Dez anos após sua morte, Celso Daniel volta à disputa eleitoral em Santo André, no ABC Paulista, em santinhos, jingles e até em nome de coligação. "Viva Celso Daniel" nomeia a aliança em torno da candidatura de Nilson Bonome (PMDB). Um santinho da campanha circula na cidade com a imagem do prefeito petista como uma marca d"água acima das fotos de Bonome e de seu vice Rafael Daniel (PMN), sobrinho do prefeito morto em 2002 sob circunstâncias ainda hoje não esclarecidas.
Na agenda de campanha do PMDB, Celso Daniel é lembrado toda vez que Rafael é apresentado ao eleitorado. "A população de Santo André tem um carinho muito grande pelo Celso. Quando apresentamos o Rafael, o tom do encontro muda, é um carinho maior. As pessoas transferem isso para o Rafael de uma maneira espontânea", explica Nilson Bonome. Ele, porém, nega que a escolha do vice tenha sido por conta do parentesco. "Já trabalhamos juntos na prefeitura e nos damos muito bem", garantiu.
Rafael Daniel acredita estar credenciado para usar o nome e a imagem de Celso na campanha. "A questão não é utilizar a imagem do Celso. Eu sou da família, tenho o nome, está no sangue. Afastaram o Daniel da política com um assassinato brutal, mas tem o outro Daniel com mesmo sangue e com a mesma vontade... se tirar esse Daniel, vai ter outro Daniel", diz. Já Bonome fala até em "marca". "Usamos a marca do Celso Daniel porque ele projetava Santo André para 25 anos", diz.
O "herdeiro" ainda evoca continuidade. O plano de governo apresentado pelos candidatos tem a assinatura de Celso Daniel. Ou pelo menos de 40% das ideias. Graças a herança que a família passou a Rafael. "Quando houve o assassinato, minha família respeitou essa minha proximidade e 70% de anotações, projetos e planos ficaram comigo. Sempre sonhei em dar continuidade. Nunca desisti do sonho do Celso, da defesa pelo social", conta. Recentemente, o plano de governo que Celso escreveu em 2006 foi copiado por um candidato do PSD em Cáceres, no Mato Grosso.
Um novo Daniel
Rafael Daniel estreou em eleições em 2008, quando tentou a vaga de vereador pelo PMDB. Chegou a colaborar na prefeitura de Santo André na gestão do atual do prefeito Aidan Ravin (PTB), que tenta a reeleição. Além de candidato a vice, é presidente do PMN na cidade. Ao PT, partido onde o tio se tornou conhecido e que já convidou Rafael para sair como candidato à Câmara municipal, reserva criticas: "O PT se tornou fisiológico, a ideologia praticamente se perdeu no assassinato do Celso", explica. Na época da morte, o PT era um recém-chegado à presidência da República, mas viu seu legado entrar na berlinda anos depois com o Mensalão e até na própria investigação do assassinato de Celso. "Ele deu o sangue pelo partido", sentencia.
Rafael garante que os laços com o tio são mais forte do que qualquer vínculo partidário. "Meus pais trabalhavam e eu passava o dia inteiro com meu tio e a mulher dele na época, a Miriam (Belchior, hoje ministra do governo Dilma). Acompanhei todo o início do PT, as primeiras discussões, até mesmo com o Lula. Tivemos essa conveniência política, desde meus cinco anos de idade", conta. Hoje, ele diz que conversa com Miriam pelo menos uma vez por ano - mas não falam sobre política.
Uma família dividida entre três candidaturas
A ministra Miriam Belchior, que já foi casada com Celso Daniel, esteve em Santo André no lançamento do plano de governo de Carlos Grana, candidato do PT. Na ocasião, a ministra lembrou do ex-marido. "Fizemos um programa de governo no nível em que a gente fazia na época do Celso Daniel", disse. Embora seja do PT, Grana cita Daniel em apenas alguns eventos e discursos. O Terra entrou em contato com o candidato, mas ele não retornou às ligações. A assessoria da campanha, porém, avisa que Grana é o candidato do "partido do Celso". Em outra ponta, sem fazer alarde - e nem citar o nome do irmão -, Bruno Daniel também participa da disputa. Após o assassinato, ele se exilou com a família na França por entender que corriam riscos. Em 2011, voltou ao Brasil e se filiou ao Psol. Irmão mais novo de Celso, Bruno coordenou a criação do plano de governo de Marcelo Reina, candidato socialista em Santo André, e afirma que estaria mais presente na campanha se não fosse o ritmo das aulas de economia que leciona.
Bruno Daniel afirma que desconhece os projetos do prefeito que o sobrinho afirma ter e o santinho peemedebista. "Eu não tinha conhecimento disso. É muito estranho o partido em que eles estão fazer isso. O que a história do Celso tem a ver com esse partido? Não há nenhuma relação", explica. Marcelo Reina, candidato do Psol, fala em oportunismo por parte de Nilson Bonome e Rafael Daniel. "O sobrinho dele não tem nada a ver com o Celso, o PMDB também não e o Bonome muito menos. O Bruno sim já atuava com o Celso, eles até divergiam em certos assuntos na política", conta.
Bruno ainda critica o uso das ideias do irmão em planos de governo. "Como é que você mede as ideias do Celso quando na verdade ele discutia isso partidariamente? O programa do partido é uma obra coletiva", afirma. Para ele, ninguém pode usar a imagem ou os planos de Celso. Nem o PT. "Infelizmente ele não está mais entre nós. Obviamente você pode citar alguma coisa, porque Celso tem coisas realizadas e elas podem ser utilizadas. Agora se você quer replicar ideias que foram feitas há tempos, personalizar isso de novo é indevido", adverte.
A relação entre Bruno e o sobrinho é apenas familiar. Rafael Daniel, porém, minimiza qualquer rusga. "Ele está para voltar para França. O Bruno é amigo do Ricardo Alvarez, presidente do Psol em Santo André. Eles pediram para o Bruno dar uma olhada no plano, mas é só isso. Educadamente, ele analisou. Não nos vimos com frequência, mas respeito ele demais. Meus tios são exemplos de caráter pra mim", diz.
O candidato do PT, Carlos Grana, aguarda a vinda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para subir no seu palanque em Santo André. Lula era amigo de Celso e pode, inclusive, citar o prefeito em seu discurso. Além da imagem do Celso, Bonome também goza de um vídeo do vice-presidente Michel Temer, que pede votos ao correligionário. Rafael Daniel tem certeza que seu tio estivesse vivo seria presidente da República no lugar da Dilma. Ele aprovaria a campanha do sobrinho? "Eu dizia: "tio, eu tenho vontade seguir o caminho". Ele dizia: "no momento certo estaremos lá". Não tenho duvidas de que ele estaria comigo nessa trajetória. Só não consigo te dizer qual é a trajetória", disse.
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