O Prêmio Nobel de Medicina de 2012 foi oferecido nesta segunda-feira (8) pelo Instituto Karolinska, em Estocolmo, na Suécia, a dois pesquisadores de células-tronco, o britânico John B. Gurdon, de 79 anos, e o japonês Shinya Yamanaka, de 50.
Os cientistas descobriram, em trabalhos separados por 44 anos de distância, que células adultas podem ser "reprogramadas" para se tornar imaturas e pluripotentes, ou seja, capazes de se especializar em qualquer órgão ou tecido corporal – como nervos, músculos e pele.
Na natureza, todos os animais se desenvolvem a partir de óvulos fertilizados. Nos primeiros dias após a concepção, o embrião é formado por células imaturas, que acabam virando todo tipo de célula durante a formação e o amadurecimento do feto.
Até então, essa transformação era considerada unidirecional, sem possibilidade de volta. Mas os dois cientistas mudaram o destino delas, ao "atrasar o relógio" responsável pelo crescimento celular. Isso indica que, apesar de o genoma sofrer mudanças com o passar do tempo, essas alterações não são irreversíveis.
Cada vencedor levará 8 milhões de coroas, equivalentes a R$ 2,4 milhões.
Yamanaka recebe ligação do primeiro-ministro japonês, Toshihiko Noda, que parabenizou o cientista por telefone nesta segunda-feira (8), durante entrevista coletiva na Universidade de Kyoto (Foto: Kyodo News/AP)
Em entrevista por telefone a uma rádio sueca, Gurdon, cuja descoberta é de 1962, disse que está extremamente agradecido e surpreso pelo Nobel. O cientista também revelou ter ficado feliz pelo reconhecimento ao lado de Yamanaka, que segundo ele tem feito um "trabalho maravilhoso".
Já Yamanaka, em entrevista coletiva na Universidade de Kyoto, no oeste do Japão, onde é professor, afirmou que pretende continuar as pesquisas para contribuir realmente com a medicina e a sociedade, em aplicações clínicas de células-tronco.
"A única palavra que vem à mente é gratidão. Quero expressar minha sincera gratidão a todos os jovens pesquisadores, aos meus amigos e familiares que sempre me apoiaram", declarou o cientista, que em 2006 conseguiu gerar células-tronco pluripotentes induzidas (iPS), com recursos que, até então, os pesquisadores acreditavam que estavam disponíveis apenas em células-tronco embrionárias.
Enquanto falava aos jornalistas, Yamanaka recebeu uma ligação do primeiro-ministro japonês, Yoshihiko Noda, que o parabenizou pela conquista. O cientista, que dirige o Centro de Pesquisa e Aplicação de células iPS na universidade, também contou a novidade à mãe, de 80 anos.
Britânico John B. Gurdon fez descoberta em 1962 ao estudar células de sapos (Foto: The Nobel Prize/AFP)
As pesquisas
Os resultados dos estudos de Gurdon e Yamanaka revolucionaram o entendimento sobre como as células e os organismos se desenvolvem e segmentam. Isso tornou possíveis pesquisas mais aprofundadas sobre doenças e novos métodos de diagnóstico e tratamento. Além disso, livros didáticos foram reescritos e surgiram novas áreas de investigação científica.
Os dois trabalhos também trouxeram grandes avanços à área de medicina regenerativa, ao estabelecer as bases para a reprogramação de células adultas em células-tronco.
Até então, os cientistas acreditavam que esse caminho não poderia ser revertido, ou seja, transformar uma célula madura em imatura. Com a descoberta, células-tronco agora podem ser cultivadas em grande quantidade em laboratório.
O assunto, porém, tem sido motivo de amplas discussões sobre segurança e ética. Segundo o Comitê do Nobel, durante a apresentação nesta segunda, é a sociedade que precisa discutir se isso deve ou não ser aplicado em pessoas doentes.
Em 2007, outro trabalho envolvendo células-tronco, para manipulação genética em animais, foi premiado com um Nobel de Medicina.
Imagem de neurônios derivados de células-tronco pluripotentes é divulgada pela Universidade de Kyoto, onde Yamanaka trabalha (Foto: Center for iPS Cell Research and Application/Kyoto University/Reuters)
Os premiados
Gurdon, que nasceu na pequena cidade de Dippenhall, no sul da inglaterra, é professor na Universidade de Cambridge e coordena o Instituto Gurdon. Em 1962, o PhD fez seu estudo com sapos, ao substituir o núcleo de uma célula imatura no óvulo de fêmeas pelo núcleo de uma célula madura do intestino de um girino.
Esse óvulo modificado acabou se desenvolvendo em um girino normal, apesar de o DNA da célula madura conter toda a informação necessária para desenvolver cada uma das células do indivíduo.
A descoberta de Gurdon foi recebida inicialmente com desconfiança pela comunidade científica, mas foi aceita após ser confirmada por outros pesquisadores, que conduziram experimentos com clonagem de vacas, porcos e a famosa ovelha Dolly.
Mais de 40 anos depois, Yamanaka – que, além de dar aulas na Universidade de Kyoto, é ligado ao Instituto Gladstone, em São Francisco, nos EUA – coordenou pesquisas com roedores.
O japonês, que nasceu em Osaka e havia sido treinado como cirurgião ortopédico antes de se dedicar à ciência, percebeu que quatro genes, quando ativados, podem induzir essa capacidade de pluripotência nas células, capazes de virar qualquer célula do corpo.
As células-tronco foram isoladas inicialmente pelo ganhador do Nobel de 2007 Martin Evans, e Yamanaka tentou encontrar os genes que as mantinham imaturas. Quando quatro genes foram identificados, o pesquisador testou se qualquer um deles poderia ser reprogramado para tornar as células pluripotentes.
Esses genes foram, então, introduzidos em células maduras do tecido conjuntivo, chamadas fibroblastos e localizadas na segunda camada da pele – a derme. Dessa forma, células adultas voltaram a ser imaturas, com a possibilidade de gerar neurônios a células intestinais.
Células-tronco acima foram desenvolvidas no Japão a partir de fibroblastos, células adultas da segunda camada da pele, a derme (Foto: Center for iPS Cell Research and Application/Kyoto University/Reuters)
Nobel de Medicina
O Nobel de Medicina é oferecido desde 1901 e já reconheceu o trabalho de 199 pessoas – 189 homens e 10 mulheres. Ao todo, 78 pesquisadores eram britânicos e 16, japoneses. A média de idade dos cientistas na data do anúncio era de 57 anos, e não há premiações póstumas – embora, no ano passado, um dos cientistas agraciados tenha morrido três dias antes da divulgação.
O pesquisador mais novo a receber esse Nobel foi Frederick G. Banting, que tinha 32 anos em 1923, pela descoberta da insulina.
Por nove vezes, o prêmio – que ganhou esse nome em homenagem ao inventor da dinamite, Alfred Nobel – não foi anunciado: em 1915, 1916, 1917, 1918, 1921, 1925, 1940, 1941 e 1942.
Medicina é sempre a primeira área valorizada com o Nobel a cada ano. Nesta terça-feira (9), será anunciado o Nobel de Física, na quarta (10) o de Química, na quinta (11) o da Paz, e na sexta (12) o de Economia. O de Literatura ainda não tem data definida.
Os vencedores são geralmente informados pelo júri no dia do anúncio oficial e não há uma lista de concorrentes disponível previamente, o que torna a divulgação sempre uma surpresa, embora haja favoritos.
Veja os últimos dez ganhadores do Nobel de Medicina
2012: Shinya Yamanaka (Japão) e John B. Gurdon (Grã-Bretanha), por trabalhos com células-tronco
2011: Bruce Beutler (EUA), Jules Hoffmann (França) e Ralph Steinman (Canadá), por descobertas sobre o sistema de defesa do corpo humano
2010: Robert Edwards (Grã-Bretanha), pelo desenvolvimento da fertilização in vitro
2009: Elizabeth Blackburn (Austrália-EUA), Carol Greider e Jack Szostak (EUA), pela descoberta de uma enzima que protege as extremidades dos cromossomos
2008: Harald zur Hausen (Alemanha), pela descoberta do vírus do papiloma humano (HPV), causador do câncer de colo do útero; Françoise Barré-Sinoussi e Luc Montagnier (França), por descobertas sobre o vírus da imunodeficiência humana (HIV), que causa a Aids
2007: Mario Capecchi (EUA), Oliver Smithies (EUA) e Martin Evans (Grã-Bretanha), por trabalhos com células-tronco e manipulação genética em modelos animais
2006: Andrew Z. Fire (EUA) e Craig C. Mello (EUA), pela descoberta da ribointerferência, um mecanismo exercido por moléculas de RNA
2005: Barry J. Marshall (Austrália) e J. Robin Warren (Austrália), pela dascoberta da bactéria Helicobacter pylori e seu papel na gastrite e úlcera estomacal
2004: Richard Axel (EUA) e Linda B. Buck (EUA), por descobrir os receptores de cheiro e a organização do sistema olfativo
2003: Paul C. Lauterbur (EUA) e Peter Mansfield (Grã-Bretanha), pela invenção da ressonância magnética nuclear
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