Para especialistas, Francisco faz dos atos sua principal mensagem. Em busca de renovação, clero procura distância dos sete pecados capitais.
No Brasil, Papa reforçará gestos contra os sete pecados capitais
O Papa Francisco é iluminado por luz vermelha durante
evento no Salão Paulo VI, no Vaticano, em junho (Foto: AP)
Longe dos aposentos espaçosos do antecessor e mais próximo dos fiéis, Papa Francisco mostra um conjunto de gestos que aos poucos se transforma em mensagem do seu pontificado, segundo vaticanistas e estudiosos da religião ouvidos pelo G1.
Para eles, se a crise da Igreja Católica coubesse apenas dentro da clássica lista dos sete pecados capitais, Francisco já teria dado exemplos diretos de como encontrar as primeiras saídas.
Os sete pecados capitais, listados por Tomás de Aquino e utilizados na Divina Comédia por Dante Alighieri, resumem concepções teológicas daquilo que os fiéis devem evitar. O novo Papa, que já se disse pecador, afirmou em maio que admitir os erros é o primeiro passo. Para os especialistas, Francisco tenta mostrar na prática como iniciar a caminhada.
Veja abaixo a análise dos especialistas:
Os especialistas afirmam que, desde seu primeiro ato após a eleição, Francisco busca a contramão da soberba. Para o doutor em religião pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo Eulálio Figueira, traços desse pecado aparecem quando representantes da Igreja Católica a proclamam como a única capaz de oferecer a salvação ou se fecham para o diálogo com outras religiões.
O cientista da religião Afonso Ligorio concorda com a avaliação. “A cúpula da Igreja se acha melhor do que o fiel comum. É autoritária, com excesso de doutrinas, ensina dando ordens, mandando teólogos calarem a boca”, disse.
Figueira lembra que, quando o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, já eleito Papa em 13 de março, foi apresentado à multidão na Praça de São Pedro, ele pediu orações do povo ali presente e se inclinou. “Demonstrou naquele momento que não é autossuficiente, ou seja, não consegue atuar sozinho e que vai precisar da ajuda de todos”, avalia.
Ao longo de quatro meses de pontificado, Francisco recebeu lideranças de outras religiões, inclusive na posse. Brenda Carranza, doutora em sociologia da religião da PUC-Campinas, cita ainda a amizade de 20 anos entre o Papa Bergoglio com o rabino Abraham Skorka. “[Um Papa] ter um amigo judeu significa que é capaz de dialogar com pessoas diferentes, aceitar posturas não cristãs. Isso significa a valorização da diferença”, conta.
O pecado da gula, o ato de comer e beber em excesso, é relacionado pelos especialistas com alguns comportamentos dentro da Igreja Católica, sobretudo com o que chamam de "egoísmo".
Para os estudiosos, parte do clero costuma cair em tentação e buscar autossatisfação em vez de atuar pelo próximo. Na avaliação, os estudiosos também ligam a raiz desse pecado à interferência do consumismo e à espetacularização das atividades dentro da igreja, que transformam a religião em "diversão”.
Brenda Carranza aponta a busca por consumo de produtos católicos, como CDs e DVDs de padres religiosos, como comportamento que pode levar o fiel simplesmente ao espetáculo, sob o risco de o afastar do propósito único da religião, que é dar sentido à vida.
“Essa espetacularização da igreja é deixar-se ser tragado pelo falso aplauso da massa. Hoje, os heróis dos seminaristas são os padres midiáticos e não os antigos bispos que lutavam, como Dom Helder Câmara (arcebispo emérito de Olinda e Recife, que morreu em 1999) ou Dom Paulo Evaristo Arns (cardeal e arcebispo emérito de São Paulo)”, complementa Afonso Ligorio.
Para ambos, Francisco estaria sinalizando uma “cura” para esta variação da gula quando, em audiência pública realizada em maio, admite-se pecador, ato que simbolizaria um processo de reformulação da igreja que deve ser mais voltada à humildade e simplicidade.
Quanto ao pecado literal da gula, o historiador Leandro Karnal, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lembra que o Papa pediu para a visita ao Brasil que sejam servidas refeições simples, preparadas por freiras e não por chefs de cozinha, já acostumados com grandes banquetes.
Para Eulálio Figueira, o Papa critica a opulência na Igreja Católica ao escolher morar na Casa Santa Marta (uma espécie de pousada para sacerdotes no Vaticano) em vez de optar pelos tradicionais aposentos papais. Também cita a adoção de vestes e paramentos litúrgicos mais simples nas cerimônias – deixa de usar os famosos sapatos vermelhos, chamados de múleo, e troca o anel do pescador de ouro por um de prata.
Para Figueira, a criação de uma comissão especial para fiscalizar as atividades do Banco do Vaticano, garantindo que ele opere com a missão da igreja, é um outro exemplo positivo.
Brenza Carranza explica também que, ao visitar a ilha italiana de Lampedusa e lembrar os imigrantes ilegais que perderam a vida em travessias rumo à Europa, o Papa Francisco quis “acertar em cheio as leis contra migração da União Europeia” e “denunciar as grandes concentrações de renda do primeiro mundo”.
O pecado da ira ou raiva na Igreja Católica é associado ao conservadorismo da instituição, que, segundo especialistas, limita o diálogo inter-religioso e é muitas vezes associado à intolerância religiosa, exclusão social ou de gênero. Afonso Ligorio, da PUC-SP, cita a perseguição, repreensão e, em alguns casos, até a excomunhão de teólogos católicos como uma forma violenta e desnecessária de ação da cúpula católica.
Para os especialistas, a mansidão do Papa Francisco em suas falas voltadas ao "pecador que tem o poder" está entre os exemplos que podem influenciar o futuro do catolicismo. Brenda Carranza cita também uma abertura maior às mulheres na igreja proposta pelo Papa e nos movimentos litúrgicos, além da inclusão de uma economista dos EUA na investigação do Banco do Vaticano.
Um sinal de mudança também, segundo ela, é quando o Papa lava os pés de prisioneiros de um centro de detenção juvenil em Roma, durante a celebração da Quinta-feira Santa.
Escândalos causados por crimes de pedofilia cometidos por sacerdotes em diversas partes do mundo e a descoberta do chamado “lobby gay”, uma suposta trama de corrupção, sexo e tráfico de influências no Vaticano, mancharam a reputação da Igreja Católica.
Jornais italianos apontaram investigações nos bastidores da Santa Sé a grupos especializados em desmontar carreiras dentro da hierarquia vaticana e que aproveitavam recursos multimilionários para interesses próprios. Conflitos descritos como lutas internas por poder e dinheiro, assim como "chantagens" baseadas em fraquezas sexuais
O Papa Francisco reconheceu a existência de um "fluxo de corrupção" e do lobby gay, e a necessidade de agir contra os crimes de pedofilia na instituição, de acordo com Afonso Ligorio. “A melhor cura para isso é a transparência”, explica.
Além disso, assinou em julho um decreto que endurece as sanções penais a quem cometer abusos contra menores na Santa Sé e na Cúria - uma reforma do código penal do Estado da Cidade do Vaticano que introduz o crime de tortura e reforça e amplia a definição dos delitos contra menores, entre eles a pornografia infantil e o abuso sexual.
“Ele retira qualquer tipo de imunidade e privilégios para o seu clero (...) coloca a luxúria para além do pecado, a coloca num plano ético, porque é um abuso e afeta os direitos das relações”, disse Brenda Carranza.
A manutenção da Cúria Romana, como é chamada a burocracia do Vaticano, em um formato que impulsiona o carreirismo entre padres, bispos, arcebispos e cardeais é uma das principais críticas feitas por especialistas, já que são sacerdotes que não conhecem o povo e não sabem das suas necessidades.
Francisco tenta quebrar esse comportamento associado à "preguiça" no clero já nas suas audiências públicas, quando entra em contato com os presentes na Praça de São Pedro – deixando atordoados seus seguranças.
É uma mensagem, segundo João Décio Passos, para que a Igreja Católica “deixe de ser babá, passe a ser mãe”, uma analogia ao fato de deixar o leigo sob os seus cuidados em vez de lançá-los ao mundo, em missão.
Eulálio Figueira cita ainda que Francisco está preocupado com este ponto e, por isso, escolheu um grupo de oito cardeais “para colocar ordem na casa”. O grupo vai assessorá-lo no governo da Igreja e estuda um projeto de reforma da Constituição sobre a Cúria. Eles iniciarão sua primeira reunião entre 1º a 8 de outubro.
Para os especialistas, um dos sinais de que a inveja existe nos bastidores da Igreja Católica é a existência do carreirismo em sua hierarquia. É considerado um pecado institucional pelo historiador Leandro Karnal. Também para Brenda Carranza, essa disputa por cargos transforma a Cúria Romana em um ambiente corporativista “que leva à manifestação da inveja”.
Francisco assume deixando claro aos que trabalham com ele que “não quer bispos carreiristas”, de acordo com Afonso Legorio. “Ele está quebrando a espinha dorsal dessa corrupção interna na Cúria. Agora, não sei até onde ele consegue”, explica.
Eulálio Figueira cita um exemplo de humildade do novo pontífice ao assinar a encíclica “A luz da fé” (Lumen fidei) com o Papa Emérito Bento XVI. Para ele, isso indica ao clero para que haja cooperação dentro da igreja, e não disputas.
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