As descobertas representam o que a revista "Nature" classificou de "guia para o genoma humano". As pesquisas cobrem desde o mais genérico -- como o que é um gene -- até questões aplicáveis na medicina. Além da "Nature", outras revistas conceituadas, como "Science" e "Cell" publicaram os resultados.
Os estudos vêm de um projeto de US$ 196 milhões chamado Enciclopédia dos Elementos do DNA (Encode), cujo objetivo é dar sentido às informações fornecidas pelo projeto do genoma humano. A sequência engloba 3,2 bilhões de "bases químicas" ou "letras" que determinam diversas características de cada um de nós.
“Isso é uma ferramenta muito importante para a gente entender o funcionamento de cada tecido do corpo humano”, comentou Lygia da Veiga Pereira, chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (Lance) da Universidade de São Paulo (USP).
Genes "ligados"
A pesquisadora explicou que todas as células humanas possuem os mesmos genes, e que a forma como eles trabalham explica a diferença entre os tipos de célula. Em cada uma delas, há um conjunto de genes que funcionam, e outro grupo que fica desligado.
“Funcionar” ou “estar ligado” significa que aquele gene é capaz de produzir uma proteína. Na prática, é a proteína que executa a função pela qual um gene é responsável. Ou seja, se essa proteína não for produzida, o gene não terá nenhuma ação.
No entanto, apenas cerca de 1% do genoma leva à proteção de proteínas, e o próximo desafio é descobrir a função dos outros 99%, que durante anos foram chamados de "DNA lixo", por não codificar para proteínas.
Os resultados publicados nesta quarta já antecipam que pelo menos 80% dos nossos genes não são lixo, mas têm uma função importante nas células. Essa maior parte do genoma funciona como um enorme painel de controle, que dá os comandos que ligam e desligam os demais genes devem atuar.
"Nós compreendemos apenas uma pequena porcentagem das letras do genoma", reconheceu Eric Green, diretor do Instituto Nacional de Pesquisa sobre o Genoma Humano dos EUA, que pagou pela maior parte do estudo.
Aplicação médica
Um dos 30 estudos publicados mostra que apenas 20 mudanças genéticas podem estar por trás de 17 tipos de câncer aparentemente não relacionados. A definição desses genes como alvos pode servir à indústria farmacêutica na produção de medicamentos.
Em outro, os dados do Encode permitiram identificar as variações genéticas associadas à doença de Crohn – uma doença inflamatória que atinge o intestino. Cientistas haviam levado décadas para descobrir quais células imunológicas tinham relação com a doença, e a atual pesquisa determinou as variações genéticas – ocorridas nessas células – levam à doença.
Para Lygia da Veiga Pereira, da USP, a divulgação das pesquisas nesta quarta-feira (5) é um avanço importante, mas seu impacto imediato na medicina ainda é limitado.
“É um marco porque agora eles chegaram à conclusão de que têm um corpo de dados suficiente para aprender alguma coisa”, avaliou Pereira. “É o tipo de projeto que você passa anos só colhendo dados”, justificou.
As descobertas publicadas hoje pelos especialistas do Encode estão disponíveis para pesquisadores e o público em geral.
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