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Nacional
Segunda - 14 de Janeiro de 2013 às 06:32

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O Fantástico apurou que as denúncias de maus tratos contra idosos no Brasil triplicaram entre 2011 e 2012. A reportagem especial é de Paulo Renato Soares, Monica Marques e André Maciel.

Fomos a Belém do Pará acompanhar uma investigação da delegacia especializada em crimes contra idosos.

Policial: A senhora está há mais de 24 horas sem comer, não é?
Idosa: Eu acho.

Maus tratos e abandono estão entre os crimes mais comuns cometidos contra pessoas da terceira idade.

Em São Paulo, a polícia foi até outra casa porque um irmão denunciou a irmã. O motivo: ela estaria gastando indevidamente o dinheiro da mãe. Na frente da polícia os irmãos brigam. José Carlos acusa a irmã de favorecer os netos dela.

José Carlos: Foi sábado, ela foi comprar o pão e o presunto; ela primeiro deu o café para os netos dela, para poder dar o café para minha mãe.
Irmã: Como é que é?
José Carlos: Dá licença. É isso aí que aconteceu.
Irmã: Não. Porque você está falando que eu compro tudo para os meus netos.
José Carlos: Porque é verdade.
Irmã: Porque você que é assim. Você é que traz a sua mulher aqui.
José Carlos: Minha mulher, não!

Denúncias de crimes contra idosos são cada vez mais comuns no Brasil. De janeiro a novembro de 2012, o Disque 100, telefone da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, registrou mais de 21 mil denúncias. No mesmo período de 2011, foram pouco mais de 7 mil, aumento de quase 200%.

Os crimes mais denunciados são: negligência e violência psicológica. “Eu sofri, sim, agressão verbal e foi muito difícil. Eu falei: ‘vou na delegacia do idoso’. Aí ela me respondeu: ‘se a senhora for, a senhora está morta para mim’”, relata uma idosa.

Em seguida, vem abuso financeiro e econômico. “Pegou o meu dinheiro que tinha na poupança e tirou. Aí fiquei três meses pedindo dinheiro a ele, e ele não devolvia”, lembra um senhor.

A lista dos crimes mais denunciados tem ainda a violência física. “A minha filha me pegou pelo braço, me jogou pelo lado de fora da porta, tem três degraus, e quase que eu caio, bato com a cabeça no chão”, conta uma senhora.

Em quinto lugar na lista, vêm outros crimes, como o abandono. A mulher encontrada abandonada em casa pelos policiais em Belém se chama Felicidade. Segundo uma denúncia anônima, ela vive em estado de abandono, apesar de morar com o filho e a nora.

Os policiais encontram Dona Felicidade sozinha em uma casa de madeira. Ela estava suja e sem proteção: as paredes e o teto têm buracos, enquanto o filho e a nora vivem na casa da frente, que está passando por uma reforma.

A nora de Dona Felicidade chega em casa. Tinha ido buscar o filho na escola. Para ela, a situação da sogra não é grave.

Policial: Você acha que isso não é grave? Você já viu a situação que ela está?
Nora: Ela tem problema de Alzheimer.
Policial: O problema dela não é esse. O problema é que ela não está sendo cuidada. A situação de maus tratos é evidente aí.

O policial decide chamar o socorro. O filho da Dona Felicidade chega em casa e nega que ela esteja abandonada. “Ela não passa necessidade. A gente dá o maior apoio para ela”, garante.

Só que, quando a equipe do Samu chega e examina Dona Felicidade, a conclusão é a de que o estado dela é grave. Ela estava com pressão alta: 18 por 10. 

“Paciente com pressão alta, o risco dele é que ele pode vir a ter um AVC, um acidente vascular cerebral. A tendência dela é só agravar. Escabiose, alergia também”, avalia a técnica de enfermagem do Samu Ingrid Nascimento.

"Escabiose" é o termo que os médicos usam para sarna. “A gente vê que ela está totalmente desnutrida, é uma pessoa que está com sinais de abandono. Ela não tem o banho dela adequado”, alerta a técnica de enfermagem do Samu.

Dona Felicidade é levada para o hospital e Marco, o filho dela, para a delegacia.

Eles vão longe na vida, mas hoje, muitas vezes, têm dificuldade até para sair do lugar sozinhos. E, de repente, passam a ser agredidos por quem deveria dar todo o apoio. Em mais da metade das denúncias ao Disque 100, o principal suspeito da agressão é o próprio filho. Quando não é ele, é o neto da vítima.

Em São Paulo, um dos filhos de Dona Jovenília procurou a delegacia de proteção idoso para denunciar que a irmã estaria se apossando da aposentadoria de R$ 1,3 mil da mãe.

Ela tem 83 anos. Policiais querem saber, primeiro, em que condições ela está vivendo e também ouvir os parentes para saber onde estão os documentos e, principalmente, o cartão do banco dela.

O que os policiais encontram é um bate-boca.

Maria Nilda: Esse daqui só que aproveitar. Esse daqui, quando bebia e enchia a cara, só faltava bater nela. Vê só: estou falando as coisas sérias e tenho testemunha, os vizinhos.
José: A senhora está vendo o que ela está falando de novo? Sexta-feira, sábado e domingo ela vem aqui falar para a senhora: ‘eu vou sair, que hoje é dia de tomar a minha cerveja’.

Enquanto isso, Dona Jovenília, bem lúcida, não tem dúvidas do que ela quer: cuidar do próprio dinheiro.

Dona Jovenília: É melhor eu ficar com ele [o cartão] na mão, né? Porque aí eu vejo o que eu dei, vejo a conta que veio. E assim eu não estou sabendo de nada, né?
Policial: A senhora quer o cartão na sua mão.
Dona Jovenília: É, porque eu vou cuidar de minha vida. Quem trouxer a compra, eu estou vendo.

“Se o idoso tem um benefício previdenciário, se o idoso tem uma aposentadoria, aqueles valores devem ser revertidos para ele. Muitas das vezes, a gente verifica que aquele rendimento, ele é utilizado na sua grande maioria, para subsistência de familiares do idoso”, declara a promotora Cristiane Branquinho.

“Os que ganham pouco costuma acontecer o seguinte: "Olha, eu não ponho a mão no dinheiro do idoso". Mas aí ele dá uma continha de luz para pagar, ele dá uma continha de água para pagar. Aí quando vê, o idoso já está fazendo supermercado”, alerta a delegada Maria Clementina de Souza.

“Esse dinheirinho que eu juntei com dificuldade foi para nossa velhice”, conta um senhor que mora no Rio, tem 86 anos e três filhos. Depois de sofrer uma cirurgia de emergência no intestino, ele diz que logo que teve alta foi levado por um dos filhos ao cartório e ao banco. “Ele tirou o dinheiro da poupança e botou na conta dele”, lembra.

Agora o caso está sendo investigado pela Delegacia de Proteção ao Idoso. O filho que fez a transação diz que só quer proteger o dinheiro da ganância de um dos irmãos. “Imagine se ele pega esse dinheiro, o meu irmão pega esse dinheiro e gasta tudo. E aí? Quem vai ajudar o meu pai? Eu não mexi nessa quantia até hoje”, garante Francisco Milson da Silva Moreira.

O inquérito ainda não foi concluído. Tudo o que o pai quer é o dinheiro de volta: “Eu me sinto envergonhado de ter um filho assim”, lamenta.

“Quem deve administrar o dinheiro é o idoso. A gente sempre bate muito nessa tecla. O idoso tem que ter autonomia, tem que ter independência”, diz a promotora Cristiane Branquinho.

Mas se o idoso não tem condições de cuidar do próprio dinheiro, e a família não chega a um acordo, o jeito é ir para a Justiça. “Quando o idoso é incapaz, ele tem que ser interditado e deve ser nomeado um curador para cuidar dos interesses do idoso”, explica Cristiane.

O curador pode ser um filho ou outro parente. Ele é nomeado pelo juiz e tem que prestar contas de como o dinheiro está sendo gasto.

Marco Aurélio, filho de Dona Felicidade, idosa que foi encontrada sozinha na cama, foi para a delegacia. Ele se defendeu da acusação de maus tratos: “Ela não passa necessidade”.

Mas recebeu voz de prisão. “Você está preso em flagrante em virtude da prática do artigo 99 da lei do Estatuto do Idoso, que prevê o crime de maus tratos à pessoa idosa”, diz o policial.

Este crime pode dar até quatro anos de prisão se ficar constatado que Dona Felicidade sofreu lesão corporal grave por causa do abandono.

O filho dela ficou preso durante cinco dias em um presídio. Foi solto depois de pagar fiança de quase R$ 1,3 mil porque o juiz entendeu que ele pode responder ao processo em liberdade. Mas a Justiça está de olho nele. Marco Aurélio não pode sair do Pará e uma vez por mês tem que se apresentar ao juiz com um atestado médico para comprovar que a mãe está bem de saúde. Senão, pode voltar para a prisão.

Já Dona Felicidade ficou só um dia no hospital. Voltou para casa se sentindo bem melhor. “Não sei por que essa denúncia, que eu nunca maltratei minha mãe. Eu sempre estou do lado dela. Faço a programação do tratamento dela, que ela tem reumatismo, labirintite, levo ela no hospital”, diz o filho.

Segundo Marco Aurélio, a mãe estava sozinha em casa quando a polícia chegou por causa de uma emergência na escola do filho, que obrigou a mulher a sair para buscar o menino. Como prova, ele apresenta uma declaração do colégio. O fato é que agora Dona Felicidade não fica mais na casa dos fundos. Dorme no mesmo quarto do filho.

Um dia depois de conceder entrevista, Marco Aurélio procurou o Fantástico e pediu para não participar desta reportagem. Marco Aurélio foi preso em flagrante, e, por isso, o Fantástico entendeu que a participação dele na reportagem é de interesse público.

O artigo 99 diz que é crime “expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis”.

Em São Paulo, a polícia já ouviu os irmãos que não se entendem por causa do dinheiro de Dona Jovenília. E a mãe prestou depoimento esta semana. Se ficar comprovado que a filha desviou dinheiro, ela pode pegar até quatro anos de prisão.

“Aconselho a todo idoso que está sendo agredido dentro da sua casa, por filhos, por netos, por quem quer que seja, que denuncie, sim. Porque nós temos que ser respeitados”, diz uma senhora.

Dados do IBGE mostram que a população de idosos cresce de forma acelerada. Estima-se que até 2020 o país tenha 40 milhões de pessoas acima de 60 anos. Com isso, seremos o sexto país com mais idosos no mundo.

“Filhos, netos, genros, todos têm que nos respeitar”, avisa uma idosa.

“Eles esquecem que amanhã eles vão se tornar idosos”, conclui uma senhora.






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