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Falta de prevenção e preconceito ainda são obstáculos para vencer a doença
Só este ano, 232 pessoas descobriram ser soropositivas em Cuiabá
Pelo menos uma pessoa descobre ser soropositiva por dia em Cuiabá. O índice de 1,5 pacientes novos por dia é considerado alto pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e pelo Ministério da Saúde (MS).
Neste domingo (1º), Dia Mundial de Luta Contra HIV/Aids, o país reforça o alerta para a importância da prevenção e do diagnóstico precoce da doença, além de lembrar à população de que todo o tratamento é gratuito e garantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A falta do uso de preservativos, além do uso de seringas compartilhadas, continuam fazendo vítimas no Estado – e principalmente na Capital, onde o número de pacientes de 1998, quando o Serviço de Aprendizado Especializado (SAE) foi implantado, até hoje (2.110) a coloca na primeira posição no ranking de Mato Grosso.
De janeiro a outubro deste ano, por exemplo, 232 pessoas descobriram estar convivendo com o vírus do HIV em Cuiabá.
Dentre essas, 68 estão com Aids, que é quando o sistema imunológico (responsável pela defesa do organismo) do paciente está baixo e ele passa a manifestar as doenças oportunistas – tais quais tuberculose e depressão do sistema imunológico (queda de cabelo e peso), herpes e sarna.
"Hoje a Aids é classificada como Doença Crônica Manejável, ou seja, tem um manejo muito próximo da diabetes e da hipertensão. Saiu da classificação de Doença Fatal há dois anos" Os dados são SAE, da Secretaria Municipal de Saúde, referência no tratamento e acompanhamento dos pacientes soropositivos em Cuiabá. No caso dos demais pacientes do Estado, a unidade responsável é o Centro Estadual de Referência em Média e Alta Complexidade (Cermac).
A sede do serviço municipal, localizada no bairro Grande Terceiro, conta com uma equipe multiprofissional formada por 48 profissionais – entre médicos infectologistas, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, dentistas, nutricionistas e farmacêuticos.
Sob a coordenação de Cleciane Maximiano Tabile, o SAE, bem como as demais unidades de saúde do município, oferece o teste rápido para quem quiser saber se está portando o vírus do HIV.
O teste é simples – semelhante ao de glicose (quando o dedo do paciente recebe um furinho e uma gota de sangue é coletada) – e resultado sai em até 20 minutos. Além de HIV, o teste também identifica se a pessoa tem Hepatite e Sífilis (doenças sexualmente transmissíveis).
Esse ano, 470 testes foram realizados apenas na sede do SAE, dos quais 47 deram positivo para o HIV.
“Deu positivo, já é nosso paciente. Quando a pessoa é soropositiva, nós não notificamos o Ministério da Saúde, porque eles não tomam remédio e precisam vir aqui apenas para fazer o controle. Notificamos apenas quando ela já está com Aids”, explicou Cleciane.
Há um ano à frente do SAE, ela afirma que a procura pelo teste rápido triplicou nos últimos anos, o que ela credita ao aumento da oferta do Município, que passou a fazer mais palestras e campanhas para tentar sensibilizar a sociedade.
"Existe preconceito, sim, inclusive da própria família e da profissão que o paciente exerce. Temos vários pacientes que não para o parcerio" “O número de pacientes quase dobrou do ano passado para este ano, principalmente por causa do teste rápido” disse.
O número de mortes também diminuiu. De 1998 até hoje, 146 pacientes do SAE morreram pela doença. Este ano, apenas uma morte foi contabilizada.
Segundo ela, a maioria dos pacientes são jovens, com idade entre 16 a 30 anos. O paciente mais velho é um senhor de 79 anos. Já a mais nova, é uma criança de seis anos. Mas essa última paciente trata-se de um caso isolado.
“Tem criança de 10 a 12 anos que já está com a vida sexual ativa. Mas as mais novas que isso são aquelas que nasceram de uma mãe soropositiva, que não fez o acompanhamento necessário durante a gravidez, conhecida como transmissão vertical”, afirmou, ressaltando que, com acompanhamento, é possível evitar a transmissão do vírus da mãe para o filho.
Atualmente, o SAE trata de 10 crianças soropositivas que pegaram a doença por meio da transmissão vertical e acompanha a gravidez de 22 mães soropositivas.
Além disso, 53 crianças com idade inferior a dois anos, nascidas de mães soropositivas, estão em acompanhamento. Elas são consideradas casos sob investigação e, assim que completarem dois anos de idade, passarão pelo teste para saber se conseguiram evitar o vírus.
“Mas é 100% evitável a transmissão de mãe para filho. Hoje nós temos o índice zero”, afirmou.
Quebra de tabu
De acordo com o médico infectologista e professor universitário, Ivens Skaff, o índice da doença voltou a aumentar, principalmente entre os jovens homossexuais, mas também há um índice alto entre as pessoas da terceira idade.
“Não há muito casos entre as moças jovens, o que é curioso, uma vez que é alto o índice de gravidez entre elas, o que prova que elas não estão se protegendo da maneira adequada”, disse.
Skaff acredita que, para diminuir o preconceito em torno da doença, é necessário falar mais sobre ela.
“Hoje a Aids é classificada como Doença Crônica Manejável, ou seja, tem um manejo muito próximo da diabetes e da hipertensão. Saiu da classificação de Doença Fatal há dois anos. Mas como as pessoas não têm mais casos avançados, estão se descuidando mais. A cada semana, eu tenho de dois a três novos casos novos em mãos”, disse.
A coordenadora do SAE afirma que, infelizmente, o preconceito implica, diretamente, no baixo número de pessoas que desejam fazer o teste para saber se estão com a doença como também naquelas que acabam por interromper o tratamento e a não contar para os familiares que são soropositivas.
“Existe preconceito, sim, inclusive da própria família e da profissão que o paciente exerce. Temos vários pacientes que não contam para os parceiros. Por exemplo, temos uma paciente gestante, hoje, que é soropositiva, mas que não quer que o esposo dela saiba. Ela diz que só "Os pacientes, por lei, têm direito ao sigilo. Não é permitido à equipe falar para alguém, tirar fotos, nada disso. Nem o SAE tem algo escrito na porta: ‘tratamento para AIDS’. É tudo bem sigiloso" pode ter contraído a doença dele, e provavelmente ele vai descobrir quando ficar doente, mas ela não quer contar. No dia em que ele ficar doente, ela deve se sensibilizar e irá contar. Ou ele vai morrer e vai descobrir lá no hospital”, disse.
A coordenadora salientou que toda a equipe do SAE – assim como nos demais locais que oferecem o tratamento no país – é proibida, por lei, de contar que um paciente é soropositivo.
“Os pacientes, por lei, têm direito ao sigilo. Não é permitido à equipe falar para alguém, tirar fotos, nada disso. Nem o SAE tem algo escrito na porta: ‘tratamento para AIDS’. É tudo bem sigiloso”, explicou.
Segundo ela, o aconselhamento psicológico e dos médicos é de que o paciente, ao ser diagnosticado com a doença, conte para a família.
“Até porque, se você tiver um parceiro sexual, tem que usar preservativo para o resto da vida, para proteger o seu parceiro. Contar é o ideal, é um ato de amor. Mas a maioria não conta. Nem para o parceiro, nem para os pais, para ninguém”, disse.
Cleciane afirmou que a doença se manifesta em todas as classes sociais, não apenas na periferia, como alguns tendem a acreditar.
“Inclusive aqui no SAE nós temos pacientes de todas as camadas sociais. Todos são direcionados para cá. Não interessa se você é conveniado ou não ao Sistema Único de Saúde”, disse.
A coordenadora destacou que muitos temem fazer o teste rápido por medo de se descobrirem soropositivos, quando, segundo ela, trata-se de uma doença mais difícil de contrair do que a hepatite.
“Hepatite leva à morte. Aids, não. E a Aids você pega em relacionamento sexual sem proteção e ao compartilhar seringas, por exemplo. Hepatite você "Hepatite leva à morte. Aids, não. E a Aids você pega em relacionamento sexual sem proteção e ao compartilhar seringas, por exemplo. Hepatite você pode pegar com a sua manicure" pode pegar com a sua manicure. Se ela usou o alicate, furou uma pessoa com hepatite, e furar o seu dedo também, você pega a doença. E não tem cura também. Você faz um tratamento para o resto da vida. O vírus da Aids não sobrevive no ambiente comum. Ele dura alguns segundos. E o vírus da hepatite permanece por até seis dias no alicate de unha”, afirmou.
Tratamento
Em Cuiabá, ao ser diagnosticado como portador do vírus do HIV, o paciente passa pela equipe multiprofissional do SAE, quando são solicitados os exames de rotina que levam em torno de 30 dias para ficarem prontos.
“O teste rápido é confirmatório para HIV/Aids. Ele não é refeito. O que fazemos é pedir o exame de carga viral, CD4/CD8, para saber como que esse vírus está se multiplicando dentro da sua célula. E só esse exame aponta isso”, disse Cleciane.
Segundo a coordenadora, o tratamento normalmente se inicia quando o resultado do CD4/CD8 der abaixo de 500, mas tudo depende do critério médico, uma vez que o paciente pode estar com resultados próximos disso e não apresentar sintoma nenhum.
“Esse é o número do sistema de defesa, tratam-se dos linfócitos, que geram o mecanismo de defesa”, disse.
De acordo com Cleciane, todo o tratamento – inclusive com a disponibilização dos remédios necessários – é disponibilizado pelo SUS.
“Caso precise de internação, no caso dos pacientes do SAE, nós temos portas abertas para o Pronto-Socorro de Cuiabá. É feita uma avaliação pelo médico, um relatório é preenchido e nós encaminhamos o paciente na nossa ambulância para o Pronto-Socorro. O remédio dos pacientes com Aids também não faltam aqui. Eles vêm direto do Ministério da Saúde, já com o nome do paciente”, disse.
"Em Mato Grosso, nós temos uma cobertura adequada para todos. Além disso, o fluxo ambulatório-hospital (internação) é muito complicada" Mas no Estado ainda há problemas para a garantia de atendimento e tratamento de Aids, segundo Ivens Skaff.
“Em Mato Grosso, nós temos uma cobertura adequada para todos. Além disso, o fluxo ambulatório-hospital (internação) é muito complicada. Só o Pronto-Socorro de Cuiabá aceita os pacientes para internação, mas encaminhamos e não conseguimos saber se terá vaga disponível ou não”, disse.
Segundo o infectologista, a distribuição dos remédios é adequada, até porque vem direto do Ministério da Saúde, mas ele acredita que a rede pública estadual precisa investir na contratação de mais médicos para dar conta da demanda.
“Temos infectologistas muito bons, mas que não estão na rede pública estadual por falta de concurso público”, afirmou.
Importância do acompanhamento
A coordenadora do SAE explica que o tratamento e acompanhamento adequados é o que garante que o paciente terá qualidade de vida e que poderá viver tão bem quanto qualquer outra pessoa saudável.
Segundo ela, muitos pacientes abandonam o tratamento porque acham que não precisam ou porque não gostam das reações do organismo ao coquetel de remédios, que por serem fortes, acabam por prejudicar o estômago e causam enfraquecimento.
“Alguns são usuários de drogas, também, e preferem parar o remédio para usar a droga. Outros abandonam pelo desconforto que os remédios "Aquele tabu de que se o teste de HIV deu positivo você está sentenciado à morte não existe mais. Se tratar, não" provocam, como vômito e diarreia. Mas isso acontece apenas no início do tratamento, até o seu corpo se adaptar. O tempo que esse desconforto dura depende de organismo para organismo. Mas, normalmente, o primeiro mês é o mais intenso, o mais difícil”, disse.
Segundo ela, durante o tratamento, os pacientes devem tomar alguns cuidados especiais com a alimentação, além de praticar exercícios físicos regularmente.
“Mas isso são cuidados que todos devem ter, na verdade, por isso que não consideramos algo específico do grupo deles. Aquele tabu de que se o teste de HIV deu positivo você está sentenciado à morte não existe mais. Se tratar, não. O paciente pode estar doente, com Aids e depois se restabelecer. Temos histórico de pacientes que chegam aqui bem debilitados e depois, com o acompanhamento e tratamento adequado, se restabelecem”, completou.
Segundo Cleciane, quando a pessoa já está cadastrada no SAE e “desaparece”, a equipe multiprofissional entra em contato com o paciente pelo telefone celular disponibilizado por ele ou um outro número de uma pessoa de confiança que ele tenha dado como referência, a fim de tentar retomar o tratamento interrompido.
“A gente liga e avisa que a assistente social e a psicóloga irão à casa do paciente e se ele autoriza isso. Tem alguns que aceitam. Outros pedem pra marcar numa praça, ou algo assim. E tem dado um bom resultado. Se o paciente abandonou o tratamento, nós vamos atrás”, disse.
Aceitação e prevenção
Cleciane salienta que o mais difícil para o paciente que acaba de descobrir que é portador do vírus é aceitar a doença, razão pela qual, ao receber a notícia, ele deve estar acompanhado de um psicólogo e de um assistente social.
“Se deu positivo, o paciente vai ficar com a gente o tempo que ele precisar [para absorver a informação. Porque a nossa preocupação é que o usuário saia daqui e cometa alguma loucura. A maioria das pessoas se desestabiliza totalmente. O mais difícil é aceitar que você terá que fazer um tratamento para o resto da vida. Um tratamento que abala todo o seu sistema imunológico”, disse.
Ela contou que o caso mais longo foi de um rapaz que passou quatro horas dentro do SAE, após receber a notícia, até que a equipe tivesse certeza que ele estava mentalmente bem para ir embora.
“Se der negativo, a pessoa também passa pelo pós-aconselhamento, para continuar se prevenindo, para os riscos de se contrair depois se ela tiver uma relação desprotegida”, disse.
Ela destacou que não há outra forma de se prevenir do HIV/Aids que não seja por meio da prática do sexo seguro, com uso de preservativos, o não compartilhamento de seringas e por meio da educação, falando mais sobre o assunto, promovendo palestras e campanhas e alertando a sociedade.
“Tem que sensibilizar mesmo, principalmente para o uso de proteção durante as relações sexuais, porque, geralmente, quem vem aqui no SAE, tem parceiro fixo. Essa é a razão, aliás, pela qual a aceitação é tão difícil”, disse.
Fonte:
Mídia News
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