Definindo-se como socialmente estragado e inválido, Raimundo afirma que estar em Goiânia não é uma preferência, nem uma escolha. “Estou aqui porque me trouxeram. Meu irmão tem seus afazeres e eu estou aqui dando trabalho. Isso que não gosto. Bom é cada um ser válido. Eu sou um inválido, não sirvo para nada nas condições que estou”, contesta.
Contudo, não é assim que entende o irmão que o buscou no estado paulista, Francisco Tomaz Arruda, 56 anos. “É uma alegria muito grande. Vamos estar juntos sempre, somando um ao outro. É um momento da vida extremamente feliz e que é ímpar”, afirma.
“Ele acha que está incomodando, mas fala isso porque é uma pessoa fina, recatada, que gosta de estar dentro do seu espaço. Ele acha que isso é trabalho, mas não é. Trabalho é fazer uma coisa que a gente não gosta”, declara Francisco.
Raimundo e o Irmão Francisco Arruda, em Goiânia
(Foto: Humberta Carvalho/G1)
Ele se diz aliviado por ter cumprido a promessa que fez à mãe antes de sua morte. “Antes de minha mãe falecer, ela pedia para achar o Raimundo. Eu prometi que um dia ia achá-lo e, quando isso acontecesse, iria cuidar dele. São, ao todo, cinco irmãos. É um rebanho. Mas estava faltando um e a felicidade só seria completa quando achasse o último”, lembra o empresário Francisco.
A volta
Depois de encontrar o perfil do irmão, em setembro de 2011, Francisco foi a São Paulo por seis vezes antes de conseguir levá-lo para Goiânia. Assim que o achou, o colocou em um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) até que tivesse condições de recebê-lo em sua casa, na capital goiana. No início, Raimundo precisou tomar vitaminas, pois estava muito magro.
Segundo o empresário, no início, Raimundo ofereceu resistência para ir morar com a família em Goiânia, mas acabou cedendo. “Ele não sabia como estavam as coisas e por que estávamos fazendo aquilo. Uma pessoa que passou todo esse tempo na rua cria uma nova forma de ver o mundo”, explica.
No dia de seu aniversário, 1º de agosto, amigos compraram um bolo para comemorar a data. “Eu não sei se foi meu aniversário, eles dizem que foi”, desconfia o ex-morador de rua.
Visual
Uma das maiores mudanças foi no visual. “Ele tinha o cabelo grande que servia como uma espécie de travesseiro. Uma barba longa para proteger o rosto e usava um plástico como roupa. Não usava roupa normal porque diz que tecido cria fungos e bactérias e isso ia deixá-lo ele com mau cheiro”, conta Francisco.
Na terça-feira (31), um dia antes de comemorar 74 anos, Raimundo cortou o cabelo e fez a barba. Elogiado sobre a nova aparência, ele rebate sem entusiasmo: “Isso não vale nada”.
O ex-morador de rua Raimundo Arruda antes e depois da mudança de visual (Foto: Reprodução/Facebook)
Agora, Raimundo mora com o irmão, a cunhada e dois sobrinhos no Setor Universitário, região leste de Goiânia. Está passando por uma bateria de exames, tem acompanhamento psicológico e deve fazer uma cirurgia nos olhos por causa da catarata que prejudica sua visão.
A expectativa de Francisco é dar ao irmão uma vida digna e “o que ele merece”. “A saúde dele, pelas situações que ele viveu e pela idade que tem, está boa. Dentro de um panorama geral, poderia ser muito pior. Ele é um guerreiro”, declara o empresário.
Questionado se está ou não feliz, Raimundo filosofa: “Não há felicidade nem infelicidade. Todo mundo é feliz e infeliz”.
Reencontro
Raimundo Arruda foi morador de rua de São Paulo por mais de 30 anos, dos quais passou 19 morando no mesmo lugar, Avenida Pedroso de Moraes, zona oeste de São Paulo. A família que vive em Goiânia encontrou por acaso na internet sua página na rede social. O perfil de Raimundo no Facebook (acesse aqui) foi criado por Shalla Monteiro, moradora da região onde ele vivia, de quem se tornou amigo.
Raimundo não entrava em contato com a família desde a metade da década de 1980. Ele saiu de casa para estudar em São Paulo no início dos anos 1960.
Sem informações precisas sobre sua localização, a família de Raimundo sempre buscou notícias sobre ele na internet. Em setembro de 2011, Josangela Roberta, mulher do irmão de Raimundo, buscou na internet o nome do cunhado para mostrar uma foto dele para a filha. Ao fazer a pesquisa na web, elas localizaram o perfil no Facebook, que havia sido criado por Shalla há menos de dois meses.
História
Antes de ir para São Paulo, na década de 1960, Raimundo morou na casa de amigos de seus pais em Carolina (MA). Ele sempre quis estudar, e a cidade onde nasceu, Piacá (TO), era muito rural e sem estrutura. Depois de alguns anos, ele resolveu ir para a capital paulista dar continuidade aos estudos no ensino médio.
Segundo Francisco, Raimundo foi morar na casa de amigos da família. Depois de alguns anos, esse casal mudou de cidade e Raimundo ficou sozinho. A foi a partir daí, ele deixou de mandar notícias.
Raimundo comemora o 1º aniversário depois de 30 anos longe da família (Foto: Reprodução/Facebook)
Em São Paulo, Raimundo foi vendedor de livros e jardineiro. Uma de suas paixões sempre foi escrever poemas, mas, de acordo com ele, o interesse na prática hoje em dia já não é o mesmo. “Gostava muito de ler, mas não quero ler mais. Escrevi um diário e quis publicar. Queria vender o material nem que fosse a preço de salário mínimo, mas ninguém quis”, lamenta.
Na década de 1980, Raimundo participou de um programa de TV e foi reconhecido por um amigo da família, que pagou uma passagem de avião para que Raimundo fosse até Goiânia, onde Francisco viu o irmão pela primeira vez. De acordo com o irmão, ele ficou na cidade quase 20 dias, mas não gostou e pediu para voltar para São Paulo.
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