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Nacional
Terça - 30 de Julho de 2013 às 12:36

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Teresinha Chagas perdeu o filho mais novo, João Renato, no incêndio da boate Kiss (Foto: Arquivo Pessoal)

Teresinha Chagas perdeu o filho mais novo, João
Renato, no incêndio da boate Kiss (Foto: Arquivo
Pessoal)

Desde que João Renato, 18 anos, entrou para a lista de 242 vítimas da boate Kiss, Teresinha Chagas tenta buscar nos sonhos do filho motivos para se reerguer. Secretária da Associação de Vítimas da Tragédia de Santa Maria acorda todos os dias com a esperança de fazer o bem e orgulhar quem não volta mais. Afastada do emprego na Emater, consola a filha mais velha, Sara, de 22 anos, que ainda chora a falta do irmão.

Na semana em que o incêndio na boate Kiss completa seis meses, o G1 Rio Grande do Sul conta histórias de seis vidas transformadas pela maior tragédia do Brasil nos últimos 50 anos. De sábado (27) até quinta-feira (1), familiares, sobreviventes, amigos falarão sobre superação, dor, luta e esperança.

“Ele era uma pessoa com um coração bom. Tento seguir na associação para fazer uma coisa boa para alguém, quero fazer algo bom”, contou Teresinha, 46 anos, ao G1, emocionada. Desde a madrugada de 27 de janeiro, um “dia terrível”, como ela mesma descreve, tenta entender o quebra-cabeças que começou a se formar dias antes do incêndio.

Cerca de 15 dias antes da tragédia, João Renato chamou a mãe para conversar. “Ele me disse que não era para eu ficar triste, mas que ele iria morrer logo”, lembrou. Assustada, Teresinha conversou com a filha e resolveram levá-lo a um psicólogo. “Quando ele tinha uns 12 anos, tinha umas ideias assim e fez tratamento. Falei com a Sara e iríamos levá-lo de novo, mas logo depois ele foi para a casa do pai”.

Arte 6 meses Kiss (Foto: Arte/ G1)

Apesar de morar em Santa Maria, a família é natural de São Luiz Gonzaga, local onde o ex-marido de Teresinha mora até hoje. “Ele foi para lá, ficou com o pai por mais de uma semana. Normalmente ele não ficava muito tempo longe de mim. Mas o João queria ficar perto do avô, que estava com câncer”, falou.

Na semana que voltou para casa, o estudante foi comemorar o aniversário da irmã na boate Kiss na quinta-feira, três dias antes da tragédia. Pela primeira vez na casa noturna, aprendeu a dançar e combinou de voltar para a festa de sábado, ao lado do amigo Guilherme Patat, que sobreviveu.

“Um dia antes, o pai deles veio de São Luiz Gonzaga e o João assou um churrasco, nos divertimos muito. Ele disse pra mim: ‘mãe, vou à boate no sábado, mas voltarei às 2h, a Sara me ensinou a dançar’”, recordou Teresinha.

Já na madrugada, a mãe acordou aflita por volta das 3h, preocupada com o filho que ainda não estava em casa. “Ele não gostava de ambiente fechado, fumaça, cheiro de cigarro”, descreveu a mãe, ainda procurando respostas.

Atualmente, ela se dedica principalmente a ajudar os outros, coisa que João Renato fazia diariamente. Na infância, em São Luiz Gonzaga, ele recolhia animais da rua para ajudar. Mais tarde, já em Santa Maria, dava comida aos moradores de rua, que viviam em frente ao apartamento da família na avenida Presidente Vargas. “Tento fazer alguma coisa que eu sei que ele iria gostar. Isso conforta um pouco, fazer o que deixava ele feliz”, justifica Teresinha. “Esses dias fui no mercado comprar pão e na saída dei tudo”.

Tento fazer alguma coisa que eu sei que ele iria gostar. Isso conforta um pouco, fazer o que deixava ele feliz"
Teresinha, mãe de jovem que morreu na Kiss

Na associação, é responsável pela organização das reuniões e do local. Muitas vezes conforta outros pais, que assim como ela, sobrevivem ao luto. “As pessoas falam para a gente superar. Aprender a reviver. O que nós vamos reviver? O que nós temos de bom daqui pra frente? Eles não sabem o que é perder um filho”, indigna-se.

No último sábado (27), dia em que a tragédia completou seis meses, Teresinha foi às ruas junto com outros familiares doar as roupas de quem se foi. No entanto, mexer no quarto do filho ainda é um desafio. “Um mês depois que ele morreu, sonhei com ele. Ele me levou no quarto dele, abriu a porta do guarda-roupa, tirava roupa por roupa e dizia que eu tinha que ajudar os outros. Sempre doamos o que não usava”, relatou.

Em um processo lento, Teresinha mexe no que sobrou do filho enquanto consola Sara. “Aos poucos eu vou conseguir. A Sara ficou muito abatida. Temos uma família pequena e eles não têm primos. Ela ainda tem uma vida inteira pela frente, mas e eu?”, finaliza.

João Renato ao lado da irmã Sara, um dia antes da tragédia de Santa Maria (Foto: Arquivo Pessoal)João Renato ao lado da irmã Sara, um dia antes da tragédia de Santa Maria (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, na madrugada de domingo, dia 27 de janeiro, resultou em 242 mortes. O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco.

O inquérito policial indiciou 16 pessoas criminalmente e responsabilizou outras 12. Já o MP denunciou oito pessoas, sendo quatro por homicídio, duas por fraude processual e duas por falso testemunho. A Justiça aceitou a denúncia. Com isso, os envolvidos no caso viram réus e serão julgados. Dois proprietários da casa noturna e dois integrantes da banda foram presos nos dias seguintes à tragédia, mas a Justiça concedeu liberdade provisória aos quatro em 29 de maio.

Veja as conclusões da investigação
- O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso no palco
- As faíscas atingiram a espuma do teto e deram início ao fogo
- O extintor de incêndio do lado do palco não funcionou
- A Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás
- Havia superlotação no dia da tragédia, com no mínimo 864 pessoas
- A espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular
- As grades de contenção (guarda-corpos) obstruíram a saída de vítimas
- A casa noturna tinha apenas uma porta de entrada e saída
- Não havia rotas adequadas e sinalizadas de saída em casos de emergência
- As portas tinham menos unidades de passagem do que o necessário
- Não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas





Fonte: Do G1

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