila para adotar crianças ou adolescentes. O número de pretendentes é quase seis vezes maior o de meninos e meninas que estão aptos a serem acolhidos por novas famílias no estado: 68. Os números fazem parte do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e revelam que, ao contrário do que se imaginava, a soma de menores disponíveis é insuficiente para atender a toda a demanda. Mesmo assim, as exigências impostas por quem pretende ampliar a família, ou mesmo exercer o espírito paternal ou maternal faz aumentar o tempo de espera e são consideradas entraves na hora de agilizar o processo.
No estado, de acordo com a Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja), quanto mais velha é a criança, menor é o tempo de espera por parte dos adotantes, podendo durar entre seis meses a um ano. No entanto, quando a faixa etária compreende meninos ou meninas com até três anos, os pretendentes podem esperar até três anos para finalizar o processo de adoção. Segundo explica Elaine Zorgetti, secretária-geral da comissão, é clara no estado a preferência na hora de adotar.
"A maioria prefere recém-nascido, crianças com até três anos, meninas, cor clara e sem problemas de saúde. Às vezes, temos pessoas com estas idades, mas com problemas como HIV, síndrome de down, autismo, mas as famílias não querem", declarou, ao G1, Elaine Zorgetti.
Das 68 crianças/adolescentes prontas para adoção, a maioria está inclusa na faixa etária dos oito anos ou com problemas de saúde. "Estão prontos para a adoção com possibilidade remota", acrescentou a secretária-geral.
"Quanto mais exigências, maior é o atraso na hora de adotar", destacou Nicolau Lupianhes, juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça, e coordenador do CNA.
Fonte: CNA e Ceja (Arte: Marcus Aurélio/G1)
Em Mato Grosso, o número de crianças/adolescentes que podem ser adotados representa só 12% do universo de abrigados. São 550 crianças que estão em alguma das 52 instituições distribuídas por municípios como Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, além de outros. A juíza Helena Maria Bezerra Ramos, da Corregedoria de Justiça de Mato Grosso, explica que uma criança só pode ser colocada para adoção quando a família perde o chamado "Pátrio Poder", quando é constatada a impossibilidade de criação do menor.
Na prática, conforme a magistrada, nem todas as crianças que chegam aos abrigos podem ser adotadas. "A Justiça procura uma família, uma tia, uma avó, por exemplo, para manter a criança próxima de seus laços de sangue. Só põe em adoção quando não há outro jeito", disse a juíza, ao G1.
Conforme a magistrada, o prazo máximo para que ocorra o processo de desapropriação familiar é de dois anos. Só posterior a este trâmite é que a criança é inclusa no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Mas a juíza é enfática ao afirmar ser necessário haver uma mudança de cultura dos pretendentes à adoção.
De longe, Ana observa colegas desfilando durante confraternização. (Foto: Leandro J. Nascimento/G1)
"A lista de pais interessados é maior porque os pretendentes querem exercer a maternidade, a paternidade desde o começo. Querem adotar uma criança para sentir este espírito, mas não estão pensando na criança. Uma mãe é mãe a vida inteira. Não precisa trocar fralda para ser mãe", considerou a juíza.
A secretária geral do Ceja, Elaine Zorgetti, explica que quem deseja adotar, mas tem preferência por recém-nascidos, vai precisar esperar. Isto porque atualmente estão disponíveis apenas crianças acima de sete anos. "Temos crianças abaixo de sete anos, mas que apresentam problemas de saúde", salientou.
Abrigos
O tempo máximo de permanência das crianças em abrigos do estado é de 12 anos. Após esta idade, meninas e meninos são encaminhados para instituições que atendem principalmente esta faixa etária. É o caso do Projeto Vida Nova, em Várzea Grande, da Casa da Retaguarda, para adolescentes do sexo feminino, e o Projeto Nossa Casa, para meninas, estas últimas em Cuiabá.
A psicóloga Aretuza Abaurad, do Ceja, destaca que os pais pretendentes a adoção são acompanhados e passam por avaliações periódicas. Da mesma forma, as crianças que estão aptas para adoção também recebem acompanhamento. Em muitos casos, quanto mais idade tem a criança, menor é a expectativa que ela cria em ser incorporada a uma família.
Ana Beatriz, hoje com 13 anos, vive desde os sete anos na Casa da Retaguarda, na capital. Tímida, a menina que sonha em ser modelo diz não sentir vontade de sair do local onde vive, mesmo que seja para ser adotada. "Não tenho vontade de ir embora do abrigo porque gosto demais de lá", destacou. A adolescente diz que a sensação de estar integrada a uma família foi suprida com a convivência no lar.
"A convivência é boa e considero todas [as outras meninas] como irmãs. A gente almoça e vai para a escola", salientou.
Projeto Padrinhos
Cláudia conheceu Juliendes por meio de projeto.
(Foto: Leandro J. Nascimento/G1)
Cláudia Miranda faz parte do contingente de mato-grossenses que decidiu adotar uma criança na chamada idade tardia (com mais de seis anos), quando o número de interessados diminui. Na época em que conheceu Juliendes, então com oito anos, Cláudia conta que foi amor ao primeiro contato.
"Eu vi o Juliendes em um outdoor que falava sobre adoção e me encantei. Ele estava há quase cinco anos em um abrigo. Quando fui conhecer o abracei, ele também e foi só choro e soluço. Ele já queria vir comigo para casa. Fui três vezes seguidas no lar prestar o chamado convívio, e no dia 24 de dezembro me ligaram que poderia passar o fim de ano com ele", contou.
Hoje com 11 anos, Juliendes vive uma rotina como de qualquer outra criança, baseada em estudo, diversão e momentos com a família. "Ele é o único filho da família e mesmo sendo um processo demorado para a adoção [quase um ano], é uma bênção que Deus me deu", expressou a mãe. O período de espera da família coincidiu com o tempo médio no estado para crianças com esta referida faixa etária.
"Quando eu faço alguma coisa, a mãe fala o que é certo e o que é errado. Ainda não sei o que quero ser quando crescer, só quando crescer um pouco mais. Tenho que aprender muita coisa", pontuou Juliendes.
O Projeto Padrinhos, do qual Cláudia participou, tem oferecido uma nova chance a centenas de adolescentes em situação remota de adoção. "Pelo projeto, o padrinho afetivo aprende a lidar com a criança que está em condição remota. O objetivo é esse, tirar as dúvidas sobre as crianças e há casos em que as famílias se apegam e resolvem adotar", acrescentou a juíza Helena Maria.
No projeto, colaboradores podem atuar em três níveis. O primeiro é o chamado "prestador de serviços", quando interessados podem contribuir com auxílio financeiro e doando um pouco do tempo para a criança e/ou lar. No "provedor de serviços", o colaborador pode oferecer às crianças cursos, subsidiar os abrigados com o suporte necessário. Nestas duas modalidades o colaborador não pode levar a criança para casa.
Já o "padrinho afetivo" é avaliado e, ao ser autorizado, passa a conviver com a criança nos finais de semana, ampliando a convivência com meninos e meninas. Neste último caso é comum a criação de vínculos até mesmo o interesse pela adoção das crianças em idade remota.
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