A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), anunciada nesta sexta-feira pelo presidente Carlos Ayres Britto, de votar a ação penal do chamado mensalão de maneira fatiada, por itens, é inédita na Corte, segundo juristas ouvidos pela Reuters, que atribuem a novidade ao caráter singular do processo.
A forma como os ministros apresentarão seus votos foi tema de embates na sessão de quinta-feira. O ministro relator, Joaquim Barbosa, anunciou que dividiria seu voto em oito partes e que gostaria que os demais ministros seguissem a mesma segmentação.
O método provocou forte resistência do ministro revisor da ação, Ricardo Lewandowski, que desejava apresentar na íntegra os votos sobre cada réu. Na noite de quinta, entretanto, ele já havia anunciado que era voto "vencido".
"Existe precedente de um processo com esse número de réus? Não existe. De modo que também não há precedente (deste modelo de votação)", disse o ex-ministro do Supremo Paulo Brossard. "A dificuldade é essa. São mais de 30 réus, e são desiguais. Os fatos, as acusações, os delitos apontados."
Na discussão de quinta-feira, Lewandowski chegou a argumentar que a metodologia de voto proposta por Barbosa seria "anti-regimental". Brossard, no entanto, acredita que ela seja, na verdade, "extra-regimental", justamente por conta da peculiaridade da ação penal.
Embora a maioria dos especialistas consultados afirmem que não existiria espaço para recurso por conta do formato do voto, a professora de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo Monica Hermann Caggiano, avalia de outra maneira. "Esta partilha pode produzir e oferecer decisões parciais e é uma coisa nunca vista, absolutamente fora da normação clássica", disse.
Segundo ela, a decisão pela metodologia de voto teve "um caráter extremamente político". "Os julgamentos políticos sempre causam uma certa apreensão quanto à segurança jurídica e certamente abrirá espaço para recursos e embargos", afirma ela.
Última instância
Uma possibilidade de recurso, segundo os juristas, existe caso qualquer um dos 37 réus da ação penal sejam condenados, mas tenham ao menos quatro dos 11 votos pela sua absolvição. Neste caso, o defensor pode recorrer ao próprio STF, mas o advogado constitucionalista Ives Gandra Martins afirma que, geralmente, esses recursos encontram pouco eco na Corte. "Tradicionalmente, o que ocorre é o Supremo confirmar a decisão anterior", disse.
Brossard vai além e diz que as condições exigidas para que seja pedido esse recurso não são comuns. "Não me recordo de ter participado de um caso desses", disse. "Não é comum ocorrer uma situação que enseje esse pedido de recurso."
O doutor em Direito Penal Luiz Flávio Gomes é da corrente que não acredita que haja muito espaço para que recursos tenham sucesso no STF, mas prevê grandes chances de o caso chegar à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A preocupação foi discutida em plenário pelo ministro Celso de Mello, decano do STF, nos últimos dias. O motivo é a participação de Joaquim Barbosa na votação, já que ele presidiu a fase de investigação do processo. Para a Corte Interamericana, o investigador dos fatos não pode atuar como juiz do processo. Mas Gomes reconhece que a medida surtiria pouco efeito. "O STF historicamente ignora a jurisprudência da Corte Interamericana", diz Gomes.
Brossard, que foi ministro do Supremo de 1989 a 1994, é mais enfático. "Para corte internacional não há recurso. Para decisão do Supremo Tribunal não há recurso para nenhum outro", garante.
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.
Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.
Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.
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