Procurado pelo G1, Paulo Maluf negou envolvimento no desvio de recursos e afirmou que não é réu na decisão. “Primeiro, eu não sou réu. Segundo, eu não tenho conta. Isso é um engano jornalístico. Vocês estão cometendo uma barriga”, afirmou. A assesssoria do deputado informou ainda, em nota, que a ação não tem embasamento legal (veja abaixo a íntegra).
A sentença foi divulgada nesta sexta-feira (16) e é a conclusão de processo movido pela Prefeitura em Jersey desde 2005. Ainda cabe recurso. Entretanto, como a ilha está sob jurisdição britânica, a apelação terá que ser feita na Câmara dos Lordes, em Londres. Segundo o promotor Silvio Marques, do Ministério Público de São Paulo, será difícil a defesa conseguir reverter a decisão.
Segundo os advogados que a Prefeitura de São Paulo contratou em Londres, o titular da conta, Flávio Maluf, é quem terá que devolver o dinheiro. A sentença determina a devolução de US$ 10,5 milhões e informa que a Justiça vai avaliar o total dos juros.
O procurador-chefe da Procuradoria Geral de São Paulo, Celso Augusto Coccaro Filho, afirma que o ex-prefeito terá que devolver aos cofres municipais cerca de US$ 22,5 milhões, que seria o equivalente ao montante desviado acrescido de juros compostos. A família de Maluf ainda terá que arcar com as custas do processo, que é de cerca de R$ 5 milhões.
"Esse valor de US$ 10,5 milhões é o valor da época. Nós bloqueamos US$ 22 milhões fazendo a aplicação de juros simples. Como o juiz de Jersey entendeu que houve fraude, aplica-se juros compostos. E, segundo a Corte de Jersey, o valor pode chegar a US$ 32 milhões. O mínimo de US$ 22 milhões já estava bloqueado e está garantido", diz o procurador.
Coccaro Filho diz que os juros são uma compensação. “Os juros são, no entender da Justiça, uma maneira de compensar quem sofreu a fraude. Eles são aplicados em um caráter de reparar a perda”, afirma o procurador.
Segundo a sentença, o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) participou de uma fraude na remessa de dinheiro público para contas no estrangeiro em 1998. "(...) o conhecimento de Paulo Maluf e Flávio Maluf (filho do ex-prefeito) de que esses pagamentos eram o produto de uma fraude sobre os autores (Prefeitura de São Paulo) é atribuído a cada um dos réus e tais pagamentos foram, por isso, recebidos por Durant e Kildare com o conhecimento das fontes", afirma a decisão.
“Tanto para a procuradoria como para o direito, [ela] é um marco na história da luta contra a corrupção no âmbito internacional. Esse caso é estudado no exterior, porque essa é uma das principais medidas para o controle de remessas indevidas”, diz o procurador.
“Os juros são, no entender da Justiça, uma maneira de compensar quem sofreu a fraude. Eles são aplicados em um caráter de reparar a perda de danos”, afirma o procurador.
Sentença
De acordo com a sentença, a Justiça de Jersey afirma que Maluf participou da fraude contra a Prefeitura na construção da Avenida Jornalista Roberto Marinho, então conhecida como Águas Espraiadas.
Após a saída de Maluf da prefeitura, o dinheiro desviado foi enviado, entre janeiro e fevereiro de 1998, para contas da família nos Estados Unidos, segundo rastreamento realizado pela Justiça.
A Justiça afirma ainda que Flávio Maluf, que é filho do então prefeito, sabia da natureza fraudulenta dos recursos e realizou movimentações. A sentença diz que ele, sob orientação ou com consentimento do pai, fez 15 depósitos, provavelmente através de um ou mais doleiros, em uma conta sua nos Estados Unidos da qual o deputado também seria beneficiado.
De lá, o dinheiro foi levado para contas de duas empresas no paraíso fiscal.
Etapas da ação em Jersey
O governo municipal afirma que houve desvios relacionados à construção da Avenida Jornalista Roberto Marinho. A obra foi realização da gestão Maluf (1993 a 1996). A construtora responsável teria promovido um superfaturamento da obra e repassado o dinheiro a Paulo Maluf.
A Prefeitura e o Ministério Público adicionaram ao processo diversos documentos como extratos bancários e cópias de cheques tentando mostrar o caminho do dinheiro, passando primeiro por Nova York e indo parar em Jersey.
De acordo com a Prefeitura, a ação teve três etapas. A primeira foi a quebra do sigilo, que serviu para localizar parte das provas. A segunda foi o congelamento do dinheiro que, segundo ele, teve a origem brasileira comprovada. Agora, a Prefeitura obteve decisão que determina a devolução da verba.
Um documento foi decisivo para a decisão da Justiça de Jersey: um relatório da construtora Mendes Júnior mostrando que 20% de todos os pagamentos que a Prefeitura de São Paulo fazia eram transferidos para uma conta em Nova York. Mais tarde, descobriu-se que esta conta pertencia a laranjas, amigos de Paulo e Flávio Maluf. A partir dessa conta, o dinheiro era transferido para Londres, Jersey e Suíça. Um documento assinado por Paulo Maluf transfere esta conta para o filho Flávio.
A devolução
Segundo a sentença, a quantia exata a ser devolvida ainda será definida. "Vamos ouvir outros argumentos quanto à natureza exata da dedução a ser concedida aos autores e termos apropriados da ordem de ser feitos, incluindo a extensão em que eles têm direito a recuperar os juros e o seu quantum", afirma a sentença.
A Prefeitura estuda nos próximos dias como fará para repatriar esse montante. A administração municipal já tinha conseguido, anteriormente, bloquear montante já atualizado com a projeção dos juros compostos. Esse valor pode ser transferido para o nome da Prefeitura.
No entanto, 80% desse valor estão vinculados a ações da Eucatex e apenas 20% a uma quantia em dinheiro. Por isso, antes da transação, a Prefeitura precisará verificar se os valores das ações da Eucatex ainda se mantém no mesmo patamar avaliado na época do congelamento.
“Para saber se essa possibilidade vale a pena é preciso avaliar as ações. É possível contratar um especialista para constatar as expectativas de mercado e se a Prefeitura não corre o risco de levar gato por lebre, de ter prejuízo”, disse o procurador.
Veja abaixo trechos da decisão
Confira abaixo parte da decisão da Justiça de Jersey:
"Por essas razões, sem hesitar, nós concluímos que o pedido dos recorrentes sucede.
Especificamente, nós descobrimos: que no final de 1997 e início de 1998, o município foi vítima de uma fraude como foi alegado.
(Ii) que Maluf Paulo era uma parte da fraude, pelo menos na medida em que, no decurso de Janeiro e fevereiro de 1998, ele ou outras pessoas em seu nome receberam ou foram creditados no Brasil com uma série de 15 pagamentos secretos para o valor de (no total) de R$ 13.512.885,34.
(Iii) que Flávio Maluf, sabendo da natureza de tais pagamentos, sob as instruções do
Paulo Maluf ou com a sua concordância, arranjou que os fundos equivalentes a pelo menos 13 dos 15 pagamentos fossem transferidos para fora do Brasil, com sua conversão em dólares americanos no valor de EUA $ 10.500.055,35 nas então atuais taxas de câmbio (provavelmente através de um ou mais doleiros) e para seus pagamentos na conta bancária n. 6100546 conhecido como Chanani com Safra International Bank de Nova York, conta controlada por Flavio Maluf, cujos donos eram ele e/ou Paulo Maluf.
(Iv) que tais pagamentos são rastreáveis para e através da conta Chanani para a canta bancária do primeiro réu, Durant, com o Deutsche Bank em Jersey e daí para o conta bancária do segundo réu, Kildare, com o Deutsche Bank, em Jersey, em um quantidade de EUA $ 10.500.055,35.
(V) que o conhecimento de Paulo Maluf e Flávio Maluf de que esses pagamentos eram o produto de uma fraude sobre os autores é atribuído a cada um dos réus e tais pagamentos foram, por isso, recebido por Durant e Kildare com o conhecimento das fonte.
(Vi) que cada um dos réus é, portanto, susceptível aos queixosos como construtivo
administrador de tais pagamentos no valor de US$ 10.500.055,35.
(Vii) ainda, que o conhecimento de Paulo Maluf e Flávio Maluf de que os réus não tinham direito a esses pagamentos é atribuída a cada um dos réus, e na medida em que os réus permanecem enriquecidos por esses pagamentos é susceptível de os demandantes com base no enriquecimento injusto na soma de US$ 10.500.055,35.
(Viii) ainda, que os autores têm direito exclusivo à soma de US$ 10.500.055,35
dos fundos atualmente existentes em contas bancárias congeladas no Deutsche Bank por Kildare e Durant.
Vamos ouvir outros argumentos quanto à natureza exata da dedução a ser concedida ao autores e termos apropriados da ordem de ser feitos, incluindo a extensão em que eles têm direito a recuperar os juros e o seu quantum.".
Íntegra da nota de Paulo Maluf
Veja abaixo nota divulgada pela assessoria do deputado federal:
"NOTA OFICIAL
1 - A sentença mostra claramente que Paulo Maluf não é réu na Ilha de Jersey.
2 - A sentença mostra claramente, o que temos afirmado à exaustão, que Paulo Maluf não têm conta na Ilha de Jersey.
3 - A sentença mostra claramente que os eventuais recursos citados na ação teriam sido movimentados em janeiro e fevereiro de 1998, quando Paulo Maluf não era mais prefeito de São Paulo, já que seu mandato acabou em dezembro de 1996. Portanto já havia saído da Prefeitura a mais de um ano.
4 - A ação não tem embasamento legal já que a obra não foi feita pela Prefeitura, mas sim pela Emurb, sendo, portanto, a Prefeitura parte ilegítima na questão.
5 - A ação não tem embasamento legal pois qualquer obra realizada em território brasileiro, si feita de forma irregular, o que não é o caso dessa, terá de ser julgada pela Justiça brasileira.
6 - À decisão cabe recurso.
Adilson Laranjeira
Assessor de Imprensa de Paulo Maluf"
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