Criada em 2006, a pós-graduação espanhola recebe estudantes do mundo inteiro. Entre os alunos, a maioria é do Brasil: dos 106 inscritos nos seis anos de curso, foram 23 brasileiros, seguido de 22 mexicanos e 18 colombianos. A diferença da problemática entre a América Latina e Europa se reflete nas matrículas: dentre os europeus, apenas sete espanhóis e um italiano se inscreveram.
Apesar de a piada surgir em conversas sobre o mestrado, ao contrário do que a malandragem possa sugerir, o curso não forma corruptos, mas profissionais como juízes, promotores e advogados que possam atuar no combate à corrupção nos campos acadêmico, político e da administração pública. Nas palavras do diretor da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais na Universidade Estadual Paulista (Unesp), Fernando Andrade Fernandes, o objetivo do curso é "desenvolver a competência dos profissionais a respeito do assunto".
Fernandes é um dos professores latino-americanos que integra o quadro de docentes do mestrado. Em 2012, ele lecionou uma disciplina de direito penal econômico e teve como aluno o brasileiro Eduardo Alonso Olmos, advogado da União, que esteve em Salamanca de setembro de 2011 até junho deste ano. Encerradas as aulas e as provas, Olmos regressou ao Brasil e aqui vai escrever sua dissertação, para apresentá-la na Espanha no próximo ano. A impressão positiva que ficou do curso é evidenciada por seus comentários sobre os temas abordados em sala de aula. A interdisciplinaridade é um dos pontos destacados pelo advogado: "Há um enfoque especial na parte penal, mas também se estuda economia, ciência política, direito administrativo e constitucional. O curso dá uma visão geral da corrupção".
Casos fora da Espanha são apresentados pelos alunos
Segundo Olmos, o mestrado foca na expansão do fenômeno pelo mundo. "Tem várias matérias em que a gente fala de corrupção na América Latina, mas a gente estuda a corrupção mundial". O Brasil não recebe uma abordagem específica, mas é lembrado durante as aulas. Os estudos dos países não espanhóis são feitos por meio das contribuições dos próprios alunos e professores. Na disciplina de Política e Corrupção, por exemplo, o advogado da União devia levar para a classe um exemplo de sua terra natal. "Eu apresentei o caso do Collor", conta. Em outra aula, os alunos viram as convenções internacionais, como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, conhecida como Convenção de Mérida, a qual o Brasil ratificou. "A gente analisa se o nosso país está cumprindo com o que é proposto pelo tratado", explica.
A troca de informações sobre as diferentes conjunturas políticas da América Latina e da Europa mostra aos alunos soluções para suas realidades. "É interessante que os países têm pontos em comum. Alguns têm ferramentas de combate que a gente pode trazer para cá", diz o advogado. Olmos cita a cooperação nacional e internacional, na qual os europeus já estão bem avançados, como uma das formas de proporcionar uma mudança. "Lá existe a livre circulação de pessoas e bens entre os países, então eles têm pontos de contato muito fortes. Eles têm mecanismos mais rápidos de prender pessoas e recuperar bens, por exemplo", observa.
Olmos argumenta que as relações entre os países latino-americanos são muito burocráticas, o que impede o combate mais eficaz à corrupção. Outro exemplo aplicável à sociedade brasileira é a extinção de domínio, vigente nos Estados Unidos, Colômbia e México. Através dela, a pessoa que não conseguir comprovar a origem de um bem, que não esteja de acordo com a sua renda, pode perdê-lo para o Estado. A independência funcional de servidores e de órgãos que atuam pela mudança no quadro de corrupção no país e a capacitação desses servidores são alternativas que podem ser propostas pelos especialistas quando retornam aos seus países de origem.
Inscrições
A parceria entre a Advocacia Geral da União e a Universidade de Salamanca foi feita especialmente para o mestrado de Corrupção e Estado de Direito. Contudo, a diretora da Escola da AGU, Juliana Sahione Mayrink Neiva, afirma que ela pode ser ampliada para outras áreas. O projeto de aplicação de estudantes e docentes para o mestrado ainda não está definido.
A Universidade Estadual Paulista (Unesp) também mantém um convênio com a instituição espanhola, porém de forma geral, não especificamente para o mestrado. O professor Fernandes lembra que o aluno interessado em fazer o curso deve se habilitar ao processo seletivo junto à Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca. Apesar de não ser estabelecida uma formação necessária para se candidatar, é dada preferência aos alunos diplomados em áreas como Direito, Ciências Políticas, Administração e Economia.
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