Estudo traça paralelo entre música e avanço da surdez de Beethoven
O artigo "A surdez de Beethoven e seus três estilos" foi publicado na terça-feira na revista "British Medical Journal" por Edoardo Saccenti e Age Smilde, do Instituto Swammerdam para Ciências da Vida, da Universidade de Amsterdã, e Wim Saris, da Universidade de Maastricht.
"Este exercício-piloto indicou a existência de uma relação entre a progressão da surdez de Beethoven e o uso de notas agudas em sua música", escrevem os autores.
A audição de notas agudas costuma ser afetada primeiro nos casos de surdez progressiva. "Isso é muito comum, basta pensar em pessoas idosas que começam a ter dificuldade em ouvir outros falando. Isso acontece porque as consoantes, que fazem as palavras serem compreensíveis, soam na região de alta frequência", disse Saccenti à Folha.
"Os períodos de composição de Beethoven --os chamados três estilos-- correspondem aos estágios da progressão de sua surdez, embora a correlação não implique causalidade", escreveram os autores na revista médica.
GRAVES E AGUDOS
O primeiro período vai até cerca de 1802 e mostra influência de predecessores como Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), a quem ele admirava, e Joseph Haydn (1732-1809), que foi seu professor.
Nessa fase, ele compôs suas duas primeiras sinfonias e os quartetos de corda conhecidos como Opus 18.
A fase intermediária ou "heroica", por conta dos seus esforços em lutar com a surdez, inclui seis sinfonias (3ª a 8ª), uma delas conhecida como "Eroica", dedicada a Napoleão Bonaparte, além de mais quartetos.
O período final começa em 1815, já com a surdez avançada, e contém obras mais maduras e complexas; além de inovações formais, houve o desrespeito a regras consagradas. Por exemplo, ele inseriu um coral na Sinfonia nº 9 pela primeira vez na história da música, uma exaltação da poesia e da música.
Saccenti e colegas analisaram partituras de quatro grupos de quartetos de corda, considerados exemplos perfeitos das diferenças de estilo de composição das três fases, e checaram a frequência de notas agudas (acima de 1.568 Herz) no primeiro violino do primeiro movimento.
A porcentagem dessas notas decresceu no período entre 1798 e 1801, mas voltou a crescer entre 1824-26, os anos da surdez praticamente total.
Com a progressão da surdez, ele passou a usar mais notas com frequências médias e baixas, que ele conseguiria ouvir melhor; mas, quando ficou muito surdo, parou de tentar escutar e passou a compor com seu "ouvido interno" cerebral --com isso, voltando a usar notas mais agudas.
A equipe pretende agora checar as sonatas de piano do compositor para verificar se o efeito descoberto nos quartetos é confirmado ou não.
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