O território Marãiwatsédé está localizado na região nordeste de Mato Grosso, tem mais de 165 mil hectares e é alvo de uma disputa entre a comunidade indígena e produtores rurais. A Justiça reconheceu a área como de uso do povo xavante. Famílias obrigadas a deixar suas áreas em cumprimento à decisão judicial prometem resistir ao processo de desintrusão.
Ainda nesta segunda-feira (10), um grupo de moradores, policiais rodoviários federais e agentes da Força Nacional de Segurança se envolveram em um conflito. Balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo foram usados para conter a confusão.
O incidente foi o primeiro desde que fora iniciada a operação para retirada dos ocupantes não índios da reserva Marãiwatsédé. A confusão durou cerca de 30 minutos e foi registrada em uma propriedade distante 20 quilômetros do distrito de Posto da Mata, onde vive boa parte das famílias obrigadas a deixar a região. Foi iniciada quando um grupo de moradores deslocou-se até uma propriedade rural após saber da desintrusão. O morador não cumpriu a ordem judicial, retirando os bens do local.
Produtores tiveram prazo até dia 6 de dezembro para deixar a terra indígena (Foto: Reprodução/TVCA)
Durante o confronto, uma agricultora passou mal e desmaiou. Um policial da Força Nacional de Segurança ficou ferido.
Luta pela terra e o futuro
Em carta direcionada à sociedade brasileira, os xavantes afirmam que a luta pela garantia da terra iniciou-se ainda em 1992, ano em que se realizara a Eco 92. "Nesse território os ancestrais, nossos bisavós, viviam em cima da terra. Esse território é origem do povo de Marãiwatsédé. Nessa terra amada foi criado o povo Marãiwatsédé", afirmam.
Na carta os índios dizem esperar, há tempos, que os moradores brancos fossem retirados da localidade. "A desintrusão já começou. Os anciões esperaram muito tempo para tirar os não índios da terra. Sofreram muito. A vida inteira sofrendo, esperando tirar os fazendeiros grandes", diz um trecho da carta.
Para os xavantes, o cumprimento da decisão judicial pode ser interpretado como uma "luta contra a mentira". Os moradores da aldeia dizem-se tranquilos quanto ao processo de retirada das famílias.
O prazo para que os ocupantes não índios deixassem a região de forma voluntária encerrou na quinta-feira (6). De acordo com a procuradora federal Márcia Brandão Zollinger, o processo de desintrusão segue o que foi determinado pela Justiça e só será suspenso em caso de nova decisão judicial. Produtores rurais tentam, no Supremo Tribunal Federal (STF), suspender a decisão.
"A decisão deve ser cumprida a não ser que uma sentença contrária a interrompa. O processo está em curso e confirma a necessidade de se retirar as famílias que lá estão de má fé", afirmou durante entrevista coletiva na Procuradoria da República, em Cuiabá.
O cacique Damião Paridzané faz um relato sobre como deve ser o futuro dos indígenas após o cumprimento da decisão judicial. "Os animais não podem sofrer mais com tanta destruição da natureza. Quando a terra for devolvida para nosso povo a floresta vai viver novamente, vão voltar animais e plantas. Nossa mãe vai ficar muito forte e muito bonita, como sempre foi. É assim que tem que ser", destacou.
O impasse
De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), desde a década de 60 o povo xavante ocupa a área Marãiwatsédé. Nesta época, a Agropecuária Suiá-Missú instalou-se na região. Em 1967, índios foram transferidos para a Terra Indígena São Marcos, na região sul de Mato Grosso, e lá permaneceram por cerca de 40 anos, afirma a Funai.
No ano de 1980 a fazenda foi vendida para a petrolífera italiana Agip. Naquele ano, a empresa foi pressionada a devolver aos xavantes a terra durante a Conferência de Meio Ambiente no ano de 1992, à época realizada no Rio de Janeiro (Eco 92). A Funai diz que neste mesmo ano - quando iniciaram-se os estudos de delimitação e demarcação da Terra Indígena - Marãiwatsédé começa a ser ocupada por não índios.
O ano de 1998 marcou a homologação, por decreto presidencial, da Terra Indígena. No entanto, diversos recursos impetrados na Justiça marcam a divisão de lados entre os produtores e indígenas. A Funai diz que atualmente os índios ocupam uma área que representa "apenas 10% do território a que têm direito".
A área está registrada em cartório na forma de propriedade da União Federal, conforme legislação em vigor, e seu processo de regularização é amparado pelo Artigo 231 da Constituição Federal, a Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio) e o Decreto 1.775/96, pontua a Funai.
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