Site faz sucesso publicando segredos de anônimos
A estranhos, prega o americano Frank Warren, criador do PostSecret, projeto alimentado por confissões, correio e um site que é sucesso.
Como são sucesso, também, as palestras, o aplicativo para celular e os livros do empresário. O mais recente, "Confessions on Life, Death, and God" (confissões sobre a vida, a morte e Deus, sem edição aqui), ficou no topo da lista de mais vendidos do "New York Times".
A ideia é simples: anônimos enviam segredos a um endereço e esperam vê-los publicados no site. É como um confessionário. Só que em vez de padre há milhares de curiosos e "voyeurs" navegando ali atrás de intimidades alheias.
Os relatos chegam à caixa postal em forma de cartões artesanais. Uns usam colagens sobre fotos, outros, recortes de revista. Ora parecem trabalhos escolares, ora obras de arte. Para Warren, são "haicais gráficos".
Os segredos vão dos pueris, como o do funcionário que se imagina atirando pássaros raivosos do jogo "Angry Birds" na careca do chefe, aos crimes, caso de alguém confessando que estava enviando torpedos quando causou um acidente.
Warren diz receber 500 cartões por semana, a maior parte dos EUA, mas também "de qualquer lugar que tenha falantes de inglês com segredos para contar".
O carioca Fellipe Gilard, 23, analista de marketing, já teve um segredo publicado no PostSecret: "Meu cartão demorou cinco meses para ir ao ar, mas foi legal ver algo meu ali no meio. É como um grupo de apoio à distância: cada um diz como se sente, ninguém julga ninguém. Meu segredo era sobre relacionamentos. É bom saber que você não é o único a se dar mal".
MENOS ESQUISITO
A ideia prospera por aqui. O site PostSecret Brasil traduz os segredos editados por Warren toda semana. Já o site Segredo Total, sem o glamour dos cartões, compartilha depoimentos anônimos, geralmente sobre sexo.
Revelar segredos liberta e salva vida, acha Warren: "Contando coisas a gente se aproxima das pessoas e se sente menos esquisito".
Para ele, a sociedade vende perfeição e o individualismo afasta as pessoas. "A combinação dessas tendências gera a ilusão de que todos se encaixam nos modelos, só você é essa criatura estranha."
A terapeuta familiar Vivien Bonafer Ponzoni concorda: "As pessoas guardam coisas muito dolorosas ou que dão vergonha. Só o fato compartilhar já diminui o peso do segredo. Ver que outros viveram a mesma coisa torna a experiência mais natural", afirma.
Com sua caixa postal aberta às vergonhas do mundo, Warren pensa ter achado o meio-termo entre respeito à privacidade e vontade de exibir problemas.
Mas será que as confidências trocadas no PostSecret são assim tão secretas? "Alguns usam fotos tiradas por eles mesmos. Aí não é tão difícil para alguém próximo reconhecer o lugar ou o fotografado, mas assumir esse risco foi uma escolha deles."
Nem todos acham que o anonimato gera terreno livre para entregar tudo. "Ter segredos e não contar para ninguém é saudável", diz Roberto Romano, professor de ética e filosofia da Unicamp.
Para ele, o equilíbrio entre o direito ao segredo e a necessidade de comunicação é o que torna a vida social possível: "Escondendo tudo não há diálogo, não há universo compartilhado. Mas se tudo é compartilhado, não há sujeito, só uma massa coletiva".
CASA DE VIDRO
Em "A Insustentável Leveza do Ser" (Cia. das Letras), o tcheco Milan Kundera trabalha esse difícil equilíbrio a partir de dois amantes com ideias opostas sobre o que seria "viver na verdade".
Para a personagem Sabina, só existe verdade na privacidade, quando não se é observado. "Ter um público, pensar num público, é viver na mentira. (...) Quem perde sua intimidade, perde tudo (...) e quem renuncia voluntariamente a ela é um monstro", diz Sabina. Ela não foi apresentada às redes sociais, esse reduto de "monstros".
Já seu amante acha que viver na verdade é abolir a barreira entre público e privado. É morar numa casa de vidro onde todos sabem de tudo.
Construir uma com paredes meio finas e algumas gavetas trancadas é o desafio.
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